Maria João Brito de Sousa
DE AMAR E DE SENTIR, NÃO TENHO MEDO! *
De amar e de sentir, não tenho medo|
Pode lá ser cobarde o/a sonetista
Que nada finge e nunca faz segredo
Daquilo que é, porquanto o deixa à vista? *
Amo os poemas todos a que acedo
E saboreio tudo a quanto assista
Que amo também, se bem que seja enredo
Tecido pelas mãos de um outro artista *
Amo as pessoas, amo a natureza
E até num cardo encontro a tal beleza
Que me encanta e consegue seduzir-me *
Mas, a tudo o que amar, é com pureza
Que o trago aqui, que o sento à minha mesa
E o transformo no pão que há-de nutrir-me. *
Mª João Brito de Sousa
24.03.2023 - 12.39h ***
Soneto inspirado nesta publicação
publicado às 08:56
Maria João Brito de Sousa
QUAL FOLHA AO VENTO *
Posso-te garantir que a minha porta
Se encontra ainda aberta à tua espera,
Mas não tentes domar-me que sou fera,
Nem me queiras torcer, que sou já torta *
Pois quando falsamente alguém me exorta
Ou crê que eu possa crer que me venera,
Fico em silêncio como se, de cera,
Em estátua me mudasse, imóvel, morta... *
Mas se nos encontrarmos frente a frente,
Num qualquer ponto deste espaço-tempo
Que nos não dure mais do que um repente, *
Vê se me entendes porque mais não tento
Explicar-te bem que, como muita gente,
Posso também voar qual folha ao vento. *
Mª João Brito de Sousa
14.03.2023 - 11.40h ***
publicado às 11:48
Maria João Brito de Sousa
Litografia de Manuel Ribeiro de Pavia in Livro de Bordo de António de Sousa
*
DESTE BARRO MOLDADO *
Quem teme um mundo líquido a fluir
Se aprendeu a nadar quando criança,
Se sempre soube o que é não desistir,
Se embora estropiado ainda avança, *
Se tudo perde sem perder a esp`rança
De embora ferido erguer-se e resistir?
Desta matéria nasce a tal mudança
Da qual o homem novo há-de emergir! *
E quem pode roubar-lhe essa pujança,
Ou quem pode culpá-lo se exigir
O pão que come e o fim desta matança *
A quem nunca fez mais do que mentir,
Se a voz se lhe não cala, não descansa,
Nem seus olhos se cerram pra dormir? *
Mª João Brito de Sousa
14.03.2023 - 10.00h ***
publicado às 10:40
Maria João Brito de Sousa
SOMBRA *
Esperou por si à hora do costume
Como quem espera o dia de nascer
Desnudada por dentro e sem ter lume
A que chegar-se para se aquecer *
Não sentindo sequer o seu perfume
Soube do tanto que estava a perder
E sem protestos, sem um só queixume,
Percebeu que deixara de em si crer *
Esperava um verso que a devolveria
Aos braços de uma musa naufragada
No convés de uma barca inexistente *
Mas tão só se encontrou no que seria
A sombra do que foi quando inspirada
Escrevia louca, apaixonadamente... *
Mª João Brito de Sousa
31.01.2023 - 20.00h ***
publicado às 13:38
Maria João Brito de Sousa
NEM SE ME RESTAM FORÇAS... *
"O sol se iluminasse. E fosse breve"
Este cansaço imenso que me prende
A mão que quer escrever e nada escreve,
A Musa que fraqueja e que se rende *
Esquecida já do tanto que me deve
Ou, de longe, dizendo que me entende
Tão só quando o que peço seja leve
Qual pequenina chama que se acende... *
Sendo porém complexo o que lhe exijo
E pesada a tarefa de o escrever,
Recolhe, exausta, a Musa ao esconderijo *
A que não chego por desconhecer
O peso das palavras que redijo
Nem se me restam forças prás colher. *
Mª João Brito de Sousa
01.01.2023 - 16.20h ***
Soneto criado a partir do último verso do soneto ESCREVEMOS DOCEMENTE de Fernando Echevarría, no blog A MATÉRIA DO TEMPO
publicado às 16:42
Maria João Brito de Sousa
SE A NAVALHA NOS FALHA, OSCILA E CAI *
Se, no fio da navalha caminhando,
A navalha nos falha, oscila e cai,
Sem um suporte, tudo se nos vai
E sem asas, nem chão vamos ficando... *
A que nos agarramos se, oscilando,
Até o gume, de repente, trai
Aquilo que nos nega e que subtrai
Ao pouco que antes fomos avançando? *
A própria Musa, desasada fica,
A corda, retesada, já não estica
E os versos, um a um, caem também *
Da tal pauta invisível que os prendia
Ao fio duma navalha que os servia
E que não serve agora a mais ninguém. *
Maria João Brito de Sousa
11.01.2019 – 12.16h ***
publicado às 09:28
Maria João Brito de Sousa
OBITUÁRIO *
Morri, segundo fonte oficial...
