Maria João Brito de Sousa
*
TENHO UMA AMIGA *
Tenho uma amiga que vive em Oeiras
Escrevia, antes, sempre noite e dia
Não sei o que tem, estou sem alegria
É, entre as amigas, uma das cimeiras *
Tenho outras, claro, também verdadeiras
Mas sem grande rasgo a escrever poesia
Outros predicados de categoria Que muito me agradam, amigas inteiras *
Mas esta de Oeiras é muito inspirada Tem ao pé a musa com ela amestrada
Ambas muito ilustres, ambas de condão *
Uma não tem nome, é essa que inspira
A outra, já digo, é a que gente admira
Tem um nome lindo: Maria João. *
Custódio Montes 26.1.2024
*** TENHO UM AMIGO *
Dos muitos amigos que por cá vou tendo,
Já só um me acode se penso em tecer
Uma bela C´roa que tanto prazer
Traz à minha vida quando a estou tecendo *
Custódio se chama e nos montes vivendo
Montes traz no nome que lhe coube ter
E eu montanhas subo pra lhe responder;
Ele comigo aprende e eu com ele aprendo... *
Mais amigos tenho que aqui não nomeio
Porque sendo tantos tenho algum receio
De algum me falhar e fazer má figura *
Pois neste soneto com dedicatória
Não arrisco lapsos, desses que a memória
Nos impõe se a vida vai longa e foi dura... *
Mª João Brito de Sousa
31.01.2024 - 20.15h ***
Sonetos hendecassilábicos
publicado às 22:01
Maria João Brito de Sousa
AMOR E DOR
(Provocação): *
O amor não tem dor que a dor se foi embora
Sentiu o calor que à volta encontrava
E fugiu a tempo que o tempo queimava
E com barulheira nada sedutora *
Fugiu para longe com raiva motora
Enquanto o amor o seu amor amava
E o que era sonho real se tornava
Braços entrançados, beijos hora a hora *
O céu enrubesce, campeia o fervor
No meio da dança da dança do amor
Com tanta alegria quando o amor chega *
Nessa fantasia com entretimento
O amor não pára germina sedento
E com esse encanto nunca a dor lhe pega *
Custódio Montes
21.6.2023 ***
"E com esse encanto nunca a dor lhe pega"
A menos que cega esteja tanto, tanto
Talvez desse pranto louco a que se entrega
Dizendo que o nega, mentindo portanto *
Quando diz que o canto é tudo o que alegra
A Musa que alega ser lúcido espanto
Sem dor nem quebranto já que nada a quebra
E jamais sossega sem um acalanto... *
Que não falte o manto de negro retinto
Se de negro a pinto conforme ela gosta
Quando está disposta a sentir como eu sinto *
E num labirinto transforma a proposta
Antes de transposta a demanda que finto
Porque - não vos minto! - lhe ignoro a resposta *
II *
Mas sei que sem Dor nunca Amor existiu
Tal como sem frio não existe calor
Nem existe cor onde houver um vazio
E nunca houve rio que outro rio bem maior *
Não pudesse impor-lhe um profundo desvio
No seu desvario de a tudo transpor...
Quem estua suor sem dizer que buliu,
Quem fia o seu fio sem medir-lhe o valor? *
E deixo um louvor para quem fantasia
O que aqui (re)cria com garra e paixão
Quase um turbilhão duma grata ousadia *
Que andou noite e dia em contida tensão
Entre a contensão que a razão lhe pedia
E o que eu não diria da provocação... *
Mª João Brito de Sousa
10.08.2023 - 16.40h ***
PS - Peço desculpa a TODOS os amigos mas estou ainda muito longe de poder visitar-vos ou mesmo responder-vos.
Limito-me a publicar este trabalho para mostrar que ainda estou viva e que tenho alguma esperança de um dia poder retomar as minhas publicações diárias.
