GLOSANDO FLORBELA ESPANCA (6)
TARDE NO MAR
A tarde é de oiro rútilo: esbraseia,
O horizonte: um cacto purpurino.
E a vaga esbelta que palpita e ondeia,
Com uma frágil graça de menino,
Poisa o manto de arminho na areia
E lá vai, e lá segue ao seu destino!
E o sol, nas casas brancas que incendeia,
Desenha mãos sangrentas de assassino!
Que linda tarde aberta sobre o mar!
Vai deitando do céu molhos de rosas
Que Apolo se entretém a desfolhar...
E, sobre mim, em gestos palpitantes,
As tuas mãos morenas, milagrosas,
São as asas do sol, agonizantes...
Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"
TARDE NO MAR
"A tarde é de oiro rútilo; esbraseia,"
O céu, qual mão pesada em gesto irado,
Emana tal calor que quase ateia
Mil chamas sobre o chão já castigado...
"Poisa o manto de arminho na areia"
E abrasa mais, julgando ter poupado
A terra, o mar e tudo o que o rodeia,
Pois mais parece ter-se incendiado...
"Que linda tarde aberta sobre o mar!"
Mas... quem te soube ler, não acredita
Em descrição tão suave e linear...
"E, sobre mim, em gestos palpitantes",
Desce, de novo, o extâse da escrita,
Abraçam-se as vogais às consoantes...
Maria João Brito de Sousa - 29.01.2016 - 16.42h
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