Maria João Brito de Sousa
Fotografia de António Pedro Brito de Sousa, 1952
*
SÓ MAIS UM MOMENTO, QUE TUDO É TÃO BELO! *
Coroa de Sonetos *
Custódio Montes e Maria João Brito de Sousa
1. *
Ó tempo amigo que vais a fugir
Não vás tão depressa que quero olhar
O sol cristalino que está a brilhar
Ali sobre o monte já todo a florir *
E aquela avezinha com asas a abrir
Que leva sustento para alimentar
O seu filho amado no ninho a piar
Pára um instante, deixa-me sorrir
*
Fica aqui comigo que ao longe o poente
Vai iluminado a encantar a gente
Com o mar ao fundo, não estás a vê-lo?
*
Apressado tempo, uns segundos mais
Que o que vejo agora não vejo jamais
Só mais um momento que é tudo tão belo! *
Custódio Montes
7.3..2022 ***
2. * "Só mais um momento que tudo é tão belo"
Aos humanos olhos e aos da Poesia
Que tudo contempla, que tudo (re)cria,
Que tudo interpretra pra poder escrevê-lo... *
Dá-nos tempo, Tempo, pra melhor vivê-lo;
Cada tarde quente, cada noite fria,
Cada madrugada será fonte e guia
De grande alegria, de um cantar singelo *
Se o meu coração fraco e remendado
Sugerir que é tempo de parar... cuidado!,
Estando avariado, nem sabe o que diz, *
E eu inda que esteja fraca e consumida,
Tropeço mas peço um pouco mais de vida;
Por pouco que seja, far-me-ás feliz! *
Mª João Brito de Sousa
07.03.2022 - 12.45h ***
3. *
“Por pouco que seja, far-me-á feliz”
Que o tempo alegra, prende o coração
A gente olha o tempo, presta-lhe atenção
Em toda a idade, já desde petiz *
Vem a tempestade, verga-se a cerviz
Recolhe-se a casa para protecção
Mas vai-se à janela e vê-se o trovão
O tempo ensina e é-se aprendiz *
Se chove por vezes, também nos agrada
Ao sentir-se o cheiro a terra molhada
O sol que nos cobre, as flores a abrir *
O mar ondeando e a bater na areia
À volta a andorinha, a voar passeia
Crianças que saltam contentes a rir *
Custodio Montes
7.3.2022 ***
4. *
"Crianças que saltam contentes a rir"
Fomos noutros tempos que não voltam mais
Que avós nos tornámos - duas vezes pais...-
De crianças, outras, que hoje são porvir *
Pois é sempre tempo de substituir
Plantas já esgotadas, velhos animais...
Mas abranda, Tempo, não corras demais,
Dá-me mais um tempo pra te usufruir! *
Não te peço nada que dar-me não possas
Sem quebrar a sina destas vidas nossas;
Vivi muitos anos, vou para os setenta, *
Mas se um poucochinho lhes acrescentares,
Não me zango - juro! - quando mos cobrares;
Em versos tos pago, se o seu preço aumenta! *
Mª João Brito de Sousa
07.03.2022 - 15.40h ***
5. *
“Em versos tos pago, se o seu preço aumenta!”
Anda, sê bonzinho mas mais devagar
Ao me dares tempo para eu sonhar
O sonho ao vir o poema acalenta *
Se a vida for longa mesmo aos oitenta
O verso melhora, tem de melhorar
Com experiência a forma de amar
É muito mais rica e mais suculenta *
Rodeia-se o campo, andando ao redor
Enfeita-se o prato, com graça e amor
Com tudo o que vemos vem-nos o poema *
O tempo que passa, vai sempre a correr
E devagar indo melhora-se o ver
Assim se encontrando bem melhor o tema *
Custodio Montes
7.3.2022 ***
6. *
"Assim se encontrando bem melhor o tema",
Que o vate envelhece tal qual o bom vinho
Que encorpa e que adoça nas pipas de pinho
Ao longo dos anos e ao som de um poema... *
Dá-nos mais um tempo! Vês nisso um problema?
Desprezas-nos tanto que num minutinho
Vejas um milénio? Vá, vem de mansinho
Dar-nos, Tempo infindo, essa graça suprema! *
Enquanto decides se sim ou se não,
Nós aproveitamos, dessa hesitação,
Segundos que sejam... Tudo se aproveita *
Se o tempo que temos promete ser escasso,
Um verso sem Tempo transforma-se em Espaço
No qual se semeia, fecunda, a colheita *
Mª João Brito de Sousa
07.03.2022 - 17.30h ***
7. *
“No qual se semeia, fecunda, a colheita”
Para dar bom fruto tão apetitoso
Que ao comê-lo a gente fica mais guloso
E, saboreando-o, mais satisfeita *
À vista, o poema é que nos deleita
Ao ver-lhe os detalhes e o porte pomposo
O tempo o eterniza e torna famoso
E o leitor ao lê-lo todo se deleita *
Para isso o tempo é o principal
Que às vezes sem tempo conjuga-se mal
Estão as palavras, o verso aparece *
Sem os ornamentos que merece ter
Com sobejo tempo melhor se há-de ver
E o próprio poema até envaidece *
Custodio Montes
7.3.2022 ***
8. *
"E o próprio poema até envaidece"
Se o tempo lhe sobra em vez de em corrida
Fazer seu cantante percurso de vida
Até que no fim se cala e fenece *
Mas este poema correndo se tece
Temendo que o Tempo lhe pregue a partida
De o parar a meio da estrofe tecida,
Que às manhas do Tempo, nem ele as conhece... *
Ou será a Musa, essa aventureira,
Que o vai empurrando de qualquer maneira,
Sem deixar que cuide da sua aparência? *
Não sei quem comanda este absurdo galope
Que nada respeita - nem sinais de "STOP"-
Como se um poema fosse uma emergência! *
Mª João Brito de Sousa
07.03.2022 - 19.25h ***
9. *
“Como se um poema fosse uma emergência”
Atrás de corrida sempre sem parar
Sem seu condimento para alimentar
A beleza à volta como numa urgência *
Para que o poema tenha competência
Ao ser burilado deve contemplar
O que o rodeia e depois brilhar
Para ser amado na sua envolvência *
Tudo tem um tempo para se tecer
E a dobadoira sempre em seu correr
O fio envolvendo para o seu destino *
Sempre, sempre a jeito com muita alegria
Mostrando na forma toda a harmonia
E no conteúdo gosto genuíno *
Custodio Montes
7.3.2022 ***
10. *
"E no conteúdo gosto genuíno"
De que seda ou linho não vão prescindir
No momento exacto de o ver, de o sentir,
De lê-lo em silêncio, de cantá-lo em hino, *
Quem sabe "a capella", ao toque do sino,
Sem hora marcada, mas pronto a servir
Quem souber ouvi-lo sem lhe resistir,
Tal qual fosse débil choro de menino... *
E é desta surpresa que alimento o verso,
Que o tomo nos braços, que o deito no berço,
Que o vejo partir e que lhe digo adeus *