Para todos, um grande abraço!
publicado às 17:02
Maria João Brito de Sousa
MEMÓRIAS DE UM NÁUFRAGO PERFEITO *
Do vento que sopra, da proa que afunda,
Do mastro partido, do leme encravado,
Dos longos gemidos do velho costado,
Da barca que oscila, bojuda, rotunda, *
Na crista da onda, no mar em que abunda
Escolho traiçoeiro que espreita, aguçado,
Escondido na espuma, submerso, acoitado
Em zona que a Barca julgava profunda... *
De tudo me lembro, se bem que já esteja,
No tempo passado, submerso também
E seja esta imagem longínqua o que eu veja *
Da Barca que afunda nos sonhos de alguém
Apenas a sombra que passa e festeja
Não ser verdadeira, nem ser de ninguém! *
Maria João Brito de Sousa
11.01.2017 - 10.52h ***
Ao meu avô poeta, António de Sousa
*
(Soneto em verso hendecassilábico)
publicado às 23:16
Maria João Brito de Sousa
DA ARTE DE BEM GAVALGAR UM SONETO *
A arte de bem cavalgar um soneto
Pede, antes de tudo, um ouvido apurado,
A extrema leveza de um vôo de insecto
E um pouco da garra de um bicho indomado... *
Começa o galope, de início inconcreto,
Depois, em crescendo, mais bem concentrado
No espaço e no tempo. Seria incorrecto
Dizer que o soneto correu tresloucado *
Até ao final do segundo terceto,
Pois já no primeiro está determinado
A seguir um rumo certeiro e directo *
Para, finalmente, parar já cansado...
Em linhas gerais, se aceitares este repto,
São estas as "regras" do repto lançado! *
Mª João Brito de Sousa
29.03.2023 - 22.15h ***
publicado às 23:27
Maria João Brito de Sousa
SONETO DO DESAMOR POSSÍVEL II *
Galguei altas vagas, sondei-te as entranhas,
E entrei no teu templo. Não me ajoelhei.
Se não mais me queres, se assim me desdenhas,
Também eu te juro que te esquecerei *
Cavaste os abismos e criaste as montanhas
Para que eu subisse. Nunca eu subirei
Tão altas encostas de escarpadas penhas,
Nem aos teus abismos jamais descerei! *
Se sou tão só sombra de ruínas e escombros,
Não sentes o peso que trago nos ombros
E julgas ser pouco o que ergui para ti, *
Verás que também tu estarás, pouco a pouco,
A desvanecer-te até que sobre o oco
Daquilo que foste... Ou daquilo em que eu cri? *
Mª João Brito de Sousa
04.03.2023 - 12.40h ***
publicado às 13:07
Maria João Brito de Sousa
ico
NA ENXURRADA *
Nas veias do tempo, correm vida e morte,
Ambas em desnorte e ao sabor do vento
E ouve-se um lamento, ora suave, ora forte,
Conforme o recorte do seu sofrimento... *
Arde em fogo lento sem que alguém se importe
Esse que anda à sorte por não ter sustento
E eu que o não fomento, nem lhe sou consorte,
Dar-lhe-ei suporte? Não posso, mas tento *
Já que me apresento pra representá-lo
Porque de si falo tendo eu quase nada
E se, despojada, não posso ajudá-lo *
Posso bem escutá-lo e senti-lo, magoada...
Vou na enxurrada, não posso evitá-lo,
Mas porque o não calo, não morro culpada. *
Mª João Brito de Sousa
28.10.2022 - 10.00h ***
publicado às 10:13
Maria João Brito de Sousa
SONETO TARDIO
*
Mergulhei no sonho das alegorias
Já que de energias e sons me componho,
E o tempo é risonho se der garantias
De enfrentar fobias sem medo ao medonho.
*
Hoje pressuponho que, ao longo dos dias,
De conchas vazias, apenas, disponho...
Que mais me proponho quando, horas tardias,
Em vez de harmonias, encontro bisonho
*
Um tempo a que oponho sons e melodias?
Sim, houve avarias, mas não me envergonho
Das coisas que sonho. Se roubas fatias
*
Dessas fantasias de mel e medronho,
Depressa reponho quantas me desvias
Que entre as sombras frias me adentro e me exponho.
*
Maria João Brito de Sousa – 21.05.2019 – 21.16h
publicado às 12:14
Maria João Brito de Sousa
QUEM ISTO EM SI SENTE *
Nós que cultuamos as sonoridades
E expomos verdades nos versos que ousamos,
Que nos desnudamos de culpa e vaidades
Derrubando as grades contra as quais chocamos, *
Nós que aqui nos damos em espanto e vontades
Nas cumplicidades de quanto sonhamos,
Saudáveis, insanos, com ou sem saudades,
Nos campos, cidades ou onde estejamos, *
Nós, os que criamos compulsivamente
Roçando a tangente dos limites nossos
Com nervos e ossos que, subitamente, *
Crescem qual semente e nos tornam colossos
Que em vez de destroços voltam a ser gente...
