Maria João Brito de Sousa
Tela de Álvaro Cunhal
*
NÃO HÁ FIM PARA O SONHO, NÃO HÁ FIM... *
Não há, neste planeta, mar nem céu,
Estrada longa demais, alta montanha,
Ponte suspensa sobre um medo teu
Que te trave esse sonho e, coisa estranha, *
Um pouco desse sonho é também meu,
Um nada dessa chama em mim se entranha
E aonde chegar, chegarei eu,
Pois nisto ninguém perde. Só se ganha. *
Não há fim para um sonho construído,
Nem haverá lugar para o vencido
Num sonho desta forma partilhado *
Se, quando te pareça ver-lhe o fim,
Vês que mal começou dentro de mim
E que outros vão nascendo ao nosso lado. *
Maria João Brito de Sousa
02.05.2018 – 12.54h ***
publicado às 10:49
Maria João Brito de Sousa
Acrílico e Óleo sobre Madeira da autoria de Luís Rodrigues
*
O PÓ NOSSO DE CADA DIA *
Eu não resido. Eu moro como tantos
Numa casa pequena, envelhecida,
Na qual nasceram lágrimas e espantos
E o mais que foi compondo a minha vida *
Livros. Há livros por todos os cantos
Da minha velha casa guarnecida
Por um pó cinza-claro como os mantos
Das monjas a quem nunca dei guarida *
Tem, esse pó, uma presença forte
E eu que estou em franca minoria
Face às suas partículas infindas *
Direi que não é coisa que me importe
Tê-lo por companheiro noite e dia,
Conquanto lhe não dê as boas-vindas. *
Mª João Brito de Sousa
27.04.2024 - 17.00h ***
publicado às 17:17
Maria João Brito de Sousa
Paisagem Pinterest
*
SAUDADE II *
Que é de ti, Musa? Aonde vais... aonde?
Já não consigo ver-te, nem ouvir-te
E, não te vendo, como irei pedir-te
Que encantes as palavras que hoje eu monde *
Enquanto se confundem numa fronde
Que te oculta de mim para remir-te
Desta saudade com que ousei cobrir-te
E tão mais cresce quanto mais te esconde? *
Se algumas encontrar por mero acaso
Enquanto sondo o espaço das memórias,
Hei-de plantá-las no mais belo vaso *
E adubá-las-ei de espanto e glórias
Sob a magia deste rubro ocaso
Em que eternizo as coisas transitórias. *
Mª João Brito de Sousa
17.12.2023 - 23.30h ***
publicado às 00:07
Maria João Brito de Sousa
QUE DESALENTO…
(DURA REALIDADE) *
Em ruelas estreitas vão caindo:
Casas muito velhinhas sem ninguém
Como o tempo as matou, tudo fugindo
Veem-se uns velhos sós aqui e além *
Nessas casas de pedra sem telhado
As portas e janelas já sumiram
Também já pouco resta do sobrado
Hoje apenas recordo os que me abriram *
Com um sorriso a porta sem receio
Of’recendo bom queijo e pão centeio
Mostrando a mais humilde das ternuras *
Com cuidado subi desfeita escada
As silvas a tornaram enfeitada
Onde subiram tantas almas puras. *
ARIEH NATSAC
(Vitor Castanheira)
***
SORTILÉGIO *
"Onde subiram tantas almas puras"
Voltarão a subir, se puras forem,
Outras almas forjadas nas agruras,
Caso as lembranças nelas se demorem *
E se o dia chegar em que as lonjuras
Dos anos que passaram as devorem,
Sobrarão as memórias que descuras
Pra consolar as almas qu`inda chorem... *
Brotarão novas plantas das ranhuras
Pra que as velhas escadas se decorem
De aromas e de seiva e de verduras *
Que, na renovação, se comemorem
Com chaves a rodar em fechaduras
Surgidas do que as musas nos implorem. *
Mª João Brito de Sousa
08.09.2023 - 00.30h ***
publicado às 10:33
Maria João Brito de Sousa
OS MERCADORES DE ILUSÕES *
Trazemos sedas, linhos, algodões
Pr`aconchegar melhor quem sinta frio,
E espaço e sonhos nas embarcações
Que dentro em pouco irão fazer-se ao rio *
Rumo ao país das grandes tentações
Que em vós despontam quando finda o Estio
E, quando não encontram soluções,
Vos matam de tristeza ou de fastio... *
É pegar ou largar! Nas barcas cabem
O medo e as frustrações dos que não sabem
