Maria João Brito de Sousa
(Soneto em decassílabo heróico)
Julgaste-a vulnerável e dolente,
Peça de ouro da lei que outro engendrou,
Mas, tempr`ada desse aço que a moldou,
Mostrou-se, afinal, firme e persistente,
Negando, em cada gesto prepotente
Que a escória disfarçada preparou,
A graça de of`recer-lhe o que sobrou
Do tanto que, na cor, se afirma gente...
Se de pedra se assume, embora flor,
A escopro há-de gravar seja o que for,
Que a haste em que subiu sabe o que quer
E exalta-se, insubmissa, em rubra cor
Pr`afirmar que, de si, só colhe amor
Quem na flor respeitar fraga e mulher...
Maria João Brito de Sousa – 05.02.2015 – 14.07h
publicado às 18:26
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em decassílabo heróico)
Por vezes vem de manso a voz do vento,
Murmurar-me em segredo… e diz-me mais,
Mais alto e mais audível que as normais
Que por cá repercutem qual lamento
A que sempre faltou raiva e talento
Mas soam como sopram vendavais,
Bradando sem cuidar dessoutros ais
Que ousem fazem soar seu desalento
Porque o sofrem na carne… e se não calam!
Aos que possam provar que, quando falam,
Bem mais razões terão que os do “poleiro”,
Junto o sopro de uns versos que me exalam
O vivo odor das brasas que em mim estalam
Se te encontro em silêncio, ó companheiro!
Maria João Brito de Sousa – 19.04.2014 – 14.48h
publicado às 13:03
Maria João Brito de Sousa
SONETO BREJEIRO
*
Se a rosa cor-de-rosa abraça um cravo
E logo se desdiz, se faz rogada,
Não fica o rubro cravo a ser seu escravo,
Mas talvez fique a rosa apaixonada
*
E, mais tarde ou mais cedo, em gesto bravo,
Reflicta na paixão que foi travada
E venha murmurar-lhe; “Eu furo e escavo
Até tornar-me a flor mais desejada!”
*
Responde o cravo, altivo: -“Eu nunca disse
Que queria estar contigo, ó flor burguesa!
Não pudeste abraçar-me sem que eu visse
*
Que usando a mais-valia da beleza
Me ousavas seduzir sem que eu sentisse
No teu brejeiro gesto uma certeza!”
*
Maria João Brito de Sousa – 09.05.2014 – 14.56h
publicado às 13:50
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em decassílabo heróico)
Relembro um rio que em gesto resoluto
Cresce em caudal e soma em quantidade
A mesma urgência com que agora eu luto
E me dá força enquanto houver vontade;
Porque um poder perverso e dissoluto
Se nos impõe, esmagando a dignidade,
Sejamos fio de outro qualquer soluto
Que, em nos enchendo, engendre outra vontade!
Relembro o sangue em veias indomadas
E esta emergência em nós, sempre crescente,
Que nos transforma as mãos mais desarmadas
Em espada erguida sobre o prepotente
Que ensombra as águas vivas, libertadas,
Duma outra força antiga e sempre urgente!
Maria João Brito de Sousa – 15.04.2014 – 10.39h
Ao povo que, desobedecendo a uma ordem directa, invadiu as ruas em Abril de 1974 e transformou um golpe militar numa verdadeira revolução.
A todos nós!
Imagem retirada do Google, sem autoria visível.
publicado às 14:06
Maria João Brito de Sousa
(Em decassílabo heróico)
Se sofro, o que me importa, a mim, sofrer
Enquanto tantos mil, sofrendo mais,
Transformam cada grito, dos que eu der,
Num gemido que abafa outros iguais?
Se morro, o que me importa, a mim, dizer
Que a morte me chegou cedo demais,
Enquanto mil houver que irão morrer
De frio, de fome e falta de hospitais?
Mas uma coisa sei; morro de pé!
Ninguém ficará surdo à voz de um só
Quando ela em mil projecta aquilo que é
E, na corda impotente, o sujo nó,
Rebenta de repente, explode a fé
E outro Golias cai mordendo o pó!
Maria João Brito de Sousa – 11.02.2014 – 12,49h
IMAGEM - O Quarto Estado - Pelizza da Volpedo
publicado às 13:40
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em decassílabo heróico)
Meu espanto, como bicho degolado,
É este quase-nada, este destroço,
Que embora reduzido a pele e osso
Faz frente a quem o tenha encurralado,
É este não temer ser confrontado
Com força natural, fera ou colosso,
Que nega a frustração do “já não posso!”
E muda, à dura sorte, o resultado.
Meu espanto mora em mim, comigo vive,
Mas pode exacerbar-se onde eu nem estive
Se as asas dum poema o transportarem,
Porque traz quanta força eu jamais tive
Se enfrenta humilhação que o esgote ou prive
Da voz que os sonhos meus lhe não negarem.
Maria João Brito de Sousa – 30.10.2013 – 15,16h
Imagem retirada da página do Partido Comunista Português
publicado às 16:38
Maria João Brito de Sousa
APELO AO VOTO
Soneto assumidamente panfletário, partidário, utilitário e, na opinião da autora, necessário… (Em decassílabo heróico) Há pobres, infelizes criaturas Que, sem vontade própria, se norteiam Por teorias de outros que as odeiam E à má-fila promovem ditaduras De elites que apregoam falsas curas, De eleitos que a si próprios se nomeiam E “neutros” que o não sabem, mas falseiam O sentido da Luta em vãs loucuras. Atentem à mentira, quando alastra! A nós, essa perfídia não nos castra E o voto, a duras penas conquistado, Há-de fazer tremer a corja “rasca” Que, ao dividir-nos, tanto nos atasca Em dúbias jogatinas de mercado! Maria João Brito de Sousa – 22.09.2013 – 21.00h (Em reedição, mais uma vez inevitavelmente reformulado a 14.06.2015)
publicado às 14:42