QUIMERAS, NÃO! - Coroa de Sonetos - Custódio Montes e Maria João Brito de Sousa
QUIMERAS, NÃO
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Coroa de Sonetos
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Custódio Montes e Maria João Brito de Sousa
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1.
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Quimeras não mas astro que flameja
Entre astros que alumiam cintilantes
Com luzes bem visíveis divagantes
Que vencem com valor toda a peleja
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Nos temas que enuncia e que verseja
Tão claros, tão ricos, importantes
Sentimo-nos poetas militantes
Nas causas que nos traz e nos enseja
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Não diga mal de si, diga a verdade
Mostrando no poema a realidade
Que toda a gente ao lê-la adivinha
*
As coisas que nos diz na poesia
Só nos trazem prazer e alegria
E o condão do poder duma rainha
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Custódio Montes
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2.
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"E o condão do poder duma rainha"
Que a ser rainha sempre se recusa,
Já que obreira quer ser. E de alma lusa,
Tecedeira sem fuso ou roca ou linha
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Com que remende a dor da terra minha
Que, desde o berço, de mim fez reclusa;
Quimera me achei hoje e logo a Musa
Veio acudir, tal qual fada-madrinha
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Vestindo a pele de um homem, desta vez,
Exigindo-me alguma sensatez
E negando a Quimera em que me espelho
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Porém, se num repente, assim me vi,
Foi no olhar de quem eu concebi
Que encontrei, reflectido, este assemelho...
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Maria João Brito de Sousa - 02.05.2021 - 22.34h
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3.
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“Que encontrei, reflectido, este assemelho”
Se olhar com atenção, repare bem,
Em tudo o que lá vê, verá também
Mas veja ao pormenor, limpando o celho
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Que aquilo que reflete o seu espelho
É sim a tal rainha que lá tem
E que bem lá no fundo o que contém
É uma mestre a dar-nos seu conselho
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Porque aquilo que observa e nos diz
No conteúdo e forma é tão feliz
Artístico e ledo e até com gana
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Que toda a gente vê e não só eu
Até mesmo que olhada por plebeu
Vê bem que a sua escrita é soberana
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Custódio Montes
3.4.2021
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4.
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"Vê bem que sua escrita é soberana",
Embora ela se sinta a mais plebeia
De todos os plebeus, já que a norteia
O leme firme de uma mão humana.
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Ainda que, em quimera, surja insana
E crua para o mundo que a rodeia,
Não passa de um reflexo. Quem cerceia
O amor paradoxal que dela emana?
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De mim não falarei; só da Quimera,
No reflexo fugaz que se apodera
Dos versos de um soneto inesperado
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No qual se reconhece por segundos
Como se fera vinda de outros mundos
Reflectidos em espelho embaciado.
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Maria João Brito de Sousa - 03.05.2021 - 12.40h
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5.
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“Reflectidos em espelho embaciado”
Muitos egos eu vejo suceder
Aqui eu vejo um ego a merecer
Louvores e um trajecto consagrado
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Quimera porque não que é versado
Aquele que tão bem sabe escrever
Inventa meio mundo e o saber
Nos seus versos está bem espelhado
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Um astro só se mostra e sabe estar
Sem que seja preciso demonstrar
A luz que lhe irradia ao seu redor
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Falar de si, falar de poesia
A gente sente logo esta magia
De ver à nossa volta só esplendor
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Custódio Montes
3.4.2021
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6.
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"De ver à nossa volta só esplendor"
Tal qual nos versos seus eu vejo agora;
De si a poesia se enamora
E até canta a Quimera o seu amor...
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Bate as asas de drago ou de condor
E retorna ao seu mundo que é de outrora;
Por cá fica a poeta, a que labora,
A que ao soneto of`rece o seu melhor,
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Sem honras de rainha, que as não quer,
Nem jóias, nem tesouros, nem poder
Que não seja poder escrever assim,
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Compondo imaginárias sinfonias
Plenas de conteúdo, não vazias,
Porque não há vazios dentro de mim!
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Maria João Brito de Sousa - 03.05.2021 - 14.50h
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7.
