PEÇO DESCULPA; NEM UM VERSO OUVI... - Coroa de Sonetos
NEM UM VERSO OUVI... - COROA DE SONETOS
Maria João Brito de Sousa e Custódio Montes
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Houvesse, hoje, um versito distraído
Que por aqui passasse por acaso
E que algo murmurasse ao meu ouvido,
Pra poder-vos dar conta deste atraso...
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Fosse de pé quebrado ou mal medido,
Quase a desvanecer-se num ocaso,
Gago que fosse ou tão mal construído
Que em tudo semelhasse ângulo raso,
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Que quisesse ser recto e não se erguesse
Um grauzito sequer que graça desse
A quem o visse ou lesse por aí...
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Mas este que encontrei sem voz, nem dono,
Tudo quanto fará é dar-vos sono;
Peço desculpa. Nem um verso ouvi.
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Maria João Brito de Sousa - 24.07.2020 - 14.30h
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2
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Também eu não ouvi sequer um verso
Pois fui passar uns dias à aldeia
Sem versos, claro, venho de alma cheia
E este estado assim é bem perverso
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Trazer a alma toda em anverso:
A alma com poesia sem que leia
O ritmo que entre ela se encandeia
E firmem no conjunto um universo
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É termos o poema cá bem dentro
E a forma arredada do seu centro
E não o publicar nem o fazer
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Às vezes fica o mundo frio, escuro
Sem vermos o presente e o futuro
E um verso só bastava para o ver.
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Custódio Montes
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"E um verso só bastava para o ver"
Pois bastaria apenas tê-lo ouvido,
Mas... desta vez escondeu-se, emudecido,
Talvez sentindo medo de morrer,
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Talvez pensando poder-se perder
Quiçá de si, do seu próprio sentido,
Que entre hospitais se sente já perdido
E nunca tem vergonha de o dizer...
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A Musa foi de súbito tomada
Por um medinho atávico, ancestral,
E escondeu-se debaixo de uma escada
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Assim que viu, ao longe, o hospital.
Bem a chamei. Não me serviu de nada...
Estou "desmusada" e a sentir-me mal!
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Maria João Brito de Sousa - 25.07.2020 - 11.25h
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"Estou "desmusada" e a sentir-me mal"
Melhoras lhe desejo a si e à musa
Mas mais a si que esta isso escusa
Doente embora é fenomenal
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Os versos que ela engendra são sinal
De veia que se mostra bem difusa
Reergue-se depressa e não recusa
Andar correr e ser original
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Por isso não se queixe, minha amiga
Senão olhe que Deus inda a castiga
Nós não o desejamos nem queremos
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Doenças têm cura e melhora
E mesmo apenas sã uma só hora
São belos os poemas que lhe lemos.
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Custódio Montes
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"São belos os poemas que lhe lemos",
Poeta que ontem foi à sua aldeia
E dela veio com a bela veia
Que hoje frutificou, como aqui vemos!
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Entrou na Barca Bela e fez-se aos remos
Sem medo do "mar grande" e da sereia,
Nem do rochedo e dos bancos de areia
Nos quais já tantas vezes perecemos...
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Chegou e dou-lhe agora as boas vindas
Porque assim se recebem bons amigos
Que foram visitar as praias lindas
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Que já foram seus berços, seus abrigos;
Desejo felicidades sempre infindas
E poucos ou nenhuns dos meus castigos.
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Maria João Brito de Sousa - 26.07.2020 - 08.40h
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"E poucos ou nenhuns dos meus castigos"
Os seus castigos são materiais
E não como se vê de outros mais
Pois olha e vê bem longe por postigos
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Que outros pelo ar e com perigos
Tão só divisam coisas bem normais
Sem luas sois ou tardes outonais
Com sonhos ou quimeras como abrigos
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Ainda para mais desculpas pede
De não ouvir um verso ou melodia
Quando nada se vê de que se arrede
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E produz seus poemas dia a dia
De toda a realidade a que acede
E isso porque é toda poesia ....
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Custódio Montes
(26.7.2020)
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"E isso porque é tod(a)o poesia"
E merece o respeito e a amizade
De quem a responder-lhe não se evade
E o faz com muitíssima alegria
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Haja quem nos secunde com mestria,
Que eu, dos meus olhos, sinto já saudade
E ao lume deixo a açorda que, em verdade,
Por um pouquinho mais se queimaria...
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Alguma coisa ainda vejo, sim,
Mas a cabeça dói-me, os olhos ardem,
E já nem sei o que será de mim
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Se for em vão que meus olhos aguardem
As cirurgias... mas, até ao fim,
Vou crer que sim, por muito que elas tardem!
