UM PASSEIO COM CUSTÓDIO MONTES
UM PASSEIO COM CUSTÓDIO MONTES
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Coroa de Sonetos
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1.
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Ao andar, a tristeza vai-se embora
Que vejo lindas moças a passar
Também cravos e rosas ao olhar
E vem-me uma alegria acolhedora
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Desenvolvo, ao andar, força motora
Que me faz ir mais longe a caminhar
Fortalecem-se os músculos a andar
Sentindo-me melhor a cada hora
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Vejo cravos e rosas, raparigas
Que me inspiram no verso e nas cantigas
Ao olhar o seu rosto e o seu seio
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Vejam bem o que ganho, pois remoço
Ao andar sem cansaço e pouco esforço
E a ver coisas lindas no passeio
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Custódio Montes
19.9.2023
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2.
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"E a ver coisa lindas no passeio"
Apesar dos tropeços e dos sustos,
Sou tentada a espreitar entre os arbustos
De onde emana um dulcíssimo gorgeio
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Um melro distraído em seu recreio
Consigo vislumbrar sem grandes custos
E sinto-me a mais brava dentre os justos
Por ter vencido incómodo e receio!
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Correm crianças junto do canteiro
Nestes cinquenta metros do carreiro
Que vai da minha porta ao cafezinho
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Mas não fora a bengala que me ampara,
Nem esse quase nada eu avançara
Que é cada vez mais duro o meu caminho...
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Mª João Brito de Sousa
19.09.2023 - 16.00h
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3.
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“Que é cada vez mais duro o meu caminho”
Porque já avançou a minha idade
E mesmo que eu siga com vontade
As pernas já me cansam um pouquinho
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Mas para mostrar força ao vizinho
Na rua vou com mais velocidade
Levanto o peito impante com vaidade
E para não sofrer vou com jeitinho
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Faço por parecer que sou um jovem
E para que os que passem o comprovem
Eu ando com um ritmo bem veloz
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Mas quando chego a casa já cansado
Deito-me a descansar um bom bocado
E só mostro a fraqueza quando a sós
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Custódio Montes
19.9.2023
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4.
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"E só mostro a fraqueza quando a sós"
Me encontro com meus versos... mas sem Musa
Porque ela odeia ver-me assim, contusa,
E ainda que me tolha dor atroz
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Monta no seu cavalo e vai veloz,
Sem qu`rer sequer ouvir a minha escusa,
Pra onde o corpo meu se me recusa
A tentar alcançar, ficando nós
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Eu e a dor que maldigo e me maldiz,
Achacada talvez, não infeliz,
Que sempre acabo assim, nem mal, nem bem:
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Acostumada à dor já eu vou estando
E se uma musa parte cavalgando,
Outra qualquer ressurge e me sustém!
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Mª João Brito de Sousa
19.09.2023- 20.00h
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5.
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“Outra qualquer ressurge e me sustém”
E assim eu vou andando devagar
Sento-me na parede, volto a andar
A musa às vezes vai atrás também
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Por norma inspiração ela contém
Pensa, escreve, corrige sem parar
Eu tomo as minhas notas e a olhar
Caminho mais um pouco e o verso vem
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O tempo passa, anda mais depressa
A musa vai-se embora e regressa
Outras vezes amua e vai embora
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Quando chego a casa já nem sei
Se o verso se compôs e se rimei
Ou se o poema vem ou se demora
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Custódio Montes
20.9.2023
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6.
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"Ou se o poema vem ou se demora",
Eis o que a toda a hora me espicaça
A alma, sob a velha carapaça
Do corpo estropiado no qual mora
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E enquanto envelhecendo, hora após hora,
Esta estranha incerteza me trespassa,
Vou-me enchendo de rugas porque a traça
Se faz pagar bem cara... mas valora!
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Passeio - mais por dentro que por fora-
E nasce em mim a fauna e cresce a flora
Que o tempo em mim semeia enquanto passa
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E quanto mais o tempo me decora,
Mais este corpo gasta e det`riora,
Mas mais a minha Musa aumenta em graça!
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Mª João Brito de Sousa
29.09.2023 - 14.30h
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7.
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“Mas mais a minha musa aumenta em graça!”
Porque tem lá por dentro o pensamento
Que extravasa cá fora de momento
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E apanha com élan tudo o que passa
Depois juntando a musa à sua raça
Envolve o seu poema com talento
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Que a gente sabe bem ser um portento
E cobre-o de beleza e assim o enlaça
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Andar é bem preciso para mim
Porque se não andasse julgo, enfim,
Que a minha musa nunca me ajudava
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A dar um lindo enfeite ao meu poema
E para o escrever era um dilema
Porque estando eu parado ela amuava
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Custódio Montes
20.9.2023
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8.
