Maria João Brito de Sousa
Eu, fotografada por Rogério V. Pereira
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DIVERSOS DÕES REPARTE O CÉU BENINO *
Diversos dões reparte o Ceo benino,
E quer que cada huma alma hum só possua;
Por isso ornou de casto peito a Lua,
Que o primeiro orbe illustra crystallino; *
De graça a Mãe formosa do Menino,
Que nessa vista tẽe perdido a sua;
Pallas de sciencia não maior que a tua:
Tẽe Juno da nobreza o imperio dino. *
Mas junto agora o largo Ceo derrama
Em ti o mais que tinha, e foi o menos
Em respeito do Autor da natureza. *
Que a seu pezar te dão, formosa dama,
Seu peito a Lua, sua graça Venos,
Sua sciencia Pallas, Juno sua nobreza *
Luís de Camões ***
Eu que formosa fui em tempos idos
Mas despojada estou dessoutros dões,
Não sei por que converso com Camões
Se o grande vate não quer dar-me ouvidos... *
Ainda que me cubra de vestidos,
De jóias de quilate e de galões,
Este corpo é tão falho em atracções,
Quão fértil em maleitas e pruridos! *
De infindos dões, contudo, fui dotada
P`lo já citado Autor da natureza
Que mui pródigo foi para comigo *
Ao dar-me a voz que deu, pra ser cantada,
Ao deixar-me morrer voltando ilesa
E ao ceder-me um tal Mestre enquanto amigo. *
Mª João Brito de Sousa
16.04.2024 - 11.00h ***
O Soneto de Camões foi transcrito do blog Sociedade Perfeita
publicado às 11:53
Maria João Brito de Sousa
Imagem Pinterest
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DIALOGANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XXIII *
COMO QUANDO DO MAR TEMPESTUOSO
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Como quando do mar tempestuoso
O marinheiro todo trabalhado,
De hum naufragio cruel sahindo a nado,
Só de ouvir fallar nelle está medroso: *
Firme jura que o vê-lo bonançoso
Do seu lar o não tire socegado;
Mas esquecido ja do horror passado,
Delle a fiar se torna cobiçoso: *
Assi, Senhora, eu que da tormenta
De vossa vista fujo, por salvar-me,
Jurando de não mais em outra ver-me; *
Com a alma que de vós nunca se ausenta,
Me tórno, por cobiça de ganhar-me,
Onde estive tão perto de perder-me. *
Luíz de Camões
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Se vos haveis ganhado onde perdido
Estivestes quase, quase, em fúria tanta,
Cuidai de vos cuidar que se alevanta
Tormenta bem maior que a que heis sentido *
Imensa em força, doble em arruído
E capaz de vergar mesmo Atalanta,
Esta a todas as outras as suplanta
Pois mais de mil borrascas há vencido *
Fugi então de ouvir novas de mim:
Se da fúria primeira vos salvastes,
Quiçá duma segunda o não possais... *
Fugi com vosso frágil bergantim
Da extrema indignação que provocastes
Conquanto de inocência vos cubrais! *
Mª João Brito de Sousa
28.03.2024 -11.00h ***
O soneto de Camões foi transcrito do blog Sociedade Perfeita
publicado às 11:10
Maria João Brito de Sousa
QUANDO A LUA TARDAVA DE LUAR
Bebi o néctar fresco desse olhar
Numa tarde ofuscada plo sol pôr
Quando a lua tardava de luar
E as sombras se alongavam sem pudor
E, esqueci-me das horas nesse mar
Nas ondas encrespadas pelo amor
Que vão adormecendo devagar
Num arrasto espumoso de candor
Havia no céu lápis de carvão
Que peenchiam nuvens em fusão
Na noite que beijou restos da lua
Lentamente caíram gotas frias
Que afagaram meu corpo em cortesias
Cobrindo minha pele ainda nua
MEA
23/11/2016
OUSADIAS DE UMA POETA SINESTETA
"Bebi o néctar fesco desse olhar",
Provei o pão das bocas mais famintas,
Mas fui matando a fome num manjar
Composto por pincéis, telas e tintas
"E esqueci-me das horas nesse mar"
Que também será meu, caso o consintas,
Pois que, sem to pedir, te ouso glosar
Com letras de impressão, negras, retintas...
"Havia no céu lápis de carvão"
E eu, que os tinha mesmo ali, à mão,
Usei-os pr`a esboçar-te algumas glosas;
"Lentamente caíam gotas frias"
Sobre estas letras que outras ousadias
Coloriam de azuis, brancos e rosas...
Maria João Brito de Sousa - 23.11.2016 -17.53h
publicado às 12:00