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Maria João Brito de Sousa - 26.07.2020 - 11.29h
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"Vou crer que sim, por muito que elas tardem!"
Mas vão chegar depressa isso vão
Aos olhos também fiz operação
E agora vejo bem e já não ardem
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Que os deuses a protejam e a guardem
E que lhe restituam a visão
Para podermos ter sua lição
Que os médicos se apressem, não aguardem
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Eu penso que vai tudo correr bem -
Comigo assim foi e eis a prova
Puseram lentes novas e também
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Se foi a miopia, o que renova
A vista que alcança mais além -
E vai ficar, amiga, como nova.
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Custódio Montes
(26.7.2020)
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"E vai ficar, amiga, como nova",
Diz-me o amigo, muito gentilmente...
Mas eu pergunto quando. É mesmo urgente
E esta quase-cegueira bem o prova.
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Esforçadamente leio ou escrevo a trova
E tudo faço assim; esforçadamente,
Além do que se exije a toda a gente
E, pior, estando já c`os pés prá cova
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Já que esperança de vida, pouca tenho
E, se bem que isso encare com bravura,
Melhor fora podarem-me este lenho
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Que à vida me traz dor e desventura
E darem-me a visão que tive antanho
Pra não andar, das teclas, à procura...
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Maria João Brito de Sousa - 26.07.2020 - 13.21h
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"Pra não andar, das teclas, à procura"
Mas vê bem as palavras, isso vê
Pois nota isso a gente que a lê
Que encontra nelas força e candura
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Arrojo, sentimento com doçura
E criatividade e os porquês
De tão bem escrever em português
De ser muito vernácula e pura
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Mas não vou parecer adulador
Que o que se diz às vezes tem um custo
Mas ser omisso outras é pior
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E eu não tenho peias não me assusto
Afirmo sempre aquilo que é melhor
E aqui o que eu afirmo é tudo justo.
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Custódio Montes
(26.7.2020)
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"E aqui o que eu afirmo é tudo justo"
Mas o que não é justo, com certeza,
Foi deixarem-me, há anos, assim presa
A escrever tudo com tão grande custo!
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Não será facilmente que me assusto,
Conseguirei manter certa frieza
E por vezes até sair ilesa
Do confronto com quem é mais robusto,
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Se confronto existir, que o não procuro!
Mas conseguindo ser muito objectiva,
Não tenho medo nem sequer do escuro!
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Ainda que "pitosga", estou bem viva
Mas devo confessar que é muito duro
De tanta "pitosguice" estar cativa!
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Maria João Brito de Sousa - 26.07.2020 - 14.25h
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"De tanta "pitosguice" estar cativa",
Atrasos sem desculpa e sem valor
Seria menos mau e até melhor
Ir ter ao hospital e aflitiva
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Dizer a alma aí caritativa
Que tem sua visão má e pior
Que há só escuridão e sente dor
E ser frontal e bem explicativa
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Eu sei que a poetisa não faz isso
Mas muitos há decerto que lá vão
Conseguem de certeza compromisso
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De formas pouco lícitas que são
Escuros, tristes modos e por isso
Pratica só quem age em corrupção.
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Custódio Montes
(26.7.2020)
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"Pratica só quem age em corrupção"
Esses truques e manhas, bem o sei...
Para a minha pensão - pensão de rei! -
Duzentos e setenta; mais não são!
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Para quem sobrevive a tal pensão,
Sem recorrer ao que antes mencionei,
Não está fácil a vida... lei é lei!
Pra corrupta não trago vocação!
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E agora que escrevi a bom escrever,
Que lhe falei de (algumas) desventuras
E que aqui me fui dando a conhecer,
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Vou tomar um café; estou com tonturas
E a tensão está de novo a prometer
Descer de lá do topo das alturas
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Maria João Brito de Sousa - 26.07.2020 - 16.38h
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"Descer de lá do topo das alturas"
Mas tem que o fazer bem devagar
Senão pode cair e se aleijar
Perdendo os sentidos com tonturas
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Beber café é sim uma das curas
Para a tensão poder remediar
Melhor seria não subir/baixar
E não ter de curar essas rupturas
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Desejo-lhe as melhoras, fique bem
Merece ser feliz e ver vencido
O mal que a rodeia e que contem
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Estando bem, aposto, convencido
Brincava certamente aqui também,
"Houvesse, hoje, um versito distraído"...
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Custódio Montes
(26.7.2020)