Porque os versos partem, seguem seu caminho
E logo outros vêm muito de mansinho
Deitar-se nos berços que tomam por seus *
Mª João Brito de Sousa
07.03.2022 - 22.10h *** 11 *
“Deitar-se nos berços que tomam por seus”
Mas ao se deitarem sem ver o colchão
Coitados dos versos como se verão
Sem cama nem tecto à chuva dos céus *
E acorrentados presos como réus
Assim espalhados deitados ao chão
Tão abandonados sem muita atenção
Lá se vão embora, dizem-nos adeus *
Eu quero que fiquem enramalhetados
Presos uns aos outros como enamorados
Todos misturados e engrandecidos *
Não os quero soltos e ao deus-dará
Antes em poemas como um bom maná
Muito apreciados quando forem lidos *
Custodio Montes
7.3.2022 ***
12. *
"Muito apreciados quando forem lidos",
Vão fintando o Tempo enquanto se espraiam
Na tela ou na folha, conforme nos saiam
Nervosos dos dedos por vezes doridos *
E quando na tela formam coloridos
Padrões tentadores e sons que desmaiam
Ou sobem crescendo até que enfim caiam
Ficando gravados nos nossos sentidos... *
Que tempo nos resta antes que Morfeu
Tente vir impor-nos um tempo que é seu
E estes nossos olhos se cerrem cansados? *
Hei-de resistir-lhe não sei até quando
Embora, confesso, vão já hesitando
Os versos que há pouco corriam estouvados *
Mª João Brito de Sousa
07.03.2022 - 23.50h ***
13. *
“Os versos que há pouco corriam ‘stouvados”
Mas agora o tempo já está a findar
Começou a noite e é melhor sonhar
E parar os versos que andam cansados *
Ao vir a manhã com eles acordados
Damos outra volta pra recomeçar
Uns atrás dos outros ou a par e par
Muito bem compostos, bem emalhetados *
Mas tudo sem pressa como um passatempo
E bem divertidos dando tempo ao tempo
Burilando o verso a dar graça ao poema *
Que o poeta encante e faça divertir
Teça bem a teia, fazendo sorrir
Que a palavra encante como é seu lema * Custodio Montes
8.3.2022 (mesmo a começar…) *
14. *
"Que a palavra encante como é seu lema",
Que nos apaixone e nos abra horizontes
Jorrando graciosa de todas as fontes,
Gotinha a gotinha, fonema a fonema, *
Até transformar-se num belo poema
Que derrube muros, que construa pontes,
Que atravesse rios, campinas e montes
E os demais percalços que o verso não tema *
Hesito, dormito, que o sono já pesa
Até sobre a Musa que jaz sobre a mesa
Exausta, rendida, deitada a dormir... *
Vês o que me arranjas só porque te peço
Mais um tempo, um nada que em momentos meço,
"Ó Tempo amigo que vais a fugir"? *
Mª João Brito de Sousa
08.03.2022 - 01.25h ***
publicado às 09:31
Maria João Brito de Sousa
DIA *
Coroa de Sonetos *
Custódio Montes, Maria João Brito de Sousa e Lourdes Mourinho Henriques *** 1. *
A noite foi passando e chega o dia
Pois já se vê a luz da alvorada
Do dia vem a luz iluminada
E luz que cada vez mais alumia *
Os olhos se distendem e a magia
Invade-nos a alma encantada
Que a este céu aberto, irmanado,
Se junta, refulgente de alegria *
O dia pinta o monte, mostra a serra
E também a beleza que ela encerra
E vai beijar a flor que envaidece *
E tudo isto eu vejo da janela
Encanto desta luz que é tão bela
Enquanto o dia vem e amanhece *
Custódio Montes
23.10.2021 ***
2 *
"Enquanto o dia vem e amanhece"
Procura a noite um espaço recatado
Para dormir o sono descansado
Que traz consigo e tanto lhe apetece. *
A noite, ao dia em nada desmerece
E até foi dela que nasceu o fado,
O que se vive e o outro que é cantado
Como quem rasga a alma numa prece... *
A noite traz lampejos cor de prata,
Cantigas de embalar e uma cascata
De carícias que o dia amordaçou *
E traz-me, a mim que vou estando velhinha,
A maravilha de, estando sozinha,
Sonhar com versos que ninguém glosou... *
Maria João Brito de Sousa - 22.10.2021 - 14.55h
*** 3 *
“Sonhar com versos que ninguém glosou”
É maravilha que a minha mente ocupa
Enquanto o coração se preocupa
Sonhando com a vida que passou. *
Recorda tudo o que o tempo levou
Noite fora, até ser de madrugada,
Por fim, com a cabeça já cansada
Rendo-me ao sono… a noite terminou… *
E eis que nasce o dia… e a natureza
Se envaidece, e mostr’ a sua beleza
Ao ser banhada pela luz do sol. *
E às vezes, quando acordo a meio do dia
Eu penso que vou ter a alegria
De ver uma vez mais o arrebol! *
Lourdes Mourinho Henriques
22.10.2021 ***
4 *
“De ver uma vez mais o arrebol”
Sonhava e acordei era já dia
Voltei de novo então à alegria
Por ver a clara luz vinda do sol *
Na montanha a cair como farol
Tão lindo como há muito eu não via
Assim, olhando em frente descobria
Também a cirandar um girassol *
Todo o dia amanhece e vai andando
O sol que o acarinha vai girando
Até ao seu ocaso a iluminar *
Trabalha muita gente e o jardim
Encanta todo o dia até ao fim
E anda-se na rua a passear *
Custódio Montes
22.10.2021 ***
5 *
"E anda-se na rua a passear",
Ou fica-se por casa poetando
Como eu há vários dias vou ficando
Por falta de dinheiro pra pagar *
O que café da esquina me cobrar
Por um "pingado" claro, fumegando;
Este mês não está fácil, vou pensando
Enquanto escrevo versos sem parar... *
De qualquer forma, não caminharia
Mais do que os poucos passos que daria
Pra poder chegar (viva...) à minha meta *
E assim, escrevendo "até que a voz me doa",
Chego muito mais longe! O verso voa
Sempre que sai das teclas de um poeta. *
Maria João Brito de Sousa - 22.10.2021 - 21.50h
***
6 *
“Sempre que sai das teclas de um poeta”
Os versos que escreveu, para cantar
Talvez lhe chegue a voz… e a tocar,
Até confunde as teclas com a caneta. *
Os versos e a música sem meta
Que às vezes vão saindo sem cessar
Aliviam a alma, e ao cantar
Dão alegria ao músico/poeta. *
P’rá música, inspiração vai faltando,
Uns versos, vão saindo quando em quando
P’ra não deixar entrar o “Alemão”. *
Hoje, cantar “Até que a voz me doa”
Não consigo, já sou outra pessoa,
P’rós versos, vai faltando inspiração! *
Lourdes Mourinho Henriques
23.10.2021.
