Maria João Brito de Sousa
(Soneto em verso hendecassilábico e rima encadeada)
Fecharam-me um dia numa arca de espantos;
Roubaram-me, uns tantos, fortuna, alegria,
Quanto eu possuía de força e de encantos
Deixando-me os mantos com que me cobria,
Quando eu mal sabia da dor, dos quebrantos,
Dos sábios, dos santos, do frio que faria...
Alguma energia, contida entre prantos,
Me ergueu desses cantos que eu desconhecia
E, aos poucos, fui vendo que essa arca de ferro
Era um simples erro e... de erros, entendo!
Lá fui aprendendo com erro após erro...
Nessa arca me encerro mas, dela nascendo,
Ouve-se, em crescendo, um protesto, um berro
E os dentes que cerro, rangendo, rangendo...
Maria João Brito de Sousa – 17.11.2017 – 13.20h
publicado às 15:19
Maria João Brito de Sousa
Eu reivindico as rugas! Ruga a ruga,
Fui conquistando ao tempo a Poesia,
Esta que agora gravo, inda que, em fuga,
Mais pareça criar desarmonia,
Porquanto, cruamente, a dor me aluga
Os sentidos em flor com que escrevia
E nem a melodia em mim madruga
Como há bem pouco tempo acontecia...
Foi, no entanto, delas que me veio
Cada verso daquel`s por que hoje anseio
E que não trocarei por coisa alguma;
Venham mais rugas porque as não receio!
De falsidades anda o mundo cheio
E, às minhas, conquistei-as uma a uma!
Maria João Brito de Sousa – 03.08.2017 - 11.35h
Dedicado à MEA e escrito após a leitura do seu lindíssimo soneto
“Não Deixem que me Vista de Saudade”.
Imagem retirada da Fábrica de Histórias
publicado às 11:50
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em decassílabo heróico)
Não sei se as tuas horas - minhas, nossas.... - São suaves e sedosas, se, magoadas, À dor de cada dia são roubadas, Mas quero-te pedir, logo que possas,
A ti, que tantas vezes ris e troças De horas que se te alongam como estradas, Que acompanhes de perto outras passadas; As das horas pesadas, curtas, grossas,
Das solas da velhice e, das pegadas, Contar-me-ás depois: - Foram cardadas? Passeiam sobre asfalto, ou calcam roças?
E quantas pedras soltas, quantas poças De lodo e sofrimento são pisadas Quando as horas se arrastam, de cansadas?
Maria João Brito de Sousa - 10.11.2016 - 17.19h
Tela de Vincent Van Gogh
publicado às 17:09
Maria João Brito de Sousa
I
O sol é grande: caem coa calma as aves,
Do tempo em tal sazão, que sói ser fria.
Esta água que alto cai acordar-me-ia,
Do sono não, mas de cuidados graves.
Ó cousas, todas vãs, todas mudaves,
Qual é tal coração que em vós confia?
Passam os tempos, vai dia trás dia,
Incertos muito mais que ao vento as naves.
Eu vira já aqui sombras, vira flores,
Vi tantas águas, vi tanta verdura,
As aves todas cantavam de amores.
Tudo é seco e mudo; e, de mistura,
Também mudando-me eu fiz doutras cores.
E tudo o mais renova: isto é sem cura!
Francisco Sá de Miranda - 1481/1558
II
Filha de um novo tempo, nada sabes
das minhas mil razões, da minha dor,
da força que me eleva, como as aves
esvoaçam nesse azul em derredor,
Mas se em tempo distamos, se mal cabes
nos versos que deixei quando o vigor
soprava, poderoso, sobre as traves
do corpo, que era o meu, no seu melhor
Hoje coube-me ler-te e, num repente,
nasceu-me esta vontade de entender-te,
de ver-te, ainda vivo, inda presente...
Loucura minha, eu sei, pois, conhecer-te,
foi mero impulso que, embora premente,
soçobrou no momento em que ousei ler-te.
Maria João Brito de Sousa - 11.10.2015 - 14.21h
II
Filha de um novo tempo, nada sabes
das minhas mil razões, da minha dor,
da força que me eleva, como as aves
esvoaçam nesse azul em derredor,
Mas se em tempo distamos, se mal cabes
nos versos que deixei quando o vigor
soprava, poderoso, sobre as traves
do corpo, que era o meu, no seu melhor
Hoje coube-me ler-te e, num repente,
nasceu-me esta vontade de entender-te,
de ver-te, ainda vivo, inda presente...
Loucura minha, eu sei, pois, conhecer-te,
foi mero impulso que, embora premente,
soçobrou no momento em que ousei ler-te...
