GLOSANDO FLORBELA ESPANCA (7)
LANGUIDEZ
Tardes da minha terra, doce encanto,
Tardes duma pureza d’açucenas,
Tardes de sonho, as tardes de novenas,
Tardes de Portugal, as tardes d’Anto,
Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto!...
Horas benditas, leves como penas,
Horas de fumo e cinza, horas serenas,
Minhas horas de dor em que eu sou santo!
Fecho as pálpebras roxas, quase pretas,
Que poisam sobre duas violetas,
Asas leves cansadas de voar...
E a minha boca tem uns beijos mudos...
E as minhas mãos, uns pálidos veludos,
Traçam gestos de sonho pelo ar...
Florbela Espanca, in "Livro de Mágoas"
PEQUENINAS FUGAS...
"Tardes da minha terra, doce encanto",
Lembrando cães e gatos e palmeiras
Com horas coloridas por tonteiras
E fronteiras rasgadas pelo espanto...
"Como vos quero e amo! Tanto! Tanto!"...
Pois, mesmo que me passem mil rasteiras,
As contas me parecem brincadeiras
E, enquanto o penso, vou esquecendo o pranto...
"Fecho as pálpebras roxas, quase pretas";
As contas por pagar parecem tretas,
Os prazos a cumprir ficam pendentes
"E a minha boca tem uns beijos mudos"
Que surgem nos momentos mais agudos
Pr`a me encher de certezas... aparentes...
Maria João Brito de Sousa - 30.01.2016 - 13.42h
NOTA - Peço desculpa à Florbela por ter pegado neste seu magnífico soneto e o ter "transformado", segundo a minha realidade, num "rosnido marcadamente social", mas... as realidades urgentes impõem-se-me às pequeninas fugas (im)possíveis e eu nunca fui vocacionalmente suicida...
Filho da puta de mundo este que constantemente vai retirando, a muitos de nós, toda e qualquer possibilidade de sobrevivência, mesmo quando ela resiste "no fio-da-navalha" e muito, muito além dos seus humanos limites... (Eu)