***
7. *
“P’rós versos, vai faltando inspiração!”
É verso a rimar mas é gracejo
Porque pelo que escreve, como vejo,
Não foge o verso e a rima à sua mão *
Oh Lourdes, desafio é empurrão
Que leva a sua musa ao versejo
E o que escreve é lindo, lho invejo
Que escreve com a mente e o coração *
Mas voltando ao tema, lhe diria
Que só começou ontem, nesse dia
E decerto vai hoje terminar *
A Maria João e a Mourinho
Trouxeram ao meu “dia” tal carinho
Que quero nesta altura destacar !!! *
Custódio Montes
23.19.2021 ***
8. *
"Que quero nesta altura destacar(!!!)"
Que o dia amanheceu de azul vestido
E que o mar está de rendas guarnecido
Por espumas acabadas de bordar... *
Acabo agora mesmo de acordar
De um sono justo, muito bem dormido
E faz, dizer bom-dia, mais sentido
Do que ficar calada a matutar; *
Bom dia, meus amigos, companheiros
Dos versos cultivados nos canteiros
Dos nossos jardinzinhos pessoais! *
Que as vossas musas vos sejam propícias
Nesta manhã de versos e delícias;
Trazei vossos sonetos, quero mais! *
Maria João Brito de Sousa - 23.10.2021 - 10.15h ***
9 *
“Trazei vossos sonetos, quero mais”
Por sua vez diz Maria João,
Não sei se chego lá, a inspiração
Por vezes só me dá rimas banais… *
Mas vejo que o Custódio entendeu
Que apesar do que escrevo ser banal
É tudo o que sinto, e afinal
São versos que demonstram o “meu EU”. *
Aos dois eu agradeço a paciência
Pois engenho e arte, na essência,
É coisa que me falta, na verdade. *
Vamos ver se consigo terminar
Esta “batalha” que me faz pensar…
E aqui vos deixo a minha amizade. *
Lourdes Mourinho Henriques
23.10.2021
***
10. *
“E aqui vos deixo a minha amizade”
Que tão bem a expressa no soneto
Manifestá-la aqui também prometo
Embora sem engenho e habilidade *
A Mourinho é amiga de verdade
E por isso amizade lhe remeto
Apesar desta assim morar num gueto
Que a sua essência é a liberdade *
Ao escrever a gente apenas diz
Aquilo que a pena dizer quiz
E ela não diz tudo ao escrever *
Mas vou ditar daqui esta sentença:
A amizade é lonjura e é presença
E ambas como amigas quero ter *
Custódio Montes
23.10.2021 ***
11 *
"E ambas/os como amigas/os quero ter"
Inda que isso me obrigue a saltitar
Entre o computador, pra vos saudar,
E a água do arroz, quase a ferver *
Porque hoje é dia de tudo fazer
Não me posso esquecer de cozinhar
Frango estufado, arroz a acompanhar,
E um chá de camomila pra beber *
Nestas nossas conversas "sonetadas"
Partilhamos até pequenos nadas
E confesso sentir-me entristecida *
Por não poder servir-vos um pouquinho
Do que vou descrevendo e que cozinho;
- "Custódio, quer?" ou "Milú, é servida?" *
Maria João Brito de Sousa - 23.10.2021 - 14.10h ***
2 *
- “Custódio, quer?” ou “Milú, é servida?”
Tem graça partilhar com harmonia
Em “poemas”, o qu’ é o nosso dia,
Afinal tudo faz parte da vida *
Que por nós, tantas vezes é esquecida…
Pensando em altos voos, com alegria,
Sem vermos que esses voos são utopia,
Deixando a humildade adormecida! *
Quantas vezes o que a vida nos dá
Não é o que sonhamos… mas é lá
Que encontramos a nossa f’licidade. *
Amigos do passado? Aonde estão?...
A vida nos contempla e em sua mão
Nos traz outros amigos de verdade! *
Lourdes Mourinho Henriques *
23.10.2021 *** 13. *
“Nos traz outros amigos de verdade”
Que o dia nos ajuda a conquistar
Quem diz dia diz noite par a par
Que juntos ambos são a unidade *
De trevas é o dia e claridade
E cada parte dele é para amar
Amarmos tudo e todos sem parar
Que o amor é o cerne da amizade *
O dia, o claro dia empolga a gente
Dia pela manhã e ao sol poente
E depois vem a noite e a escuridão *
Surge a lua no céu e as estrelas
Depois vem o alvor, coisas tão belas
De noite e ao vir o dia e o seu clarão *
Custódio Montes
24.10.2021 ***
14 *
"De noite e ao vir o dia e o seu clarão"
Que inundará de luz o nosso sono
Para afastar, num sopro, o abandono
Da nossa adormecida solidão, *
O dia, azul na sua imensidão,
Traz-nos o Sol no alto do seu trono
Que incita a Vida à base de carbono
A recriar-se em espanto e dimensão... *
Ah, tudo em nós renasce ou se renova
E a cada instante a Vida é posta à prova,
Primeiro o choro, logo uma alegria, *
E enquanto isto constacto e deixo expresso
No ciclo inacabado a que regresso,
"A noite foi passando e chega o DIA" *
Maria João Brito de Sousa - 24.10.2021 - 10.50h ***
publicado às 12:07
Maria João Brito de Sousa
NÃO SEI *
Coroa de Sonetos *
Custódio Montes, Maria João Brito de Sousa e Helena Teresa Ruas Reis ***
1. * Não sei o que fazer…. o que farei ?
Divago lentamente ao som da avena
Escrevo o que sair da minha pena
E aquilo que escrever logo verei *
Avanço linha a linha mas não sei
Se a peça que vier, trazida à cena
Será grande essa obra ou pequena
Para me envergonhar perante a grei *
Não sei não sei não sei…vou escrever
E tu leitor amigo vais dizer
Depois de ver e ler com atenção *
Se merece um aplauso este poema
Se só merece encomio pelo tema
Ou se nem vale dar opinião *
Custódio Montes
27.6.2021 ***
2. *
"Ou se nem vale dar opinião",
Pergunta-me o poeta companheiro
Do verso que criado a tempo inteiro,
Traz no celeiro do seu coração. *
E está pronto a glosar, que em profusão
Se vai multiplicando, bem ligeiro,
Épico às vezes, noutras mais brejeiro,
Mas jamais sem sentido e nunca em vão! *
Não sente o tal "bichinho-carpinteiro"
Que sempre exige um verso e, feiticeiro,
Faz renascer o espanto e a paixão? *
Estou certa de que o sente vir, certeiro,
Pedir verso que nasça do primeiro
E outro e mais outro... até à exaustão! *
Maria João Brito de Sousa - 27.06.2021- 13.42h ***
3. *
"E outro e mais outro... Até à exaustão!"
