Maria João Brito de Sousa
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VELHOS GIGANTES *
Mastigam-se os minutos devagar
Saboreando o travo dos instantes...
Já nada sabe ao que sabia dantes,
Foi-se-nos subvertendo o paladar,
*
Mas muito mais há pra saborear;
Significados e significantes
Tornam-se cada vez mais importantes
E cada vez nos dão mais que pensar. *
A dúvida, essa mestra milenar,
Transmuta-nos, de velhos, em gigantes
E só a morte poderá frear *
Esses questionamentos militantes
Que de nós continuam a brotar
Mais sábios, mais fecundos, mais constantes. *
Maria João Brito de Sousa - 27.08.2020 - 13.59h
publicado às 14:00
Maria João Brito de Sousa
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ANTIGOS MEDOS *
(Soneto em verso alexandrino) *
Trágico era esse medo, esse terror imenso
De nevoeiro denso abrindo manhã cedo
As portas ao segredo, à ausência de bom-senso,
Pairando tenso, tenso ali, como arvoredo, *
Silente como um credo e em tudo o mais pretenso...
Terá, segundo penso, arestas de rochedo
E avança qual degredo ousado, amargo, intenso,
Até ficar suspenso e apontando o dedo *
Àquele que ficou quedo, aprisionado em si.
Tudo isto, em tempos, vi, tudo isto presenciei,
Tudo isto analisei até que percebi *
Não ser o que escolhi. Só desta forma sei
Quão bem me preparei para o que afirmo aqui;
Se então sobrevivi, mais sobreviverei. *
Maria João Brito de Sousa - 26.08.2020 - 14.20h
publicado às 14:21
Maria João Brito de Sousa
Ler aqui, se faz favor
publicado às 13:27
Maria João Brito de Sousa
Ler aqui, se faz favor
publicado às 16:03
Maria João Brito de Sousa
LUZ E SOMBRA *
Ardo na sombra que te oferta abrigo
E que te embala as noites quando frias,
A mesma que ameniza o sol dos dias
E é em mim que cozinhas o teu trigo. *
Do brasido em que viste o meu castigo,
Retiro a recompensa, as alegrias,
E tu, teu próprio pão retirarias
Não foras crer-te deus em vez de amigo. *
Gloriosa mas breve, a madrugada
Depressa despe as chamas que envergara
Dilui-se já no dia, fatigada. *
Arde a brasa, porém, que essa não pára
E, humilde, guarda o fogo resguardada;
Da sombra nasce a luz que te é tão cara. *
Maria João Brito de Sousa - 05.08.2020 - 13.00h
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publicado às 13:18
Maria João Brito de Sousa
SAUDADES *
O mais difícil seria acordá-las,
Que em tudo quanto é canto estão dormindo;
Nas estantes, nos livros ou nas malas,
É-nos quase impossível vê-las vindo *
Mas é-nos fácil i-las pressentindo
Nos quartos, nas cozinhas e nas salas
Pra onde ingenuamente formos indo
Já que sempre nos coube, a nós, levá-las. *
Terão todas as formas que lhes dermos
E só nos doerão se não soubermos
Usá-las de maneira criativa *
Terão, pois, o tamanho que quisermos
E não serão, segundo os nossos termos,
Mais do que uma memória ainda viva. *
Maria João Brito de Sousa -04.08.2020 - 11.00h *
"Sou trabalhador dos correios e gosto de selo" - "private joke" para um bom amigo
publicado às 12:09
Maria João Brito de Sousa
NÃO ESPERO, NÃO PROMETO, NEM O JURO... **
"Desatando este nó que me amordaça"
Desfiando a meada em contra-mão
E enrolando o fio que se embaraça
Nas tralhas que guardei no coração, *
Já voei de ameaça em ameaça
Até pousar de vez neste meu chão
Levada pelo vento, esse que passa
De suave harpejo à fúria de um tufão...
*
Não penso, não prometo, nem o juro
E posso garantir que o nem procuro;
Acontece-me sempre que o não espero
*
Soltar-se assim, genuinamente puro,
Um grito verde que nasceu maduro,
Sereno e tão cortante quão severo. *
Maria João Brito de Sousa - 01.08.2020 - 11.55h *
(Poema criado a partir do primeiro verso do soneto JURO II, de MEA )
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publicado às 13:02
Maria João Brito de Sousa
VISÃO *
Resvala-me uma mão, fruto impotente
De um segundo de amarga lucidez
Que me corta a palavra omnipresente
Sem dar-me o benefício de um talvez
*
Resvala-me outra mão, mesmo à tangente
Do verso que empunhara dessa vez,
E não há olhos que lhe façam frente
Nem há tamanho para o que desfez... *
Noutro segundo, o gesto recomeça
Tomando rumo inverso. Ergue-se a mão.
Pode ser que o poema prevaleça *
Apesar de inseguro... ou talvez não
Seja a visão a chave desta peça
Que exige muito mais do que visão. *
Maria João Brito de Sousa - 29.07.2020- 12.05h
publicado às 12:13
Maria João Brito de Sousa
URGÊNCIAS DO DIA A DIA *
No varandim de uns olhos imprestáveis
Debruça-se a razão que, em desespero,
Tenta dar conta de tudo o que eu quero
E só vislumbra vultos sempre instáveis, *
Sombras indefinidas, improváveis,
Rastos já desgastados pelo esmero
Com que os gastei. Até ao fim, severo,
O anseio de torná-los decifráveis *
E, nublando a alegria natural,
Emerge a nitidez de uma impotência
Que faz doer bem mais que o próprio mal. *
Depois... depois dilui-se essa emergência
Na criatividade pontual
E prontamente acudo à nova urgência. *
Maria João Brito de Sousa - 26.07.2020 -10.37h
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publicado às 12:22
Maria João Brito de Sousa
CONFINAMENTOS
*
Não fosse eu ter a prática que tenho
Em cativeiros e confinamentos
E ficaria seca como um lenho,
Em vez de abrir-me em versos suculentos... *
Enfrentemos, amigo, o tempo estranho
Ainda que espantados, sonolentos,
Recordemos em vão tempos de antanho
Enquanto os dias, cada vez mais lentos, *
Parecem ser, de Tântalo, a tortura
E se guarda o abraço e a ternura
No baú velho das coisas vividas; *
Não roda a chave nesta fechadura,
Mas há-de haver alguém qu`inda a procura;
Que se ache antes do fim das nossas vidas! *
Maria João Brito de Sousa - 22.07.2020 - 14.18h
Ao poeta amigo José Primaz
publicado às 20:00
Maria João Brito de Sousa
A VELA AROMÁTICA
*
Da Madona Sistina à minha sala,
De Rafael até à poesia
Vêm os anjos de que faço gala
Mostrar-lhe nesta vela que alumia *
E que um perfume delicado exala
Deixando a sala inteira em harmonia
Com a alegria desta que a não cala
Quando em soneto expressa essa alegria. *
Ei-la aqui, luminosa e rescendente
Enquanto cada anjinho, paciente,
Nos olhos guarda décadas sem fim. *
Por esse olhar os séculos passaram
E nem por um segundo dormitaram
Os anjos das asinhas de cetim. *
Maria João Brito de Sousa - 21.07.2020 - 23.48
À Janita
publicado às 23:52
Maria João Brito de Sousa
Leia aqui, se faz favor
publicado às 13:43