Maria João Brito de Sousa
SONETO TARDIO
*
Mergulhei no sonho das alegorias
Já que de energias e sons me componho,
E o tempo é risonho se der garantias
De enfrentar fobias sem medo ao medonho.
*
Hoje pressuponho que, ao longo dos dias,
De conchas vazias, apenas, disponho...
Que mais me proponho quando, horas tardias,
Em vez de harmonias, encontro bisonho
*
Um tempo a que oponho sons e melodias?
Sim, houve avarias, mas não me envergonho
Das coisas que sonho. Se roubas fatias
*
Dessas fantasias de mel e medronho,
Depressa reponho quantas me desvias
Que entre as sombras frias me adentro e me exponho.
*
Maria João Brito de Sousa – 21.05.2019 – 21.16h
publicado às 12:14
Maria João Brito de Sousa
QUEM ISTO EM SI SENTE *
Nós que cultuamos as sonoridades
E expomos verdades nos versos que ousamos,
Que nos desnudamos de culpa e vaidades
Derrubando as grades contra as quais chocamos, *
Nós que aqui nos damos em espanto e vontades
Nas cumplicidades de quanto sonhamos,
Saudáveis, insanos, com ou sem saudades,
Nos campos, cidades ou onde estejamos, *
Nós, os que criamos compulsivamente
Roçando a tangente dos limites nossos
Com nervos e ossos que, subitamente, *
Crescem qual semente e nos tornam colossos
Que em vez de destroços voltam a ser gente...
Quem isto em si sente, pode quanto eu posso! *
Mª João Brito de Sousa
01.07.2022 - 14.30h ***
Aos poetas em geral e aos sonetistas, em particular.
publicado às 15:00
Maria João Brito de Sousa
ABRAM ALAS! *
"De gestos sem graça ou de traços grosseiros"
Não quero, garanto, ser perpetradora
E tão pouco quero versos embusteiros
Que apenas galopem à força de espora *
Desdenho os encómios que são traiçoeiros,
Qual gato escondido c`o rabo de fora
Mas cultivo os cactos, embora em canteiros,
Que comigo trouxe das matas de outrora... *
Se glórias não quero prás C´roas que teço,
É certo que gosto que as leiam, confesso,
Embora sozinha nem tente engendrá-las *
Mas se acaso entendo virar do avesso
Poema que eu queira findar no começo,
Ao génio da Musa recorro: Abram alas! *
Mª João Brito de Sousa
30.06.2022 - 13.00h ***
Poema concebido a partir do último verso do soneto NÃO QUERO, de MEA (Maria Encarnação Alexandre)
publicado às 14:31
Maria João Brito de Sousa
CRONOLOGIA *
"Sem lugar seguro ou presença de abraço"
Morre enfim o laço que enlaça o futuro
Ao bater num muro que se ergue no espaço,
No final de um traço tão curto quão duro *
Sempre assim foi, juro!, e se me embaraço
No caminho lasso de um percurso obscuro,
É porque procuro saber por que o faço,
Por que, passo a passo, mais me ergo e me curo *
Quando tanto aturo para andar por cá...
Mas se ao deus-dará espalho os meus "tesouros"
Por cristãos ou mouros servidores de Alá, *
Quer vá, quer não vá ouvir desaforos,
Só lhes deixo esporos. São tudo o que dá
Este meu chão já despojado de toros... *
Mª João Brito de Sousa
29.05.2022 - 13.40h ***
Soneto criado a partir do último verso do soneto FOLHA DE TEMPO de MEA
publicado às 10:19
Maria João Brito de Sousa
NUNCA DESENCANTES UM SAPO! *
Quebra-se a magia do beijo assombrado
Que magicamente faz, do sapo, humano...
Quanta angústia emerge, quanto desengano
Pra quem fora um simples sapo descuidado! *
Vá lá! Nunca beijes um sapo encantado!
Lembra-te que podes causar-lhe tal dano
Que o pobre batráquio, de bichito ufano,
Passe a ser humano. Coitado, coitado! *
Pobre desse sapo que estando inocente
De culpa, de intriga, de ódio e de traição,
Se torna consciente das falhas que tem *
Quando, por um beijo, se transforma em gente
E perde inocência. Que desilusão...