Porém, a exaustão não chega aqui.
Se há um que mal vê ou dói-lhe a mão,
Há outro que aparece qual escanção... *
E saboreia assim o melhor bago,
Depois de já maduro para o dente.
Poeta só degusta, num afago,
Palavras que se escapam do que sente. *
Na mesa de um café pus-me a teclar
Sorvi o dito cujo sem dar conta
Mas sei que o que paguei foi pouca monta. *
Antes que uma razão me possa achar
Agora, sem rever o que escrevi,
Receio ver-me já sair daqui. *
Helena Teresa Ruas Reis - 15.20h ***
4. *
“Receio ver-me já sair daqui”
Não fuja amiga Ruas que é bem-vinda
Porque se eu não sabia bem ainda
O que ia escrever, agora vi *
Porque este belo encontro tido aqui
É conjugar poesia bela e linda
E pôr os três autores na berlinda
E nela aqui estou, já a senti *
Poema é mesmo assim, como cereja
Seguindo-se um ao outro em peleja
Combate sim mas só de amizade *
Discute-se a palavra com certeza
Mas sendo alinhada com beleza
Com graça e também simplicidade *
Custódio Montes
27.6.2021 ***
5. *
"Com graça e também simplicidade"
Não faltando o tempero do talento,
Os versos voam mais que o próprio vento
Que hoje açoita os telhados da cidade. *
Em cada verso, um gesto de amizade
Vem galgar a distância, sempre atento,
Não vá algum de vós perder alento,
Ou eu, a habitual temeridade... *
Um verso chama o outro que, ao ouvi-lo,
Corre para o soneto e faz aquilo
Que um verso melhor faz, quando liberto; *
Se achar lugar no peito de um irmão,
Logo o abraçará num gesto são
Deixando, para os mais, um espaço aberto. *
Maria João Brito de Sousa - 27.06.2021 - 19.05h ***
6. *
“Deixando, para os mais, um espaço aberto”
Onde o talento possa prorromper
Sem nunca se cansar ou se perder,
Mesmo tendo passado pelo deserto. *
Que há mãos e pensares na amizade
Para te retirar à inacção,
Levando a construir, na emoção,
Por laços fraternais e de vontade.
*
Um verso atento a outro e a outros chama.
A muda e calma voz que assim proclama
Só ouves no bater do coração…
*
Sonoro, dentro em ti porque palpita,
É vida, e se procria, Deus permita
Que seja sempre eterna a criação.
*
Helena Teresa Ruas Reis - 27/06/2021 ***
7. *
“Que seja sempre eterna criação”
E há-de ser pois nele há liberdade
E diz o que quiser e à vontade
Pois não tem o poema um travão *
Diz o que quer e sempre com razão
Imagina e descreve a realidade
Escreve sobre o campo e a cidade
E cria um mundo novo em construção *
E a gente lê o texto que se cria
Todo o seu conteúdo e fantasia
E acha graça e fica-se contente *
E nesta criação e a inovar
O mundo ganha forma e outro andar
Com isso ganha muito toda a gente *
Custódio Montes
27.6.2921 ***
8. *
"Com isso ganha muito toda a gente"
Porquanto esta arte a todos nos eleva
E não será apenas a quem escreva,
Pois quem o ler alegra-se igualmente *
E aprende a sentir... pois quem não sente
Aquilo que um poema a ninguém nega?
Ah, todos nós sentimos esta entrega
Que o verso faz brotar, como semente. *
Assim se multiplica a poesia
Como se uma infindável sinfonia
Fosse, de geração em geração, *
Galvanizando toda a humanidade;
Reparem bem no verso que se evade,
Que voa e vem pousar nesta canção! *
Maria João Brito de Sousa - 27.06.2021 - 22.07h ***
9. *
“Que voa e vem pousar nesta canção”
Qual pássaro nos ramos do arvoredo,
Que esconde, no seu ninho, mais segredo
Que aquele que fez esta construção.
*
E as penas pequeninas a forrá-lo
De conforto e de amor bem maternal,
A terra feita em barro filial
Como argamassa forte a preservá-lo,
*
Nada são, comparand’ à fantasia
Que surge como nova melodia
Nas palavras que irrompem em registo.
*
Ficará sempre mais do que se escreve
Do que a frase ou o verso quase breve,
Riscos, rimas saídas de um rabisco.
*
Helena Teresa Ruas Reis - 28/06/2021 *** 10. *
“Riscos, rimas saídas de um rabisco”
Mas feito com a arte e a mestria
De quem olhando as coisas vê e cria
Como construção feita em obelisco *
Palavra ornamentada posta em disco
Canção que integrada em sinfonia
Enche e engrandece a alma de alegria
E sabe tão bem como um petisco *
Poemas que umas vezes divertidos
São outras bem mais sérios e sentidos
Com arte com destreza com glamor *
Tem tudo a poesia é ingente
Tem graça, sentimento anima a gente
E é também ternura paz e amor *
Custódio Montes
28.6.2021 ***
11. *
"E é também ternura paz e amor"
Isto que os nossos dedos vão criando
Enquanto os vamos, nós, (des)comandando,
Já que ninguém comanda um verso em flor *
Que voa como o vento e, ao seu sabor,
Pode ser ora forte, ora tão brando
Quanto o que a poesia for ditando
E conseguirmos, nós, depois compor... *
Então, por um momento, o tempo pára
Para dar tempo ao verso que dispara
Como uma flecha rumo ao ponto exacto *
Em que outro verso o espera e, sem saber,
Sabe contudo como o preencher,
Concretizando o que antes fora abstracto. *
Maria João Brito de Sousa - 28.06.2021 - 14.08h ***
12.
*
“Concretizando o que antes fora abstracto”,
Há coisas que a poesia nos ensina
Por vezes, não fosse ela feminina,
Tem um sexto sentido imenso e lato.
*
E vem assim amena, p’la tardinha
Na hora de uma sesta disfarçada
Em sonho bem real, duma assentada,
Trar-te-á a cor-de-rosa numa linha.
*
Tal linha contornada a ponto flor
Borda tudo a seu jeito e com amor
Remata esse bordado à perfeição.
*
Artífices dos bilros, finas rendas,
Desejo de um artista é que aprendas
E que nunca se canse a tua mão!
