NO POEMA - Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa
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NO POEMA
Coroa de Sonetos
Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa
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1.
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No poema as palavras é que mandam
Nas vias que percorrem a cantar
Às vezes fogem, voam para o mar
Correndo pela areia e por lá andam
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Como aves voejam e cirandam
Baixinho, sobre as ondas, pelo ar
Entoam melodias de encantar
E nessas belas árias nos demandam
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Palavras entoadas, sol poente
Teu regaço, maresia envolvente,
E os teus olhos amados em redor
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Cantigas lá ao longe, melopeia
Enredo a surfar como sereia
Palavras só palavras só de amor
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Custódio Montes
(Do seu livro "Em Maio")
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2.
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"Palavras só palavras só de amor"
Mas tantas formas há de amor sublime
Que às vezes esse amor em dor se exprime
Se o mundo grita e sangra em seu redor
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E pode lá haver amor maior
Do que o que nos perdoa e nos redime
Pois nem uma palavra nos suprime
Quando nos rebelamos contra a dor?
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Palavras revoltadas que explodindo
Fazem por acordar quem está dormindo
E dar ouvido ao surdo e vista ao cego,
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Que fazem eco sem mostrarem medo
De exporem a crueza e o degredo...
Palavras? Mesmo amargas, nunca as nego!
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Mª João Brito de Sousa
30.12.2023 - 20.00h
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3.
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“Palavras? Mesmo amargas, nunca as nego!”
Que palavras são vida e salvação
Às vezes há palavras sem razão
E outras que, bem ditas, dão sossego
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Palavras no poema eu emprego
Que trazem o amor no coração
Às vezes de tristeza elas serão
Confesso tudo isso não o nego
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Mas sem uma palavra de conforto
Para levar a vida a um bom porto
De incentivo, de força, de coragem
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Que seria de nós e do viver?
Usar palavras certas tem que ser
E com elas mandar linda mensagem
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Custódio Montes
31.12.2023
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4.
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"E com elas mandar linda mensagem"
Será sempre possível como quem
Saúda alegremente o que lá vem
Depois de regressar de uma viagem
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E ainda que só venha de passagem,
Seja parente ou seja um Zé-ninguém,
Uma palavra amiga cai tão bem
Como um voto de esp`rança e de coragem...
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Sim, há lugar pra tudo o que se sente:
Se todas as palavras são semente,
Até as mais singelas darão fruto
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Mas deste chão convulso e violento
Quem espera frutos de contentamento
Se meio mundo sofre e está de luto?
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Mª João Brito de Sousa
31.12.2023 - 14.15h
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5.
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“Se meio mundo sofre e está de luto"
O sofrimento existe em todo o lado
No bom, no mau, no triste e deserdado
Até no importante e resoluto
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Da árvore provém sempre o seu fruto
Mesmo com tempestade e com tornado
Depois vem a bonança e o verde prado
O tempo soalheiro, o tempo enxuto
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E tudo da palavra nos provém
Amor, contentamento, a nossa mãe
Raiz da nossa vida e nosso amor
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Contentes, descontentes ou risonhos?
No meio das palavras há os sonhos
As rosas, malmequeres, toda a flor
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Custódio Montes
31.12.2023
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6.
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"As rosas, malmequeres, toda a flor"
Nos sugere um momento de alegria
E o poema surge em sinergia
Com tudo o que floresce em derredor
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Mas quando em vez da flor floresce a dor
De uma aflição, de um grito de agonia,
Pode o poema entrar em sintonia
Com esse sofrimento, esse clamor...
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No meu poema há espaço para o riso
E para o grito quando for preciso
Dizer: - Basta de guerra e de martírio!
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E às vezes chorarei - ninguém me impeça! -,
Pra saudar uma vida que começa
A abrir-se ao mundo como um branco lírio...
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Mª João Brito de Sousa
31.12.2023 - 19.20h
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7.
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“A abrir-se ao mundo como um branco lírio”
Que é vida o nascimento da criança
Um membro de família que se alcança
Um gosto, uma alegria, um delírio
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Uma cor que o ornamenta, cor porfirio
Que depois se normaliza com pujança
Pequeno mais crescido com mudança
Uma graça concedida, não martírio
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A palavra moldada é já normal
Não vai buscar a rima ornamental
Que a branca cor de lírio clareou
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E termina a fazer festas com mimo
À criança que gerei e muito estimo
Que afago com carinhos que lhe dou
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Custódio Montes
31.12.2023
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8.
