Maria João Brito de Sousa
É de longe que venho. O que eu vivi!
Quantos prados eivados de ribeiras,
Quantos penhascos, quantas ribanceiras
E quanto esconso vale eu não corri
E o que passou correndo e que nem vi,
Na pressa de correr? Entre carreiras,
Se perdem forças, se ganham canseiras,
Se esquece tanto quanto eu já esqueci.
Às vezes muito tarde, noite afora,
Esperando a madrugada, como agora,
De pálpebras cerradas, mas sonhando,
Outras vezes de dia, a qualquer hora,
Grafando a irreverência da demora
Nalgum quase insondável “sei lá quando”…
Maria João Brito de Sousa – 13.12.2011 – 21.16h
Imagem de um dos megalitos da Ilha de Páscoa, retirada da internet
publicado às 22:18
Maria João Brito de Sousa
Mui paulatinamente, uns três ou quatro,
Irão adiantando a caminhada
Usando da prudência e do recato
Comum à persistência da manada...
Passaram já as águas de um regato,
Estão perto de uma via alcatroada
E alguns já vão pisando a velha estrada
Assim que alguém lhes tira este retrato...
Os carros, que são poucos, vão parando
E os cascos vão cobrindo o duro asfalto
Conforme a via inteira vai ficando
Recoberta de dorsos coloridos,
Como se a natureza, em suave assalto,
Tentasse dar à estrada outros sentidos...
Maria João Brito de Sousa - 10.12.2011 - 14.49h
Imagem "descoberta" na net
publicado às 14:40
Maria João Brito de Sousa
Ó terra de oiro antigo e céu sem fim
Pontilhada de verde e de castanho,
Eu quero-te sem prazo e sem tamanho
Com este querer maior que existe em mim
Terra de ervas e flores, como um jardim
Espraiando-se orgulhoso em chão de antanho
E onde o corpo móvel de um rebanho
Nos surge e se nos deixa ver, assim.
Que o teu povo magoado te acrescente
Os laços sempre férteis da semente
E possa eternizar-te no seu "cante "
Que a tua voz se eleve eternamente,
Que sempre seja livre a tua gente
E que haja em ti fartura a cada instante!
Maria João Brito de Sousa 06.12.2011 - 15.21h
Reformulado a 22.11.2015
Imagem do Alentejo, retirada da internet
publicado às 15:06
Maria João Brito de Sousa
… e quando, um dia, o mar vier beijar
A luz desse luar que te ilumina
E se afundar, depois, na areia fina
Das praias desenhadas, só de olhar,
Não terá sido em vão esse cantar
Que ecoa em ti, que desde pequenina
Entoas no dobrar de cada esquina
Das ruas que pudeste visitar
Porque soubeste, em ti, salvaguardar
O estranho encantamento da menina
E, ultrapassando a mágoa que te mina,
Pudeste, em consciência, não vergar,
Mantendo-te intocada e feminina
No sopro original que assim te anima
Maria João Brito de Sousa – 20.11.2011 – 16.00h
publicado às 23:05
Maria João Brito de Sousa
Cansei-me de pedir-te ao tempo irado…
Cansei-me de chamar-te e, se chamei,
Foi soprando palavras que nem sei
Se o tempo as entendeu, se as pôs de lado…
Chegaste, enfim, mas longe do cuidado
De cuidares deste quanto me cansei,
Quiseste impor-me o esforço de outra lei
Ao meu corpo poema-emancipado...
Não terei, hoje, a força pr`a mudar-te
E escrever-te é melhor que desprezar-te
Depois de tanto inútil chamamento,
Mas há-de vir o dia em que chamar-te
Não mais será preciso e condenar-te
Não fará mais sentido que um lamento...
Maria João Brito de Sousa – 12.11.2011 – 13.41h
publicado às 14:01
Maria João Brito de Sousa
Dei-te um mar inocente e virginal,
Mas telúrico e quase incandescente,
A brotar desse anseio universal
De ser muito mais mar do que era gente
E nesse mar selvagem, sensual,
Da onda mais revolta e mais urgente,
Não soubeste deixar-me outro sinal
Pr`além do gene instável da semente…
De quanto mergulhaste, vertical,
Assim que o sol, a pino, se fez quente,
Perdeu-se-te a mensagem, no final,
E, enquanto o sol se põe, mesmo à tangente,
Eu crio, noutro mar mais ficcional,
Cada raio de luz do meu poente...