*
Helena Teresa Ruas Reis - 27/06/2021 *** 13. *
“E que nunca se canse a tua mão”
Mão sem género não só feminina
Masculino o poema e que rima
Da poesia gémeo e seu irmão *
Macho e fêmea a mesma condição
O poeta é assim que nos ensina
E não temos que sair dessa doutrina
Que une e agiganta o coração *
Mas mais “não sei” agora o que dizer
O pensamento está-me a esmorecer
E vou deixar que outrem esclareça *
Talvez eu já não veja ao redor
E quem venha a seguir veja melhor
Dando a opinião que lhe pareça *
Custódio Montes
28.6.2021 ***
14. *
"Dando a opinião que lhe pareça"
Mais própria deste tema e do momento,
Chega o próximo verso muito atento
(que um verso sempre cumpre uma promessa!) *
Isto vos comunica e vos confessa
O verso - ora em sorriso, ora em lamento -
Que ainda que fervilhe em sentimento,
É fiel à harmonia que professa. *
E agora que está quase a terminar
O soneto que assim o fez cantar
Bem mais alto e melhor do que eu sonhei, *
Não pára o verso de me pressionar
E a cada instante vem-me perguntar;
"Não sei o que fazer... o que farei?" *
Maria João Brito de Sousa - 28.06.2021 - 18.42h ***
(Reservados os Direitos de Autor)
publicado às 08:52
Maria João Brito de Sousa
SEM ÁGUA * Coroa de Sonetos * Custódio Montes e Maria João Brito de Sousa ***
1. * Sem água não há vida não há nada
Água pura de rio a correr
De fonte cristalina a nascer
Da serra altaneira iluminada *
Freáticos lençóis de água filtrada
Reserva de nascentes e do ser
Que dessenta quem nelas vai beber
Irriga o campo e a horta cultivada *
Ri-se a flor com as chuvas a cair
A papoila regada e a florir
No jardim anda a abelha divertida *
Os rapazes no lago a brincar
A gente na cozinha a cozinhar
Água pura ….sem ela não há vida *
Custódio Montes
15.6.2021 ***
2. *
"Água pura... sem ela não há vida"
Sobre o planeta azul em que nascemos;
Barcos tristes sem velas e sem remos,
Nem porto de chegada ou de partida, *
São tão inúteis quanto a despedida
De algo que nunca vimos nem tivemos...
Nós que existimos, dessa água viemos,
Sopa primordial, berço e guarida *
Daquilo que antes fomos, sem sabê-lo;
Qualquer pocinha d`água era um castelo
Prós nossos diminutos ancestrais *
E aí fomos crescendo, evoluindo,
Multiplicando enquanto dividindo
Esse líquido, informe e velho cais. *
Maria João Brito de Sousa - 15.06.2021 - 14.36h ***
3. *
“Esse líquido, informe e velho cais”
Que bom querida amiga em responder
Assim podemos nós desenvolver
O tema e falarmos muito mais *
A água não faz mal aos animais
Que, mesmo impura, podem-na beber
O homem não que para o fazer
Só pura sem resíduos fecais *
Mas esta nossa gente do governo
Vai buscar argumentos ao inferno
Para poluir a água que nós temos *
Em nome de negócios de milhões
Prejudicando a gente e regiões
E sem água nós não sobrevivemos *
Custódio Montes
15.6.2021 ***
4. *
"E sem água nós não sobrevivemos"
Por mais que um dia ou dois, é bem sabido,
Mas o imperialismo empedernido
Pouco se importa desde que paguemos *
Cada gotinha de água que bebemos
Antes de sede termos nós morrido...
Mas isto não fará qualquer sentido
Para quem não veja aquilo que nós vemos *
Nem vislumbre o fascismo a renascer
Gritando por justiça pra esconder
A crueza que move os seus sequazes *
E há lobos que de ovelhas mascarados
Juram vir defender os desgraçados
Que esmagarão depois como a torcases. *
Maria João Brito de Sousa - 15.06.2021 - 20.42h
***
5. *
“Que esmagarão depois como a torcazes.”
E dizem defender a nossa terra
Mas só produzem mal e causam guerra
Ocultos através de capatazes *
Fazem-no lentamente só por fases
Mentindo no valor que o chão encerra
Esventram-nos as águas e a serra
Com loa mentirosa e lindas frases *
Na minha terra há água nas barragens
Freáticos lencóis lindas paisagens
Campos verdes giestas a florir *
Em vez de primavera é o inverno
Que augura para aqui este governo
Com lamas para a água poluir *
Custódio Montes *
15.6.2021 *
6. * "Com lamas para a água poluir"
E as eternas prebendas à mistura,
Em vez de termos água fresca e pura,
Vemos marés de espuma a confluir *
Num rio que ninguém pode garantir
Ser benesse presente... nem futura!
Ah, pobre rio coberto da loucura
De quem nunca hesitou em destruir *
O que ao povo pertence por direito
E, desprezando as águas do teu leito,
Te enlameia, conspurca e abandona *
Como se foras coisa descartável...
E tu que todo foste água potável
Trazes agora espuma e lodo à tona. *
Maria João Brito de Sousa - 16.06.2921 - 09.05h *** 7. *
“Trazes agora espuma e lodo à tona”
E os caciques em grupo a conversar
Com esses maiorais a escavar
As fontes e à volta dessa zona *
Sem juízo sem tino e sem mona
Só pensam no seu bolso acumular
Aquilo que é do povo e a tirar
O que é da natureza, sua dona *
Há já guerras por água disputadas
Não se bebem as águas salgadas
Evaporam-se e vão para a natura *
Cai no solo e depura-se ao chover
E ninguém deve andar a desfazer
Este modo de termos água pura *
Custódio Montes
16.6.2021 ***
8. *
"Este modo de termos água pura"
Cuja viab`lidade é garantida,
Deve ser respeitado para a vida
Porque é vida, afinal, o que assegura, *
Mas quando a própria chuva se satura
De enxofres e de azotos, poluída,
Decerto há que encontrar uma saída
Ou essa mesma vida pouco dura... *
Sem água não há vida, é ponto assente,
E o que é essencial a toda a gente
Tem de, por todos, ser salvaguardado. *
Poupá-la é importante, mas não basta
E sendo um bem que toda gente gasta,
Justo é que a todos seja assegurado. *
Maria João Brito de Sousa - 16.06.2021 - 18.20h ***
9. *
“Justo é que a todos seja assegurado”
Não se deve ceder à economia
A pureza da água na sangria
De ver o monte inteiro esburacado *
Com tiros e veneno infiltrado
E não termos a água dia a dia
A correr como a gente dantes via
Com o cheiro e sabor purificado *
O homem deve ser um zelador
Do bem comum, do ar exterior
Da água e dos bens que se consomem *
Nós somos passageiros nesta vida
Nossos actos que dêem guarida
Ao futuro do bem de todo o homem *
Custódio Montes
16.6.2021 ***
