Maria João Brito de Sousa
A CENSORA *
Perdidas nos gestos das gentes nas ruas,
Apaguem-se as luas que o resto... são restos,
Passageiros, lestos, de memórias cruas,
Secretas, tão tuas que as guardas em cestos... *
Presságios funestos que ferem quais puas
Erguidos nas gruas dos grandes pretextos
Parecem-te honestos assim que os intuas...
Navegam faluas no cais dos protestos *
Agitam-se os estros, gemem as guitarras
E as novas cigarras dos becos de outrora,
Filhas de Pandora, reforçam amarras *
Que há raiva nas garras da dor que alguém chora
Enquanto devora códigos de barras:
De plástico, as parras, de plasma, a censora. *
Mª João Brito de Sousa
11.07.2022 - 17.00h ***
Sonetos da Matrix
publicado às 00:37
Maria João Brito de Sousa
ALMA DE CORSÁRIO *
Punem-me os deuses sempre que insubmissa?
Dos deuses zombarei. se necessário.
Assim que traga um bom soneto à liça.
Um soneto com alma de corsário. *
Despojado. contudo. de cobiça.
Não aspirando a mais do que um salário.
Nem sequioso estando da carniça
Que no humano engendra o torcionário *
Acendo uma fogueira que se atiça,
Inverto o rumo. assumo o seu contrário
E dou visib`lidade à coisa omissa *
Que nasce do meu próprio imaginário:
Minha barca? Uma rolha de cortiça.
Meu oceano? O código binário. *
Mª João Brito de Sousa
12.05.2022 - 09.00h ***
(Sonetos da Matrix II)
publicado às 09:28
Maria João Brito de Sousa
"Sem Título" - Tela de minha autoria
SONETO
DA
INTEMPORALIDADE *
Aqui não há passado nem futuro;
O presente é fieira que não finda
E não tem de passar por nenhum furo
Embora a agulha disso não prescinda *
E disto estou seguro, tão seguro
Quanto de não haver ninguém que cinda
A ponta que se afasta e que conjuro
Como se o tarde cedo fosse ainda... *
Onde não há princípio nem há fim
Sou tudo e não sou nada. Este ínterim
É somente ilusão. Paradoxal? *
Talvez sim, talvez não, talvez talvez,
Já não quero saber de outros porquês;
Quem mede esta meada intemporal? *
Mª João Brito de Sousa
01.11.2021 - 10.30h ***
Sonetos da Matrix
publicado às 10:12
Maria João Brito de Sousa
SONETO FANTASMA *
Da memória do signo renascido
Venho agora por trilhas de mistério
Espalhar este meu sal de deus perdido
Que em tempos sonhou ser um deus a sério. *
Se te fizer sentido, faz sentido,
Se te não faz sentido eu ser etéreo
Serei um deus em cacos destruído,
Caído, como cai qualquer império. *
Não sei bem se estou morto ou se estou vivo,
Se sou, ou não, impulso criativo
Que recusou a morte e que prossegue. *
Vigio-vos ainda, inda vos prendo
A tudo o que analiso e compreendo;
Vivo de ir assombrando o que me negue! *
Mª João Brito de Sousa - 01.11.2021 -09.30h
***
Sonetos da Matrix
publicado às 09:30
Maria João Brito de Sousa
SONETO
DO
TODO-PODEROSO MERCADO *
Venho roubar-te, ó Arte, a eternidade!
Tudo o que ousaste ser te cobro agora,
Excepto, talvez, o que de ti se evade
E depressa se evola e se evapora... *
Deixo-te uma ilusão de liberdade,
Que só essa ilusão por cá vigora;
Levo-te o leito, a casa e a cidade
E até o tempo roubo, hora por hora. *
Vesti a tua pele inacabada,
Qual terrorista, não te deixo nada
Senão o que do nada fores criando *
Na condição de te fazer saber
Que tudo o que concebas vai morrer
Às mãos do Tempo que o vai devorando. *
Maria João Brito de Sousa - 30.10.2021 - 11.00h *** Sonetos da Matrix
publicado às 09:38
Maria João Brito de Sousa
"O Campo de Marte" - Marc Chagall
SONETO DA IMATERIALIDADE *
Trago a realidade pela trela
Enquanto ela se escapa e se dissolve
Em tudo o que apareça à frente dela;
Quando se for, quem é que ma devolve? *
Não sei se ela me habita, se estou nela,
Ou se ela é tudo, tudo o que me envolve;
Há sempre, debruçada na janela,
Uma equação que nunca se resolve. *
Tudo flutua agora em meu redor
Na ausência do melhor e do pior,
Na dispersão dos pontos cardeais... *
Trago comigo um grão de realidade
Dissolvido num mar que se me evade
Sempre que tento içar-me até ao cais. *
Maria João Brito de Sousa - 29.10.2021 - 11.30h * Sonetos da Matrix
publicado às 09:23
Maria João Brito de Sousa
SONETO DA EFEMERIDADE *
Prometo ser-te fiel por dez segundos
E dar-te amor num frasco de compota;
Prometo-me inteirinha numa gota
De um simulacro de órbitas e mundos *
Prometo um brilho de astros moribundos
Numa galáxia próxima ou remota,
Mas não te juro não fazer batota
Nem te prometo afectos mais profundos. *
Queria dar-te uma década de luz
Mas não me lembro, amor, onde é que a pus...
Que nome me disseste que era o teu? *
Não te oiço. Continuo de passagem...
Vou fazer outro "upgrade" à minha imagem,
Estou a desconectar o velho Eu. *
Maria João Brito de Sousa -29.10.2021 - 07.30h
***
SONETOS DA MATRIX
publicado às 07:59
Maria João Brito de Sousa
CORAÇÃO LÍQUIDO *
Num segundo se morre, ou ressuscita;
Neste segundo, meço a pulsação
Serena/inquieta do meu coração,
Brasa que naufragada inda crepita. *
Quando uma pulsação demais se agita
Num segundo nos mata. A remissão
Nem sempre nos concede o seu perdão
E a sorte quase nunca nos visita. *
Num segundo se chega ao tal lampejo
Que em nós acende a chama do desejo
E se apaga a seguir, noutro segundo, *
E tudo, água e rochedo, é movimento
Que flui no mar imenso e turbulento
Em que nasce e naufraga o nosso mundo. *
Maria João Brito de Sousa - 28.10.2021 - 10.50h ***
Sonetos da Matrix
publicado às 11:39
Maria João Brito de Sousa
SONETO
(quase)
TRANSESTÉTICO *
Na poética asséptica isométrica,
Fluída consumida e assumida
Cosmética patética ou hermética,
Re-re-re-repetida, ainda, a vida *
Cinética diegética anoréctica
Comida, remoída e digerida;
Frenética imagética epiléptica
Fruída se incontida e esteticida. *
É de aço inoxidável e lítio e cromo
Ou átomo ofuscante e ofuscado
Que não tem tempo e nunca teve dono *
Nem ousa ser senão assimilado
Pla liquidez do sono/mono-promo
Que mal nasceu passou a ser passado. *
Maria João Brito de Sousa - 24.10.2021 - 19.15h
***
Sonetos da Matrix
publicado às 00:09