Quem isto em si sente, pode quanto eu posso! *
Mª João Brito de Sousa
01.07.2022 - 14.30h ***
Aos poetas em geral e aos sonetistas, em particular.
publicado às 15:00
Maria João Brito de Sousa
ABRAM ALAS! *
"De gestos sem graça ou de traços grosseiros"
Não quero, garanto, ser perpetradora
E tão pouco quero versos embusteiros
Que apenas galopem à força de espora *
Desdenho os encómios que são traiçoeiros,
Qual gato escondido c`o rabo de fora
Mas cultivo os cactos, embora em canteiros,
Que comigo trouxe das matas de outrora... *
Se glórias não quero prás C´roas que teço,
É certo que gosto que as leiam, confesso,
Embora sozinha nem tente engendrá-las *
Mas se acaso entendo virar do avesso
Poema que eu queira findar no começo,
Ao génio da Musa recorro: Abram alas! *
Mª João Brito de Sousa
30.06.2022 - 13.00h ***
Poema concebido a partir do último verso do soneto NÃO QUERO, de MEA (Maria Encarnação Alexandre)
publicado às 14:31
Maria João Brito de Sousa
CRONOLOGIA *
"Sem lugar seguro ou presença de abraço"
Morre enfim o laço que enlaça o futuro
Ao bater num muro que se ergue no espaço,
No final de um traço tão curto quão duro *
Sempre assim foi, juro!, e se me embaraço
No caminho lasso de um percurso obscuro,
É porque procuro saber por que o faço,
Por que, passo a passo, mais me ergo e me curo *
Quando tanto aturo para andar por cá...
Mas se ao deus-dará espalho os meus "tesouros"
Por cristãos ou mouros servidores de Alá, *
Quer vá, quer não vá ouvir desaforos,
Só lhes deixo esporos. São tudo o que dá
Este meu chão já despojado de toros... *
Mª João Brito de Sousa
29.05.2022 - 13.40h ***
Soneto criado a partir do último verso do soneto FOLHA DE TEMPO de MEA
publicado às 10:19
Maria João Brito de Sousa
NUNCA DESENCANTES UM SAPO! *
Quebra-se a magia do beijo assombrado
Que magicamente faz, do sapo, humano...
Quanta angústia emerge, quanto desengano
Pra quem fora um simples sapo descuidado! *
Vá lá! Nunca beijes um sapo encantado!
Lembra-te que podes causar-lhe tal dano
Que o pobre batráquio, de bichito ufano,
Passe a ser humano. Coitado, coitado! *
Pobre desse sapo que estando inocente
De culpa, de intriga, de ódio e de traição,
Se torna consciente das falhas que tem *
Quando, por um beijo, se transforma em gente
E perde inocência. Que desilusão...
Tu, quando o beijaste, sabia-lo bem! *
Maria João Brito de Sousa
19.06.2008 - 08.53h
***
Reformulado
publicado às 10:44
Maria João Brito de Sousa
O REPICAR DOS SINOS *
Às vezes, ao longe, nos dias mais claros,
Oiço esses teus sinos celebrando a vida,
Noutros, o silêncio dos dias avaros
Impõe-se à toada quase emudecida. *
Se um corpo atingido por estranhos disparos
Se curva dorido e lambe a sua f`rida,
Geme castigado, teme os desamparos,
Já nem escuta os sinos, procura é guarida... *
Assim acontece com musas, também;
Quando estão magoadas não ouvem ninguém,
Fecham-se em si próprias até, sei lá quando, *
Com harpas, com flautas ou com violinos,
Correrem pra nós. Repicam os sinos
Que abafam as mágoas que nos vão sobrando! *
Maria João Brito de Sousa - 20.09.2021 - 17.00h
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Trabalho inspirado no soneto, também em verso hendecassilábico, "Tocarei os Sinos" da autoria de MEA
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Imagem - Tela de Pablo Picasso
publicado às 09:24