10. *
"Ao futuro do bem de todo o homem"
Deve esse mesmo Homem estar atento
E deve garantir quanto é sustento
Da pureza da água que consomem *
Antes que outros int`resses a transformem
Num bem que em vez de puro é virulento
E acabe o pobre por morrer sedento
Das águas que eram suas mas se somem *
Nas mãos da meia dúzia que as controlam;
Neste mundo há cobiças que desolam
E contra as quais teremos de lutar. *
Quem poderá ficar indiferente
A esta distorção do meio ambiente
Sem mesmo erguer um dedo pró salvar? *
Maria João Brito de Sousa - 17.06.2021 - 09.30h ***
11. *
“Sem mesmo erguer um dedo pró salvar”
Ministros há que não deviam ser
Eles sem mais ninguém a escolher
O que em cada local ir minerar *
Deviam os peritos consultar
O modo, as pessoas, o viver
E o maior cuidado também ter
Com a água e não a conspurcar *
Potável pouca existe pelos canos
E a salgada vem dos oceanos
Com tantos barcos lá a ir e vir *
Ora a pouca que temos que é potável
Devia resguardá-la o responsável
E não a conspurcar e poluir *
Custódio Montes
17.6.2021 ***
12. *
"E não a conspurcar e poluir",
Nem deixá-la à mercê dos insensatos
Peritos nos maiores dos desacatos
Que já vieram e que estão por vir... *
Da responsab`lidade, não fugir
Tal como dos naufrágios fogem ratos,
Ter a coragem de enfrentar os factos
E a capacidade de assumir *
A gestão desse bem essencial
Que a todos cabe e deve, por igual,
Por cada um de nós ser partilhada. *
Sim, há que defender a natureza
Dessa insensata predação burguesa
Que a tenta reduzir a... tudo e nada! *
Maria João Brito de Sousa - 17.06.2021 - 11.37h ***
13. *
“Que a tenta reduzir a tudo e nada”
E, claro, aproveitar-se do minério
Por modo esquisito e não sério
Com gente pelos media enganada *
Com o monte a a serra profanada
A céu aberto la vai o desidério
Por culpa do governo e ministério
Com a água, que é vida, conspurcada *
Lutemos com a força que pudermos
Por forma a impedir que nestes termos
Se poluam as fontes e os ribeiros *
A água deve andar no coração
Assim de geração em geração
Porque é nossa e também é dos herdeiros *
Custódio Montes
17.6.2021 ***
14. *
"Porque é nossa e também é dos herdeiros"
Daquilo que nós fomos construindo,
Deve essa água ser recurso infindo
Que se renova em ciclos de aguaceiros. *
Se os prepotentes, como arruaceiros,
Tentarem subverter o que é tão lindo,
Saibamos nós mostrar não ser bem-vindo
O disfarce que envergam, de "aguadeiros", *
Para esconder a pura realidade
Que os torna geradores de insanidade
E predadores furtivos na caçada *
Que roubam, que conspurcam, que nos mentem...
Mas por mais falsidades que eles inventem,
"Sem água não há vida não há nada"! *
Maria João Brito de Sousa - 17.06.2021 - 13.25h ***
*
RESERVADOS OS DIREITOS DE AUTOR
publicado às 13:52
Maria João Brito de Sousa
TELA * Coroa de Sonetos *
Maria João Brito de Sousa e Laurinda Rodrigues ***
1. *
"Chama que a cada gesto espelha a alma"
Ou mesmo alma que em chamas se acendeu,
Assim seremos nós, pintor e eu,
Que em tal labor ninguém nos leva a palma *
Numa exacerbação que nos acalma
Porquanto ao paradoxo se rendeu,
Nada se perde quando se aprendeu
A tudo ver, mesmo sem ver vivalma... *
Pintei ideias que de mim nasciam
E é dessa mesma forma que hoje escrevo;
Não sei se via além do que outros viam, *
Nem sei se digo mais do que o que devo...
Não vendo o que os meus olhos prometiam,
A pouco, ou nada mais, hoje me atrevo. *
Maria João Brito de Sousa - 01.06.2021 - 15.40h
*
Soneto criado a partir do verso final do soneto PALETA de Gil Saraiva.
***
2. * "A pouco, ou nada mais, hoje me atrevo"
não sabendo se existe um amanhã...
Mas é aqui e agora que me enlevo
jogando ao claro-escuro com afã. *
Pinturas ou palavras, as que levo
em vibrações da minha mente sã,
são as pétalas de uma flor de trevo
que desflorei numa atitude vã... *
Procurava a resposta: "muito ou pouco"
que faz da minha vida um mundo louco
que nem eu sei porque caminho assim... *
Badaladas de sinos, som já oco
que repõe a música do ronco
que a minha voz ecoa sem ter fim. *
Laurinda Rodrigues ***
3. *
"Que a minha voz ecoa sem ter fim"
Por vales e montanhas sem começo
E sendo exactamente o que pareço,
Sou quem regula a chama acesa em mim, *
Grata, talvez, por ter nascido assim,
Mas menos grata quando pago o preço
De cada queimadura que não peço
Aos deuses que expulsei do meu jardim. *
Do muito, passo ao pouco... ao quase nada...
De quase nada, muito e pouco faço;
Se me desgraço, torno-me engraçada *
E se amorosamente aqui te abraço,
Podes sentir-te, ou não, tão enredada
Quanto as fiadas em que me embaraço... *
Maria João Brito de Sousa - 03.06.2021 - 17.14h ***
4. *
"Quanto as fiadas em que me embaraço"
eu quero partilhar os fios desse novelo
e seja só em verso que há o abraço
sinto o deslumbramento de tecê-lo. *
E pondo mais enredo nesse elo
que é apenas da história mais um passo
vai soneto mutar romance e, ao lê-lo,
percebe-se que é tudo tempo e espaço. *
Sofridas - não doridas - mas libertas
de escolher estar fechadas ou abertas
num mundo que nos lê ou nos ignora, *
Glorifico as paisagens, já desertas
de medos e lamentos, como alertas
de quem caminha em frente enquanto chora. *
Laurinda Rodrigues ***
5. *
"De quem caminha em frente enquanto chora"
Deixando atrás de si um mar de sal,
Vejo, longínquo, o vulto no final
Da estrada em que o seu choro se demora. *
Olhando um mar que é céu naquela hora,
Esboço num breve impulso gestual
O voejar modesto de um pardal
E o de uma exuberante ave canora. *
Junto a uma paleta, a minha a tela
Jaz, por falta de espaço, à beira tempo
E já não vivo eu no mundo dela *
Que é outro o universo em que me invento;
Mudou-se-me esta casa em caravela
E em leme esta cadeira em que me sento. *
Maria João Brito de Sousa - 04.06.2021 - 10.04h ***
6. *
"E em leme esta cadeira em que me sento"
onde flutua a minha inspiração
navegando naquele rio que invento
para, de vez, curar meu coração. *
Gritar bem alto como grita o vento
os temas da alegria e da paixão...