O que é um sonho, ou como construí-lo: *
Apressai-vos que a hora é de partida,
Não percais tempo nem na despedida,
Que os instantes, aqui, pagam-se ao quilo! *
Maria João Brito de Sousa
30.08.2018 – 12.44h ***
Tela de Hierorymus Bosch
*
Para quem possa estar interessado, hoje há desgarrada
de quadras populares no José da Xã
publicado às 13:02
Maria João Brito de Sousa
NÓS, POETAS *
Aos falsos magos, aos falsos profetas
E ao servidor do abjecto deus dinheiro
Não daremos ouvidos! Nós, poetas,
Seguimos outro rumo, outro roteiro *
Podemos ser brejeiros ou ascetas,
Um ser gregário e, outro, caminheiro,
Nenhum de nós, porém, persegue as metas
De quem quer subjugar o mundo inteiro *
Se, dentre nós, algum morde esse anzol,
Poeta não será, tenho a certeza!
Poeta de verdade é como o Sol *
Pode manchá-lo, um dia, uma incerteza,
Mas logo voltará como um farol
A dar-se inteiro à Terra, à Natureza! ***
Mª João Brito de Sousa
21.08.2023 - 13.00h ***
publicado às 13:51
Maria João Brito de Sousa
ESPADA DE POETA III *
Desmonta a máquina infernal do medo,
Constrói um escudo contra os teus temores
Que mesmo sendo tarde é sempre cedo
Pra deter esta máquina de horrores *
Abre os olhos, desvenda o seu segredo,
Descobre os mais pequenos pormenores
Da trama em que se tece este degredo
Que não há dor pior do que estas dores! *
Mas se o corpo dorido to recusa,
Passa o teu testemunho à tua Musa
Que fará da palavra o instrumento *
Com que irás combater o medo insano...
Poeta, se o combate é desumano,
Que seja a tua espada o teu talento! *
Mª João Brito de Sousa
15.08.2023 - 16.40h ***
publicado às 12:55
Maria João Brito de Sousa
SEM RETORNO *
Cheguei ao mar nesta casca de noz,
A improvisada barca dos meus sonhos
Que para trás deixava a própria foz
E também os meus medos mais medonhos *
Não haverá retorno para nós
E os dias, quer alegres, quer tristonhos,
Serão, de hoje em diante, dias sós,
Longos, intermináveis e bisonhos *
Mas que me importa, se me fiz ao Mar,
O tempo que levei pra cá chegar
E o esforço imenso por mim despendido *
Até que a noz passasse pela Barra
E eu gritasse ao mundo: - Quem me agarra?
Ninguém! Já ninguém muda o meu sentido! *
Mª João Brito de Sousa
11.08.2023 - 16.00h ***
publicado às 12:55
Maria João Brito de Sousa
AMOR E DOR
(Provocação): *
O amor não tem dor que a dor se foi embora
Sentiu o calor que à volta encontrava
E fugiu a tempo que o tempo queimava
E com barulheira nada sedutora *
Fugiu para longe com raiva motora
Enquanto o amor o seu amor amava
E o que era sonho real se tornava
Braços entrançados, beijos hora a hora *
O céu enrubesce, campeia o fervor
No meio da dança da dança do amor
Com tanta alegria quando o amor chega *
Nessa fantasia com entretimento
O amor não pára germina sedento
E com esse encanto nunca a dor lhe pega *
Custódio Montes
21.6.2023 ***
"E com esse encanto nunca a dor lhe pega"
A menos que cega esteja tanto, tanto
Talvez desse pranto louco a que se entrega
Dizendo que o nega, mentindo portanto *
Quando diz que o canto é tudo o que alegra
A Musa que alega ser lúcido espanto
Sem dor nem quebranto já que nada a quebra
E jamais sossega sem um acalanto... *
Que não falte o manto de negro retinto
Se de negro a pinto conforme ela gosta
Quando está disposta a sentir como eu sinto *
E num labirinto transforma a proposta
Antes de transposta a demanda que finto
Porque - não vos minto! - lhe ignoro a resposta *
II *
Mas sei que sem Dor nunca Amor existiu
Tal como sem frio não existe calor
Nem existe cor onde houver um vazio
E nunca houve rio que outro rio bem maior *
Não pudesse impor-lhe um profundo desvio
No seu desvario de a tudo transpor...