A (a)creditada folha assim me informa
Num breve obituário de jornal
De pequena tiragem, como é norma. *
Esfrego os olhos! Duvido! É natural
Que apesar de não estar em grande forma,
Me revolte e entenda que está mal
Morrer sem ter gozado da reforma *
Leio de novo. Não, não era um erro,
Podia ler-se a data do enterro:
"Rebéubéu, zaz-traz-paz, tantos de tal". *
Sem pressas, cerro um olho. Ao outro o cerro...
Contudo, o meu cadáver, mesmo perro,
Ergue-se e escreve o verso terminal. *
Maria João Brito de Sousa
17.07.2018 – 15.46h ***
publicado às 14:06
Maria João Brito de Sousa
CATIVEIRO *
Como meridiano-de-mulher
Na divisão do Ser em hemisférios,
Sou o imponderável dos mistérios
Que explica o seu mistério a quem quiser *
Falo a quem me entender, a quem souber
Dentro de si achar outros impérios,
Se farto das prisões e cemitérios
A que a futilidade os quis prender *
Falar-vos-ei de um tempo-antes-do-tempo
Bem como dos futuros-infinitos
Que ainda estão por vir no mundo inteiro *
E de um maior, mais justo entendimento...
Tudo quanto se ler nestes escritos
Nasceu da liberdade em cativeiro. *
Maria João Brito de Sousa
14.05.2008 - 02.53h ***
(Poema ligeiramente reformulado)
publicado às 12:01
Maria João Brito de Sousa
O CAPITAL *
Poemas que vos dizem quanto sei
Em versos que vos falam do que penso
E que vão descrevendo o contra-senso
Dessa temeridade em que me dei *
Descritivo fiscal de quanto herdei
Livre de selo, imposto e emolumentos,
Será pena remível por tormentos
Mas sem taxas impostas pela lei *
Minha vasta fortuna legarei
E enquanto vou escrevendo o testamento
Crescem-me os bens além do que sonhei *
É na soma dos versos que engendrei,
Aqui legalizada em documento,
Que cresce o capital que acumulei! *
Maria João Brito de Sousa
In Poeta Porque Deus Quer,
Autores Editora, 2009 ***
(Reformulado)
publicado às 11:29
Maria João Brito de Sousa
PERFIL - Reedição *
Não recorda o que fez. O que não fez
Ficou escrito nas horas de outros dias,
Perdido nas ingénuas fantasias
De um tempo em que vivia de porquês... *
De mais nada se lembra... Só, talvez,
Das desoras remotas e tardias,
Em que o moviam estranhas ousadias
E em que vivia, num só dia, um mês *
Parte sem o saber. Esse é, decerto,
O fruto que plantou no chão deserto
Em que o seu dia a dia se tornou... *
Na perspectiva holística do ser,
Decerto se lembrou de o não colher,
Mas de o esquecer de vez, não se lembrou. *
Mª João Brito de Sousa
Janeiro 2010 ***
(poema reformulado)
publicado às 10:09
Maria João Brito de Sousa
AO LONGO DE MIM * Nesse tanto de mim que te ofereci No breve/longo instante em que fui tua, E, filha de ninguém, irmã da lua, De mim me despojei pra ser em ti * Foi ao longo de mim que recebi O que de ti nasceu em mim que, nua, Calava a solidão imensa e crua Das horas de encantar que em ti perdi * E se ao longo de mim nunca encontraste Quanto havia de meu pr`além de mim Porquanto te afastaste do meu eu * Vê que ao longo de mim também mudaste E se não me encontraste até ao fim Foi porque procuraste um fim só teu. *
Maria João Brito de Sousa
Outubro 2009 ***
(Poema reformulado)
publicado às 09:56
Maria João Brito de Sousa
A GESTAÇÃO DO POEMA - Reedição *
Onde o soneto ferve, o verso é brando: Suavemente desliza em rota (in)certa Tal qual fora encontrada a porta aberta Da prisão que ao tolhê-lo o foi domando * Ninguém lhe tente impor voz de comando Que só a ele cabia estar alerta Ao partir, decidido, à descoberta De não se sabe o quê, nem como ou quando * Suavemente partiu… mas foi ficando E só sei que o criei porque é criando Que entendo que o que fiz valeu a pena * E que acredito, nunca acreditando, Poder chegar além do que, sonhando, Alcancei na vertigem de um poema. *
Maria João Brito de Sousa
09.07.2012 – 18.48h *
(soneto ligeiramente reformulado) ***
publicado às 12:02