Maria João Brito de Sousa - 11.10.2015 - 14.21h
publicado às 14:25
Maria João Brito de Sousa
Em verdade vos digo que este mundo,
Tão cheio de armadilhas e traições,
No qual eu tantas vezes me confundo,
Me vai dando muitíssimas lições
E, se às vezes me zango, cá no fundo,
Aproveitando as tais contradições,
Vislumbro as soluções de que me inundo
E vou tirando as minhas conclusões…
Em verdade, portanto, vos repito
Que mesmo que o caminho me pareça
Demasiado agreste, assustador,
Eu não recuarei porque acredito
Que, até que esta vontade prevaleça,
Jamais o enfrentarei com vão temor…
Maria João Brito de Sousa – 01.07.2010 – 22.51h
publicado às 11:22
Maria João Brito de Sousa
Não separes a vida de um poeta
Do poeta que vive a sua vida
Pois todo o seu percurso se completa
Em sequência causal, sempre incontida.
Se entendes que é inútil, incorrecta,
O erro será teu. Ela é cumprida
Até ao fim da página secreta
Do livro dessa sua intensa lida.
Não separes os dois. Não os separes,
Se acaso te passar pela cabeça
Vir a julgar o quanto sente e exprime.
Poeta, vida e obra… se os julgares,
Repara que ele, sem medo, se confessa
Quando uma insana culpa, a ti, te oprime…
publicado às 14:34
Maria João Brito de Sousa
Olhei-te e, nesse olhar que vem de dentro,
Descobri forças e fragilidades,
Amores, desilusões, cumplicidades,
Nas mil nuances desse humor cinzento…
É nesse teu olhar que agora enfrento,
Que eu, que não sei dizer senão verdades,
Descubro o intruso gérmen das saudades
Desabrochando em verbo e sofrimento.
Mas o tempo passou. Cristalizado,
Foi ficando p`ra trás esse passado
Quando lançada à terra outra semente
E quero lá saber que o resultado
Me possa até magoar! Maior pecado
Seria andar p`ra trás, olhando em frente.
IMAGEM - MENINA LOROSAE, Maria João Brito de Sousa, 1999 (vendido)
publicado às 11:56
Maria João Brito de Sousa
Quem diria que a voz se te perdia,
Que os olhos se te haviam de fechar,
Que pudesses partir sem te acabar,
Antes que se findasse essa alegria?
Quem diria que a vida fecharia
Seu aro ao teu destino de sonhar,
Que a morte te haveria de levar
Sem avisar que assim te levaria?
Silêncio. Só depois aplaudirei
O que de ti conheço, o que não sei,
O que adivinho até. Silêncio só!
Mais tarde acabarei por entender.
Por ora só silêncio, esse roer
De grãos mudos chorando sob a mó…
IMAGEM RETIRADA DA INTERNET
publicado às 16:56
Maria João Brito de Sousa
A EMANCIPAÇÃO DA NARRATIVA
Que estranhas provações eu já provei…
Um qualquer astro que se chegue a mim
Perguntará se já fui feita assim
Ou se acaso aprendi, me transformei…
Aquela que vos conta o que passei
Não é, como pensais, capaz de um “sim”
Sem ant` estrebuchar até ao fim
Nessas muralhas de aço que eu lhe dei…
Se um narrador diz “eu”, nem sempre o “eu”
Se refere, afinal, ao narrador…
Como vós bem sabeis, sempre assim foi!
Por isso Ela é, tão só, quem concebeu
A minha própria essência, esse valor
Que tanto nos faz rir como nos dói…
O PAPEL PRINCIPAL
Amou desse amor louco, inexplicável,
Sem fundamento, sem sentido até…
Perdeu-se do seu rumo – a sua fé –,
Tornou-se muito pouco razoável.
Fez questão de partir sem ter chegado;
Fez questão de encontrar-se antes de si…
Estava nesse ir e vir quando eu o vi,
Correndo entre futuros… no passado.
O “Louco” dessa peça, era, porém,
Aquele que conseguisse ir mais além…
Fui primeira-figura e, sem notar,
Dei comigo no palco, travestida.
Assim cumpri milénios desta vida
Quando tinha o papel por decorar…
PRIMEIRO A VERDADE!
Às vezes… muitas vezes… tantas vezes!
Pareço bem pior do que o que sou…
Fico “bicho-de-conta” e não me dou,
Nem partilho alegrias e revezes…
Outras, porém, acendo-me em sorrisos!
Sou girassol aberto a quem passar
E desfaço-me em noites de luar,
Abstrusa, inexplicada, entre os concisos…
Por vezes torno-me ostra, outras… enfim…
Consigo-me afastar até de mim,
Não sei por onde vou nem se lá chego…
Umas vezes criança, outras já velha,
Umas habilidosa, outras “aselha”…
Mas – primeiro a verdade! – eu nunca o nego!
IMAGEM RETIRADA DA INTERNET
publicado às 12:02