Sendo mais uma a sofrer tormento
acabando os tormentos sem razão. *
Se estou febril, a febre é o sinal
de que todo o meu Ser percorre o mal
de uma humanidade em insanidade... *
Somos a fruta da estação estival
que pode apodrecer sendo real
o sabor de uma luta pela verdade. *
Laurinda Rodrigues ***
7. *
"O sabor de uma luta pela verdade"
É doce como o mel mas de repente
A ssume uma acidez quase adstringente
Que surpreende pela intensidade *
Mas mais nos alimenta essa vontade
De encontrar a verdade em quem nos mente...
Amadurece o fruto inda recente
Da nossa muito humana identidade, *
Veste-se a tela nua à nossa frente
De quanto houver de criatividade
- porque essa nunca morre, é ponto assente - *
E, enfim, se entende a transitoriedade
Daquilo que se pensa e que se sente,
Quando se sente e pensa em liberdade. *
Maria João Brito de Sousa - 04.06.2021 - 12.21h
***
8.
"Quando se sente e pensa em liberdade"
cresce o deslumbramento de existir
de ter nascido Gente de verdade
e não ter de lutar para fugir. *
Porque ter de fugir cria ansiedade
que destrói aquele sonho de partir
p'lo prazer de encontrar noutra cidade
apenas um lugar para divertir. *
Fomos tão nacionais pela raiz
reconhecendo em nós essa matriz
de descobrir, sem ser um navegante... *
E olhamos este mar que apenas diz:
já nada corresponde aquilo que quis!
Estou presa de mim mesma a cada instante. *
Laurinda Rodrigues *** 9. *
"Estou presa de mim mesma a cada instante"
Em que tentar deixar de ser quem sou,
Que a liberdade só me conquistou
Por ser rebelde, utópica e distante... *
De mim, serei eterna navegante
Porque o tempo das fugas já passou;
Mal esta minha tela naufragou
Passei a navegar no verso errante. *
No verso sempre encontro o que procuro
E mais que o que procuro encontrarei
Assim que colha um fruto mais maduro *
Dentre os que ainda agora semeei;
Onde cada colheita for futuro,
Há-de haver espaço para o que eu criei. *
Maria João Brito de Sousa - 05.06.2021 - 20.37h
***
10. *
"Há-de haver espaço para o que eu criei"
pois espaço é relação de mim com alguém...
O tempo não existe: eu o sonhei
sempre presente, agora, aqui e além. *
Vivo comigo, sabendo aquilo que sei.
Quem me visita só virá por bem
alertando para um mundo que deixei
ficar lá fora, a rodar num trem, *
Onde já não viajo há muitos anos
porque viajam nele os muito insanos
que usam os milhões por vestimenta, *
escondendo, no porão, os muitos danos
que são esquecidos, depois de muitos anos
sem ninguém lhes ter dado reprimenda. *
Laurinda Rodrigues ***
11. * "Sem ninguém lhes ter dado reprimenda"
Vivem os amos/servos da riqueza
Vestindo a "caridade" e a "nobreza"
Que num vídeo viral põem à venda *
E assim prosseguem nessa sua senda
De conquistar as graças da pobreza;
Mentiras são anzóis cuja agudeza
Escapa a quem de vileza pouco entenda... *
Assim tornei concreta a tela abstracta;
Mais pincelada, menos pincelada,
Nesta estância da tela se delata *
A grande, a gigantesca mascarada
Em que o capitalismo se retrata;
Todos o servem e nem dão por nada! *
Maria João Brito de Sousa - 06.06.2021 - 11.21h
***
12.
"Todos o servem e não dão por nada"
porque, no seu inconsciente cultural,
resguardam o segredo da montada
num cavalo feito em pérolas e cristal *
Expõem-se então à fúria da nortada
que os submete ao medo de animal
simbolizando o grande camarada
que veio salvá-los da desgraça e mal. *
Esqueceram que são a trilogia
que podem alcançar no dia-a-dia
sem ter de denegar a sua crença... *
Será esse o motivo da poesia
quando deixa de lado a alegoria
que não é sua a voz que a si pertença. *
Laurinda Rodrigues ***
13. *
"Que não é sua a voz que a si pertença"...
Mas agora é só minha a decisão;
Camaradas não são o "grande irmão"
E a minha ideologia não é crença *
Que me assegure privilégio ou tença...
Trago-a na mente e diz-me o coração
Que ao nascer filha da revolução
Me compete cantá-la até que vença *
E, vez por outra, a minha branca tela
Pode encher-se dos traços realistas
De quem morreu lutando, não por ela, *
Mas pelos objectivos humanistas
Cuja memória, morta numa cela,
Ainda me sussurra; "Não desistas!" *
Maria João Brito de Sousa - 07.06.2021 - 12.04h ***
14. *
"Ainda me sussurra: "Não desistas"
porque tudo na vida é transição
e mesmo o mais fatal nos mostra pistas
p'ro reencontro com o nosso coração. *
Ouço falar em histórias de revistas
cheias de sentimentos e emoção...