Tu, quando o beijaste, sabia-lo bem! *
Maria João Brito de Sousa
19.06.2008 - 08.53h
***
Reformulado
publicado às 10:44
Maria João Brito de Sousa
O REPICAR DOS SINOS *
Às vezes, ao longe, nos dias mais claros,
Oiço esses teus sinos celebrando a vida,
Noutros, o silêncio dos dias avaros
Impõe-se à toada quase emudecida. *
Se um corpo atingido por estranhos disparos
Se curva dorido e lambe a sua f`rida,
Geme castigado, teme os desamparos,
Já nem escuta os sinos, procura é guarida... *
Assim acontece com musas, também;
Quando estão magoadas não ouvem ninguém,
Fecham-se em si próprias até, sei lá quando, *
Com harpas, com flautas ou com violinos,
Correrem pra nós. Repicam os sinos
Que abafam as mágoas que nos vão sobrando! *
Maria João Brito de Sousa - 20.09.2021 - 17.00h
*
Trabalho inspirado no soneto, também em verso hendecassilábico, "Tocarei os Sinos" da autoria de MEA
*
Imagem - Tela de Pablo Picasso
publicado às 09:24
Maria João Brito de Sousa
PERGUNTO AOS PARDAIS... *
"Se nem sequer tenho a sua liberdade",
Roubam-me a vontade que tão só mantenho
Quando este desenho das mãos se me evade
Tal como a saudade dos tempos de antanho... *
Que normal tão estranho! Será de verdade?
Que impalpável grade sem cor nem tamanho
Cobre este rebanho, esta humanidade
Morta de ansiedade que agora acompanho *
Como se fosse anho? A vós que voais,
Por não poder mais, perguntarei agora
E não vou embora sem que respondais; *
Vós, simples pardais, voareis por quem chora
Os dias de outrora que vós nem lembrais?
- Queres saber demais!, esclarece-me a demora. *
Maria João Brito de Sousa - 12.02.21 - 20.00h
*
Soneto criado a partir do último verso do soneto PÁSSAROS da autoria de Joaquim Sustelo.
publicado às 10:26
Maria João Brito de Sousa
MULHER *
Passeia-se apenas, sem fitas, sem folhos
Trazendo nos olhos sorrisos e penas...
Como esta há centenas, encontram-se aos molhos
Por entre os restolhos, louras e morenas. *
Marias e helenas que contornam escolhos,
Com ou sem piolhos, virtuosas, obscenas,
São como açucenas; a chave e ferrolhos
Franzem os sobrolhos. Grandes ou pequenas *
Derrubam empenas, são donas das ruas,
Das marés, das luas... Em todos os astros
Ergueram os mastros das coisas mais suas *
E sempre assim, nuas, deixaram seus rastos
Nos muros dos castros, no chão das faluas
E até no que intuas dos seus corpos gastos. *
Maria João Brito de Sousa - 03.02.2021 - 14.04h ***
Gravura de Manuel Ribeiro de Pavia in LIVRO DE BORDO, de António de Sousa.
publicado às 14:09
Maria João Brito de Sousa
TECENDO MEMÓRIAS *
Touquinha de renda e botinhas de lã,
Bem mais que uma irmã, vi nela uma prenda
Que sem encomenda chegara bem sã
E certa manhã se me dera em of`renda. *
A quem não entenda ternura tão sã
Ou a julgue vã e a não compreenda,
Peço que suspenda a versãozinha chã
Da eterna maçã concebida pra venda; *
Pode ser merenda prá minha memória,
Mas é outra a história desta tecedeira,
Velha fiandeira da causa ilusória
*
Que fia sem glória e de uma outra maneira
Cinzas de lareira numa trajectória
Tão contraditória quanto verdadeira. *
Maria João Brito de Sousa - 02.10.2020 - 12.00h
IMAGEM - "Le Berceau", Berthe Morisot
publicado às 12:05
Maria João Brito de Sousa
MEMÓRIAS
DE UM
NÁUFRAGO PERFEITO *
Do vento que sopra, da proa que afunda,
Do mastro partido, do leme encravado,
De ouvir os gemidos do velho costado
Da barca que oscila, bojuda, rotunda, *
Na crista da onda, no mar em que abunda
Escolho traiçoeiro que espreita, aguçado,
Escondido na espuma, submerso, acoitado
Em água que a Barca julgava profunda... *
De tudo me lembro, se bem que já esteja,
No tempo passado, submerso também
E seja esta imagem longínqua o que eu veja *
Da Barca que afunda nos sonhos de alguém,
Apenas a sombra que passa e festeja
Não ser verdadeira, nem ser de ninguém. *
Maria João Brito de Sousa
11.01.2017 - 10.52h
*** (Soneto em verso hendecassilábico)
Ao meu avô poeta, António de Sousa
publicado às 09:17