Quem estua suor sem dizer que buliu,
Quem fia o seu fio sem medir-lhe o valor? *
E deixo um louvor para quem fantasia
O que aqui (re)cria com garra e paixão
Quase um turbilhão duma grata ousadia *
Que andou noite e dia em contida tensão
Entre a contensão que a razão lhe pedia
E o que eu não diria da provocação... *
Mª João Brito de Sousa
10.08.2023 - 16.40h ***
PS - Peço desculpa a TODOS os amigos mas estou ainda muito longe de poder visitar-vos ou mesmo responder-vos.
Limito-me a publicar este trabalho para mostrar que ainda estou viva e que tenho alguma esperança de um dia poder retomar as minhas publicações diárias.
Para todos, um grande abraço!
publicado às 17:02
Maria João Brito de Sousa
"O Triunfo da Revolução", Diego Rivera
NÃO ME PEÇAS
PRA SER QUEM NÃO SOU *
Não me peças pra ser quem não sou,
Nem me colhas, de ramo enxertado,
Um só fruto dos frutos que dou
Sem que esteja polpudo e dourado *
Tão maduro do sol que o dourou
Que se of`reça aos teus lábios, ousado,
Sem pôr culpas na mão que o cortou,
Nem remorsos por tê-la tentado! *
Não me fales de medo! Não cedo
A caprichos e sedes tão poucas!
De outra sede fecunda procedo *
E se as sedes que trazes são loucas,
Também esta que cresce sem medo
Expressa a sede de muitas mais bocas. *
Maria João Brito de Sousa
23.04.2016 - 22.09h *
Soneto em verso eneassilábico ***
publicado às 13:29
Maria João Brito de Sousa
Pormenor de tela de Edgar Degas
*
DÚBIAS TEORIAS *
Pouco se sabe sobre o bom soneto
Que, como um ovo, perfeito se fecha
E que eu encaro como um amuleto
Que me enfeitiça e que não mais me deixa *
Mesmo sendo pequeno e até discreto
Tem o suave mistério de uma gueixa:
Dizem, alguns, que está velho, obsoleto,
Mas ele ainda (en)canta e não se queixa! *
Não chora, este soneto, antes se ri
E dança, e canta e faz acrobacias
Sobre os catorze versos que escrevi *
Heroicamente alheio às tropelias
Das críticas erguidas contra si
Por muitas mais que dúbias teorias. *
Mª João Brito de Sousa
23.05.2023 - 13.30h ***
publicado às 00:14
Maria João Brito de Sousa
“PASSAR AO LADO” *
E quando mal dormimos porque a dor
Teimou a noite inteira, acrescentou-se
E conseguindo levar a melhor
Deixou dentro de nós a dor que trouxe, *
Não há espaço pra sonho, ou chão pra flor:
Já não há espanto. Nada é pêra-doce
E tudo, analisado ao pormenor,
Parece um pesadelo. Antes o fosse! *
Mas pesa-me este longo desabafo:
Não tendo a fina lira que tem Safo,
Nem as paixões soberbas de Florbela *
Poeta em carne viva e já tardia,
Subtraio à raiva uns palmos de ironia,
Passo-lhe ao lado e... já nem dou por ela! *
Maria João Brito de Sousa
19.05.2018 – 09.08h ***
publicado às 23:03