Maria João Brito de Sousa
(Em decassílabo heróico)
Pr`a quê cantar a jovem Primavera
Que nos não traga, acesa, a claridade
Que emite, lá no alto, a rubra esfera
Assim que se ergue e brilha em liberdade?
De que terá servido a longa espera
Se a chuva nos roubar, pela metade,
Um céu que esconde um sol que mal tempera
Um dia que nasceu sem qualidade?
E, sob intensa chuva, a tarde fria
De que hoje vou falar, nem sei porquê,
Faz crer que o próprio verso se arrepia
Se, na estrofe final, disser que crê
Que mais depressa brilha um novo dia
Pr`a quem, no que se vai, tanto mal vê…
Maria João Brito de Sousa – 27.03.2014 – 17.37h
publicado às 19:21
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em decassílabo heróico)
Garante-me o dorido, insone dia,
Um momento qualquer de insurreição,
Um vislumbre de clara epifania,
Um grito de revolta ou de paixão,
Mas sei que tanto faz! Tanto daria
Dizer ou desdizer… contradição
Seria querer extrair desta agonia
Labor que merecesse a criação.
Buscando, no mais fundo de quem sou,
Razão pr`a me lembrar do que restou
Dos mil versos vibrantes que criava,
Redescubro, na força que os gerou,
Um gesto pontual que se lembrou
De eclodir sob a forma de palavra.
Maria João Brito de Sousa – 06.03.2013 - 18h
IMAGEM – “The Weeping Woman”, Pablo Picasso, 1937
publicado às 17:00
Maria João Brito de Sousa
Mil protestos `spontâneos, mas sábios,
Vêm desde o mais fundo de mim
Sem que os vá “recortar” de alfarrábios,
Sem sonhar se os lerão mesmo assim…
Meus protestos são feridas gritadas
Sobre a crosta arrancada dos dias,
A correr, por aí, de mãos dadas
C`o prenúncio do fel de agonias!
Sabereis quanta gente aqui morre
Sem ter leito onde encoste a cabeça?
Cuidareis, todos vós, dos “sem nome”?
Qual de vós, “milionários”, discorre,
Sem que uma autocensura o impeça,
Sobre o mal desta impúdica fome?
Maria João Brito de Sousa – 21.11.2012 – 18.22h
Imagem retirada da net, via Google, sem registo de autor
publicado às 18:35
Maria João Brito de Sousa
Debulho-me em palavras… nunca choro
Senão estes sinais de tinta preta
Que traço quase sempre em linha recta,
Cuja meta me escapa e nem decoro.
Se pelas gargalhadas me demoro,
De novo outros sinais, traçando a meta,
Se impõem mal o riso me intercepta
E, atrás, surgirão mais, fazendo coro…
Se sinto – e tudo sinto intensamente! –,
São aos milhares, pulando, à minha frente,
Esses infindos signos do sentir
Que imprimem no papel, profusamente,
As mesmas emoções que tanta gente,
Sem tempo pr`ás provar, deixou fugir…
Maria João Brito de Sousa – 17.10.2012 – 19.41h
publicado às 20:30
Maria João Brito de Sousa
Abreviada a voz, repenso o gesto
E ressurge a palavra indesmentida
Exactamente aonde a mão estendida
Recolhe o claro fruto e aparta o resto.
Sorrio enquanto estendo o velho cesto
Na direcção da coisa pressentida
E vislumbro, entre folhas, bem escondida,
A forma de um soneto franco, honesto.
Assim contemplo, colho e guardo acasos,
Esperando cada um de olhos já rasos,
Cumpridos sem temor, sem loucas pressas
E, garanto, esse acaso então parece
Estar pronto a responder-me à estranha prece
Sem ter feito, sequer, quaisquer promessas…
Maria João Brito de Sousa – 04.10.2012 – 16.06h
publicado às 16:26
Maria João Brito de Sousa
Trago nas mãos o mesmo que tu trazes,
Uns pós de um quase nada que não usas,
Um punho, erguido aos dias mais audazes,
E um punhado – infalível! - de recusas…
Grito nas ruas, escrevo-me em cartazes
E exalto-me na cor de tantas blusas
Que ninguém sonhará a quantos “quases”
Reconduzo estas lutas inconclusas…
Devo, porém, dizer-te que fraquejo,
Que, embora corpo e alma, o meu desejo
Seria ir muito além do que consigo…
Que importa?! Ele surge sempre um novo ensejo;
Se me parece pouco o que em mim vejo,
Sempre há-de ser maior por estares comigo!
Maria João Brito de Sousa – 23.09.2012 – 19.14h
publicado às 19:36
Maria João Brito de Sousa
Das pétalas me irrompe uma só pressa;
Estender-me, transparente, intacta e pura,
Entre outras flores que a morte não segura
Antes que a Primavera se despeça…
Não sei se é pertinente, ou vos interessa,
Que fale de quem sou, nesta loucura
Em mim, tornada “eterna enquanto dura”,
Mas que, em murchando, em mim se reconheça.
Interesse, ou não, só nela me defino!
Sou ponte a florescer sobre um destino
Que pode, ou não, ser meu… pouco me importa!
Persigo-me a mim mesma em desatino
E só sei serenar se me imagino
Comemorando a flor, depois de morta.
Maria João Brito de Sousa – 19.09.2012 – 21.03h
publicado às 22:04
Maria João Brito de Sousa
Há sempre uma coragem que se inventa
E outra que habita em nós, sempre a crescer;
Uma que oferece a força àquele que tenta
E outra que há-de tentar até morrer!
Há sempre um sonho mais que se acrescenta
Ao rol daquilo que haja pr`a fazer
E um bichinho voraz que se alimenta
Do que, antes, foi capaz de nos vencer
E há sempre uma certeza que nos move
Dentro desta engrenagem sabotada,
Que, às vezes, faz chorar, que nos comove,
Mas que em chegando a nós não pede nada
Senão a força hercúlea que promove
Assim que faz de nós sua morada...
Maria João Brito de Sousa – 01.09.2012 – 18.45
IMAGEM - Gravura de JOSÉ DIAS COELHO retirada da net, via Google
publicado às 21:01
Maria João Brito de Sousa
Sigamos, mesmo sós, fincando o pé,
Erguendo o punho acima do poder,
Impondo aos sortilégios da maré
Esta vontade infinda de vencer!
Ergamos, libertária, a nossa fé
Sobre os que estão cansados de saber
Que conduzem o povo em marcha-a-ré,
Alegando que assim teve de ser!
Vai-se fazendo tarde e não é hora
De procurar caminhos menos duros
Pois sempre que um de nós gritar; - Agora!
Saberemos que o dia não demora
E, mesmo por carreiros inseguros,
Havemos de ir aonde o sonho mora!
Maria João Brito de Sousa – 28.08.2012 -15.52h
Imagem retirada da internet, via Google
publicado às 16:17
Maria João Brito de Sousa
(...mordido em decassílabo heróico...)
Em verdade só sou quando me dou,
Assim que sol e mar fervem cá dentro
Transmutando-se em corpo e alimento
Do poema/animal que me habitou…
Palavras, coisas vivas que se comem,
São frutas que se oferecem se as procuro
Numa fome perpétua que não curo
Enquanto outras palavras me não domem
Mas é por esta língua, a que pertenço,
Que sinto, que, por vezes, também penso,
Que mordo, como tantos animais,
Sem medo do momento insano, intenso,
Em que abocanho um verso… e quase o venço
Esquecendo a derrocada dos demais…
Maria João Brito de Sousa – 23.08.2012 – 19.19h
publicado às 19:25