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"Porque estando eu parado ela amuava"
Tal como a minha amua se eu, teimando,
Me esforço para andar e tropeçando
Caio e nem sequer saio de onde estava...
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Porém, não sendo dela mera escrava,
Posso bem dispensá-la... ao meu comando
Irá meu coração, mesmo mancando,
Cobrar da Musa o que ela me cobrava
*
Se o cavalo-de-fogo é meu também,
Se somos filhas de uma mesma mãe
E de um só corpo estamos dependentes
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Somos apenas uma, tu e eu...
Sofrerá uma o que outra já sofreu,
Chorando um dia e, noutro, sorridentes.
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Mª João Brito de Sousa
20.09.2023 - 20.20h
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9.
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“Chorando um dia e, noutro, sorridentes”
Porque a alma e a musa em unidade
Andam, mesmo paradas, na cidade
Trabalham como moiras permanentes
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Não descansam e até mesmo doentes
Andam a magicar, pois, na verdade,
Não param no seu reino a majestade
De musa e alma tão eloquentes
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Mas eu transporto a musa a passear
Que ela segue contente a me inspirar
E se a sinto cansada então descanso
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Sentamo-nos num banco e encostados
Fica-nos livre a mente e abraçados
Mais facilmente a ideia eu alcanço
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Custódio Montes
20.92023
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10.
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"Mais facilmente a ideia eu alcanço",
Mais esta tresloucada e velha Musa
Correndo se me escapa e me recusa
Do verso o suave e pendular balanço...
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Ainda agora, qual touro não manso,
Tentou mudar de ritmo... e eu, confusa,
Vi-me aflita, lhe juro, que ela abusa
E não segue o compasso em que eu avanço!
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Uma única vez me aconteceu,
Vê-la muito mais forte do que eu,
Mudar-me um hemistíquio todo inteiro,
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Impor-me as cinco sílabas sonoras
E deixar-me um vazio que durou horas
Nas teclas e na tinta do tinteiro!
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Mª João Brito de Sousa
20.09.2023 - 22.30h
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11.
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“Nas teclas e na tinta do tinteiro”
Ficou-me o pensamento a fraquejar
A ideia foi-se embora e a baralhar
A palavra ficou sem paradeiro
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Andei a procurá-la o dia inteiro
Foi-se a manhã e a tarde a procurar
A noite apareceu e ao acordar
Encontrei-a bem junto ao travesseiro
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Falei com ela, amei-a, fiz-lhe festas
Ficou muito feliz, limou arestas
Levou-me à porta, então, da poesia
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Palavra harmoniosa, obrigado
Encontrei o teu rumo e encontrado
Deixaste-me inundado de alegria
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Custódio Montes
20.9.2023
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12.
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"Deixaste-me inundado de alegria"
O coração que quase me parou
Quando senti que alguém me sequestrou
O dom de dominar a melodia
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E já só me restava o que saía,
Qual disco velho que outro alguém riscou...
Sim, meu amigo, o susto já passou
E serenou-me a mão que então tremia,
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Mas não me sinto ainda bem segura
De nunca mais viver esta loucura,
Esta impotência face à poesia
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Este não conhecer-me em quem eu era
E a sensação de ser eterna a espera
A que me condenou esta avaria!
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Mª João Brito de Sousa
21.09.2023 - 00.00h
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13.
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“A que me condenou esta avaria!”
Mas andar faz-me bem ao coração
Alivia-me a mente e a tensão
E vejo cravos, rosas, harmonia
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Inspira-me a vereda que me guia
A ver e encontrar o pontilhão
Que atravesso com toda a atenção
E chego logo ao cais da poesia
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Salto dentro, onde encontro a palavra
E vou lançando a ideia e sigo a lavra
Com harmonia, gosto e com carinho
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Descanso, sinto cheiros, vejo flores
E penso, nessa altura, nos amores
Fazendo-lhes poemas no caminho
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Custódio Montes
21.9.2023
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14.
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"Fazendo-lhes poemas no caminho"
Está o nosso passeio quase findo
E devo-lhe dizer que foi bem lindo,
Embora me pareça, a mim, curtinho...
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Ainda que eu não tenha um passo asinho
E me atrapalhe para o ir seguindo...
Outro virá e eu esperarei sorrindo
Que da próxima vez não vá sozinho
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Porque embora tolhida e vagarosa
Quero poder ver uma ou outra rosa
Dessas que brotam da terra onde mora
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E passo a passo, ainda que me assuste,
Sei que o que diz não é nenhum embuste:
"Ao andar a tristeza vai-se embora"!
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Mª João Brito de Sousa
21.09.2023 - 13.15h
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Na fotografia, eu com a minha saudosa Ficus elastica, nos alvores deste século