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"Que afago com carinhos que lhe dou"
E eu sinto-me afagada só de olhá-la,
Que a voz pode tremer-me mas não cala,
Nem a palavra esconde o que a tocou
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E se o poema estático ficou,
Logo se transfigura e se ergue e fala,
Sobe em sonoridade e rompe a escala
A que a velha rotina o condenou...
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Uma visão terna e tão tocante
Confere eternidade ao breve instante
E fica-nos cá dentro a vida inteira
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Que uma vida que nasce e permanece
É um milagre que jamais se esquece
Se a palavra que o narra for certeira!
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Mª João Brito de Sousa
31.12.2023 - 23.39h
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9.
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“Se a palavra que o narra for certeira!”
Mas há imensas formas de o dizer
Porque se a rima certa se perder
O poema nasce torto e sem maneira
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É difícil apenas a primeira
Mas dando um toque logo a condizer
A palavra aparece com prazer
E a rima surge então à sua beira
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A palavra que deixo a final
É palavra escolhida e normal
Não palavra com muita raridade
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O poema sorri e agradece
Que a palavra final bem o merece
Porque à rima não traz dificuldade
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Custódio Montes
1.1.2024 (à entrada do ano)
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10.
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"Porque à rima não traz dificuldade"
A palavra final fica contente
E passa o testemunho antes que a gente
Ceda ao soninho bom que nos invade...
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O Novo Ano entrou sem novidade:
Quase não dei por el`, sinceramente!
Não se cobrisse o céu da incandescente
Luz dos eternos fogos, na cidade,
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E não se enchesse a casa de estrondosas
Crepitações sonoro/luminosas,
Talvez eu já dormisse a sono solto...
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Assim respondo embora tacteando
Cada letrinha que me vai fintando
E me afronta afirmando: - Já não volto!
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Mª João Brito de Sousa
01.01.2024 - 01.50h
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11.
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“E me afronta afirmando - já não volto!”
Mas isso é o que ela pensa porque a maga
O gesto que ela tenta lho embarga
E a obriga com jeito e amor envolto
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E a palavra que dorme a sono solto
Em sonhos vem de Oeiras até Braga
Sem dar conta que o sonho aqui a traga
Nem mostrar qualquer gesto ou ar revolto
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A grande poetisa faz a lavra
Para a ribalta traz cada palavra
E ela ao acordar e sem estorvo
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Até dança no chão sobre tapetes
Relembrando a festa e os foguetes
Na passagem do velho ao ano novo
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Custódio Montes
1.1.2024
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12.
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"Na passagem do velho ao ano novo"
Tanto tossi, de tal forma espirrei,
Que ao próprio foguetório ultrapassei
Em decibéis, quase assustando o povo...
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Ao confessá-lo, aqui, não me promovo,
Pois na verdade até me envergonhei:
Espirrei, tossi, espirrei, tossi, espirrei...
A tão estrondosa gripe, eu não a aprovo!
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Agora ainda espirro, ainda tusso,
Tudo isto lhe confesso sem rebuço
Que a culpa é deste vírus traiçoeiro
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Que quis passar comigo o "réveillon"
Ainda que não seja de bom tom
Estragar-me este primeiro de Janeiro...
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Mª João Brito de Sousa
01.01.2024 - 13.30h
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13.
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“Estragar-me este primeiro de Janeiro”
Bem queria mas isso eu não deixo
Posso ser preguiçoso com desleixo
Mas sou fixe e um belo companheiro
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Porém, agarrado, interesseiro,
Sou pensativo, atento, a mão no queixo
No meio das palavras eu me enfeixo
E um amigo seu a tempo inteiro
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Termino meu poema, não engano
Termino mas desejo um feliz ano
Para dar-lhe a palavra para o tema
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Fechará a coroa com certeza
Com arte, com encanto e com beleza
E porá mais palavras no poema
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Custódio Montes
1.1.2024
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14.
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"E porá mais palavras no poema"
Ficando este Ano Novo enriquecido
Por uma c`roa que o terá vestido
Co`a graça e a riqueza do fonema
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Que de ora avante será seu emblema
E também nosso, que havemos polido
Letra após letra o festim prometido
Onde a palavra brilhará qual gema
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Mas nós, os que a palavra trabalhamos,
Jamais destas palavras fomos amos:
Rebeldes, voam alto e nunca abrandam
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Fazendo-nos, aos dois, ir atrás delas
Pra, com cuidado, podermos colhê-las:
"No poema as palavras é que mandam"
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Mª João Brito de Sousa
01.01.2024 - 16.00h
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