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“Porque não há vazios dentro de mim!”
Mas há a completude e a firmeza
Que nos revela bem essa certeza
De ver nos seus escritos um jardim
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Com flores glamorosas de jasmim
Vermelho escarlate framboesa
Espelhados à volta com beleza
Histórias e contos de Aladim
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Poemas de rainha inaltecidos
Que nos levam ao céu engrandecidos
Mostrando-nos veredas e as metas
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Para ficarmos juntos e andar
Com musa ou sem musa e a sonhar
Os sonhos que nos mostram os poetas
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Custódio Montes
(3.5.2021)
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8.
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"Os sonhos que nos mostram os poetas"
São bastas vezes lírios, dos campestres,
Ou são arbustos de amoras silvestres,
Torgas erguidas como linhas rectas,
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Rubras papoilas, frágeis violetas
E flor`s de ortiga belas, mas agrestes...
Das mais modestas coisas nascem mestres
Grandes no traço e ricos nas paletas.
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Não sei qual foi a Musa que nos coube
E só a mencionei porque não soube
Melhor explicar o fluir do face-a-face
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Entre os seus versos e os que vou compondo
Até fechar-se o aro bem redondo
Que é, da Coroa, o grande desenlace.
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Maria João Brito de Sousa - 03.05.2021- 17.24h
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9.
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“Que é, da Coroa, o grande desenlace.”
A coroa é nome nada mais
E sem poemas não o é jamais
Os poemas é que mostram sua face
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Os temas esses dão-lhe o seu realce
E quando escolhidos dão sinais
Do belo, sendo às vezes doutrinais
Num rumo que se tenha e se trace
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A musa vem às vezes outras não
E quando assim for o poeta então
Terá que lançar mão do improviso
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E noutras tem então que disfarçar
Para a sua fraqueza não mostrar
E dá todas as voltas que é preciso
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Custódio Montes
3.5.3021
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10.
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"E dá todas as voltas que é preciso",
Mas se é preciso voltar à quimera,
Deixemos de a tratar como uma fera
Com três cabeças e nenhum juízo
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Cujo significado anda indeciso
Entre mostrengo e fantasia mera;
Pode ser quanto a nossa mente gera
Tal como Eva e Adão no Paraíso...
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Assim volta a quimera a estar connosco,
Não mais na forma de um mostrengo tosco,
Pois redimida do seu estranho aspecto
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Passou agora a mito ou fantasia,
Coisa irreal que qualquer mente cria
Mas que é muito dif`rente de um projecto.
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Maria João Brito de Sousa - 03.04.2021 - 20.13h
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13.
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“Do que afogar no mar a tua mágoa!”
Dizer é muito fácil, desespera
O poeta parado assim à espera.
Quando a musa me foge eu vou e trago-a
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Agarro-a à jangada na lagoa
Mesmo que ela se faça uma fera
Depois digo com jeito: quem me dera
Que, em vez de má, amiga, fosses boa
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Abraça-me então logo de mansinho
Eu entoo-lhe um fado com carinho
E volta ela cheia de magia
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Gosta do tom da voz que lhe ofereço
E logo ela tece no que eu teço
Com sonho com quimera e poesia
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Custódio Montes
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3.4.2021
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14.
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"Com sonho com quimera e poesia"
Se vão tecendo as coroas, uma a uma,
Sem que nenhum de nós sequer presuma
Quão fortes laços a palavra cria
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Nem de quem são os fios que a Musa fia
Para obter a leveza de uma pluma
E a brancura da onda feita em espuma
Que com doçura of`rece à melodia...
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Esforço-me um pouco mais e descortino
Em cada verso um compassado hino
Que me pede que o oiça e sinta e veja
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E, de repente, a música de fundo
Vem sobrepor-se aos sons banais do mundo;
-"Quimeras não mas astro que flameja!"
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Maria João Brito de Sousa - 04.05.2021 - 00.00h
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Imagem - "LÌMPORTANT C`EST LA ROSE", Maria João Brito de Sousa, 1999
(pastel de óleo e acrílico s/ papel montado em tela)