Maria João Brito de Sousa
MULHER *
Passeia-se apenas, sem fitas, sem folhos
Trazendo nos olhos sorrisos e penas...
Como ela há centenas, vê-las-eis ao molhos
Por entre os restolhos, louras ou morenas *
Marias e helenas que contornam escolhos,
Tendo, ou não, piolhos, virtuosas, obscenas,
São como açucenas; a chave e ferrolhos
Franzem os sobrolhos. Grandes ou pequenas *
Levantam empenas, são donas das ruas,
Das marés, das luas... Em todos os astros
Ergueram os mastros das razões mais suas *
Vestidas ou nuas, deixam os seus rastos
Nos muros dos castros, à popa, em faluas,
E em tudo o que intuas dos seus corpos gastos. *
Maria João Brito de Sousa
03.02.2021 - 14.04h ***
Gravura de Manuel Ribeiro de Pavia in LIVRO DE BORDO, de António de Sousa.
publicado às 20:43
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publicado às 22:24
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publicado às 09:34
Maria João Brito de Sousa
MULHER *
Passeia-se apenas, sem fitas, sem folhos
Trazendo nos olhos sorrisos e penas...
Como esta há centenas, encontram-se aos molhos
Por entre os restolhos, louras e morenas. *
Marias e helenas que contornam escolhos,
Com ou sem piolhos, virtuosas, obscenas,
São como açucenas; a chave e ferrolhos
Franzem os sobrolhos. Grandes ou pequenas *
Derrubam empenas, são donas das ruas,
Das marés, das luas... Em todos os astros
Ergueram os mastros das coisas mais suas *
E sempre assim, nuas, deixaram seus rastos
Nos muros dos castros, no chão das faluas
E até no que intuas dos seus corpos gastos. *
Maria João Brito de Sousa - 03.02.2021 - 14.04h ***
Gravura de Manuel Ribeiro de Pavia in LIVRO DE BORDO, de António de Sousa.
publicado às 14:09
Maria João Brito de Sousa
Não foi assim tão antigamente...
Foi há cerca de um tempo
Mais duas metades de dois tempos meios.
Uma voz amiga, certamente,
Embora longínqua, perguntou por mim
E eu, tão confusa, não me conhecia...
Sou mulher de um homem,
Respondia.
E a voz insistia:
- Mulher, quem és tu?
- Sou a mãe de um filho que não mora cá
E de três meninas que me querem muito,
Apesar da culpa, apesar de tudo...
E a voz repetia:
- Mulher, quem és tu?
E eu iria jurar que não mentia
quando respondia:
- Eu sou essa mãe, apesar do luto!
A voz não cedia quando perguntava
Do Espaço, do Tempo e outras coordenadas:
- Ó mãe dos teus filhos, diz-me quem és tu!
Onde moram as tuas horas carnais?
Onde guardas o corpo quando sais
E voas em busca do filho perdido?
Que fazem essas tuas mãos?
Que estrelas tão negras trazes no olhar?
Que morte tão estranha te veio buscar
E esqueceu teu corpo entre os teus irmãos?
E eu respondia
Sem me aperceber
Que me descrevia sem me conhecer:
- Sou a mulher do meu homem
E a mãe das minhas crias!
Procuro o que se perdeu, o que morreu mal nasceu
E não alcanço encontrar...
Mas a voz não se calava no seu calmo perguntar:
- Mulher, que é fe ito de ti?
Só a ti tens de encontrar!
Então procurei-me em mim
E vi que não estava lá...
Procurei-me em todo o mundo,
Do abismo mais profundo à montanha mais escarpada,
Fui ao Nilo, fui ao Ganges,
Procurei-me em cada ventre
Das grutas mais ignoradas...
Devo ter percorrido o universo inteiro
Quando, de repente,
Encontrei um corpo que me não era alheio
E uma alma ardente
Onde cabia, exactamente,
A chama tão acesa do meu peito!
E juro
Que foi a primeira vez,
Em toda a minha vida,
Que aceitei a minha imagem denegrida,
Que me não importei de não ser entendida
E me orgulhei da estranha condição
De ser UMA MULHER INTERROMPIDA!
.
Poema convictamente reeditado para http://fabricadehistorias.blogs.sapo.pt/
Imagem - O Nascimento de Vénus - Boticelli
publicado às 16:35