Maria João Brito de Sousa – 22.10.2011 – 15.00h
publicado às 15:42
Maria João Brito de Sousa
Hoje, nem bem, nem mal, nem coisa alguma…
Nem o silêncio impôs a reflexão,
Nem um murmúrio só, dizendo "não"
Às minhas mãos cerradas como bruma
E dispersa-me a onda nesta espuma
Como se, ao ser negada uma razão,
Tudo se reduzisse à dimensão
Das lutas que se perdem, uma a uma…
Hoje… nem bem, nem mal! Ninguém diria
Que ontem saiu à rua a rebeldia
Vestida com as cores de mil certezas,
Porque hoje, ao acordar, nada se ouvia
(... mas, quem estivesse atento, sentiria
um tumulto a subir das profundezas…)
Maria João Brito de Sousa – 16.10.2011 – 16.32h
publicado às 22:25
Maria João Brito de Sousa
Usado e gasto ou novo e displicente,
Tenho-te aqui, neste onde que nem sei,
No poema em que te prendo, esse imprudente
Que te irá dar bem mais do que eu te dei,
Mas perco-te depois, num gesto urgente
Em que abro mão daquilo que engendrei,
E vendo-te voar – quem me desmente? –
Descubro que não mais te encontrarei...
Quem és, quem és, se nem mesmo eu souber
Prender-te nos meus braços de mulher
Dando uma voz à voz que tu não tens?
Serás verso que teima em se perder,
Ou talvez sejas tudo o que eu quiser
Por mais que eu nunca saiba de onde vens...
Maria João Brito de Sousa – 10.10.2011 – 21.11h
Imagem retirada da Internet, via Google
publicado às 21:54
Maria João Brito de Sousa
Nestes punhos magoados que se cerram
Por causas bem mais fortes do que a dor,
Eu trago estas palavras que se elevam
Como as de outro qualquer trabalhador
E, se morrer sem voz porque me enterram
Tentando refrear o meu ardor,
Jamais terei traído os que delegam
A voz na voz de quem lhes dá valor!
Ah, nunca mais o medo a meias-vozes!
Nunca mais submissão aos tais algozes
Que estão escavando abismos financeiros
Entre um punhado de bem “recheados”,
E os restantes milhões de injustiçados
Que o capital transforma em prisioneiros!
Maria João Brito de Sousa – 04.10.2011 – 02.18h
IMAGEM DA MANIFESTAÇÃO DA CGTP DE 1 DE OUTUBRO DE 2011, retirada da net, via Google
publicado às 15:01
Maria João Brito de Sousa
Floriram meus amores em plaga incerta
Quando um botão de cravo, a despontar,
Irrompeu pelas dunas de luar
Do dealbar da minha descoberta
Eu debruçada e já janela aberta
Sobre aquilo que estava por chegar,
Relembro, dessa praia, o mesmo mar
Que me induzira em tão premente alerta
Pois, no desabrochar de cada flor,
Há um tempo de riso e outro de dor,
Um para receber, outro pr`a dar;
Um tempo só de pétalas e cor
E outro de recordar um velho amor
A que nem mesmo a flor soube escapar.
Maria João Brito de Sousa – 29.07.2011 – 16.24h
publicado às 16:40
Maria João Brito de Sousa
DE QUE FALAS TU QUE ME NÃO SABES?
*
Não me falas da pátria que mal vês
Num povo que procura identidade.
Falas do “teu” país mas, na verdade,
Nem sei se hei-de chamar-te português.
*
Não me falas das leis da natureza
Pois nunca as encontrei no que tu dizes;
Negas sabedoria aos aprendizes,
Mas não saberás mais, tenho a certeza!
*
De que me falas tu que me amordaças
Quando vislumbro um pouco da verdade
E tento partilhar o que descubro?
*
Não te digo mais nada se ameaças
Vergar-me o tronco firme da vontade
Para arrancar de mim o cravo rubro!
*
Maria João Brito de Sousa
2011
IMAGEM - Eu, aos seis anos, com o pai e a mãe
publicado às 13:27
Maria João Brito de Sousa
Vem meu amor, vem brando e descartável,
Com a máxima urgência que imagines,
Moldar-me esta vontade indecifrável
Que eu sempre duvidei que tu domines…
Vem depois deste aviso - o que é louvável… -
Ver se há, ou não, caminho que destines
E dar-me o teu conselho… esse improvável
Das linhas com que – pensas… - me defines.
Vem sempre de passagem, sem que faças
Do meu poema a tua residência,
Subtil como um enigma irresolvível,(*)
Passando sem notar as ameaças
Que nascem das alheias conivências
E crescem sem tornar-te, a ti, possível…
Maria João Brito de Sousa - 04.07.2011
* - "Irresolvível" - Neologismo criativo para insolúvel.
Na minha opinião a poesia não deve mostrar-se completamente fechada à ocorrência de um ou outro neologismo criativo. Querem-se, no entanto, muito esporádicos e nunca saturando gratuitamente um poema.
IMAGEM - Tela de Ernst Ludwig Kirschner - pintor expressionista
publicado às 12:45