São, afinal, desfiles em que vistas
o melhor para mostrar à multidão. *
Somos trapos caídos a um canto
onde não chega o riso, nem o pranto,
que dê o privilégio de ter calma? *
Aos chutos, pontapés do desencanto
acendemos o fogo como um manto,
"chama que, a cada gesto, espelha a alma". *
Laurinda Rodrigues ***
(Reservados os direitos autorais)
publicado às 10:20
Maria João Brito de Sousa
ACRÓSTICOS A FLORBELA ESPANCA *
Primeiro poema gentilmente cedido pelo seu autor, o poeta José Manuel Cabrita Neves. *
ACRÓSTICO *
Fui a tristeza, a mágoa, a solidão! Longe da felicidade e da alegria, Ostentei um caminho que sabia, Reverso e controverso de paixão… * Bebendo silenciosa a nostalgia, Enquanto eu era toda adoração, Lia nalguns olhares condenação, A esse amor tão puro que sentia… * Errei pois por amar quem não devia, Seguindo a terna voz do coração, Peregrina fiel duma ilusão, Alimentando a cega idolatria… *
Não creio haver sequer comparação, Com esta minha entrega doentia, Ao dedicar-me inteira ao próprio irmão!... * José Manuel Cabrita Neves *
ACRÓSTICO- RESPOSTA *
Fui, sim, tristeza e mágoa e solidão, Lamento de insondável nostalgia Ornato de candura e poesia, Remate de perfeita (in)confecção *
Bordado a ponto-cruz sobre aflição, Errando, ou não, - conforme a disforia... -, Louca, talvez, pois muito bem sabia A que conduziria tal paixão... *
Estou livre, no entanto - quem diria? - Singrando uma outra estranha imensidão, Passando, sem passar de mão em mão, Adivinhando, agora, o que antes qu`ria *
Não posso responder-te - ó decepção! -, Cuidando, embora, que te respondia... Ah, que te importa? Nunca amaste em vão? *
Maria João Brito de Sousa - 09.02.2016 - 17.21h * Reservados os direitos autorais ***
publicado às 10:38
Maria João Brito de Sousa
VIAGEM *
COROA DE SONETOS
*
Laurinda Rodrigues e Maria João Brito de Sousa
* 1 *
Desço ao fundo de mim, ao inconsciente onde dormem vivências esquecidas. Sei que naquilo que sou já fui diferente e que hei-de ser diferente noutras vidas. *
Sou toda um Uni-verso entrelaçado de peças materiais que vão expandindo. Fico parada a olhar o céu alado, sentindo uma pulsão que está abrindo. *
Meu outro Ser perdurará na luz que me envolveu na terra feita em cruz que não pode fugir ao seu destino... *
Mas é aqui e agora que me afirmo: mesmo que o corpo caia no abismo a alma cantará, convosco, um Hino. *
Laurinda Rodrigues *
2 *
"A alma cantará, convosco, um hino"
Até depois da vida anoitecer
Enquanto se souber que fui menino,
Enquanto alguém lembrar que fui mulher *
Na memória persiste o tal destino
Que bem longo será se alguém me ler;
Assim o vejo há muito, assim defino
Viagem, vida e espanto de viver. *
De mim, da minha própria identidade,
Terá sobrado o verso que se evade
À decomposição inexorável *
Do que foi o meu corpo passageiro;
Cigarro aceso à beira de um cinzeiro
De porcelana breve e descartável. *
Maria João Brito de Sousa - 19.10.2020 - 13.43h
*
3 *
"De porcelana breve e descartável"
ouço cair estilhaços pelo chão
e um riso perverso insaciável
atravessou o espaço da Razão. *
Talvez seja o diabo em sintonia
com a nossa condição de ser mortais
ele é sempre julgado à revelia
no tribunal dos loucos amorais. *
Mas não se iludam! Esse demo existe
bem no fundo de nós, onde persiste
uma história de erros, frustrações... *
Afinal, a loucura pouco importa
se é, com ela, que o poeta exorta
o mundo turbulento das paixões. *
Laurinda Rodrigues *
4 *
"O mundo turbulento das paixões"
Faz do Olimpo um nada, uma sequela;
No palco dos heróis e dos vilões
Desta realidade paralela *
Há gigantes que fogem dos anões
E a Fera é perseguida pela Bela
Enquanto os anjos brincam com dragões
E a bruxa se transmuta em Cinderela. *
No mais fundo de mim, se o demo existe,
Procuro descobrir-lhe o vulto triste
Mas não lhe encontro rasto e nem o faro *
Me dá qualquer sinal de outra presença
Que de mim mesma não seja pertença;
Será a sua ausência um caso raro? *
Maria João Brito de Sousa - 19.11.2020 - 16.22 h *
5 *
"Será a sua ausência um caso raro?"
ou o transporte ao Olimpo é de avião
e não viu lá de cima o exemplo claro
da luta do gigante com o anão? *
É preciso esperar pousar na pista
sem muita turbulência na aterragem
para que o piloto hábil lhe resista
sem medo de entrar em derrapagem. *
Porque isto de emoções tão reprimidas
que fogem ao arbítrio do Rei Midas
na decisão de ser um demo ou anjo *
é, mesmo, o velho tema do destino
(porque nasceu mulher e não menino)
porque toca piano em vez de banjo? *
Laurinda Rodrigues *
6 *
"Porque toca piano em vez de banjo"
Quem no trompete ou na guitarra é ás?
Quem lhe imporá tamanho desarranjo
Ao afastá-lo do que mais lhe apraz? *
Nestas perguntas, mais tempo não esbanjo;
Não quero incomodar, sendo tenaz,
Quem disto saiba mais que quanto abranjo
E, em coisas destas, nunca fui sagaz... *
Às emoções, porém, nunca reprimo
Que a toda a hora as rondo, sondo e esgrimo
Com grande habilidade e destemor *
E aos temas nunca escolho. O meu escolhido
É sempre um som que aflora ao meu ouvido
E me enfeitiça e se me sabe impor. *
Maria João Brito de Sousa - 20.11.2020 - 11.18h
* 7
"E me enfeitiça e se me sabe impor"
como uma vaga que cresce sem aviso
alerta o marinheiro para compor
o sentido que o leva ao paraíso... *
Ele não está preparado mas aceita
deixar a onda desfazer na praia...
Não tem sabedoria nem receita:
o instrumento toca aquilo que ensaia. *
Mas não esqueceu o tema desta vida:
"em frente camarada" destemida!
não há razão que te perturbe o Ser. *
Músico ou poeta ou marinheiro
o canto das estrelas cabe inteiro
na mutação que vai acontecer. *
Laurinda Rodrigues *
8 *
"Na mutação que vai acontecer"
E vai acontecendo a cada instante
Do que a mãe-tecelã está a tecer
No seu velho tear desconcertante. *
Decerto nos irá surpreender
A criatividade galopante
Que esse velho tear demonstra ter
Na sua actividade que é constante. *
Viaja a tecelã no fio que fia
E viajamos nós em sintonia
Com trama fiada e por fiar, *
Que é porfiando que tudo se cria
E a trama é tal qual uma melodia
Quer nasça de um piano ou de um tear. *
Maria João Brito de Sousa - 20.11.2020 - 15.02h
* 9 *
"Quer nasça de um piano ou de um tear",
a mão, que tece, é sempre a mão que cria,
na inspiração do eterno respirar
de uma alma tremendo em fantasia. *
Fantasia de fada ou de duende,
de uma ave canora ou imitação...
Aquele, que comunica, fogo acende
seja de amor sublime ou perversão. *
Não é ardil nem sonho camuflado
de palavras subtis de um Ego inflado
pela competição de seus iguais... *
O papagaio repete aquilo que ouviu
mas, se for transcendente, conseguiu
despertar o segredo dos mortais. *
Laurinda Rodrigues *
10 *
"Despertar o segredo dos mortais"
É dar-lhes um lugar nesta viagem
Na qual sempre há lugar pra muitos mais,
Ainda que alguns pensem ser miragem *
Viajar-se nas lonjuras dos murais,
Nunca tentando agir como outros agem,
Perdendo o Norte aos pontos cardeais
E levando a Garcia outra mensagem. *
O guia é sempre um ponto de partida
E nem sempre a viagem concebida
Naufraga em perfeição, tendo sucesso. *
O que importa é cantar, que um hino à vida
Vem de uma voz que é tanto mais ouvida
Quão mais se perca durante o processo. *
Maria João Brito de Sousa - 21.11.2020 - 13.51h
*
11. *
"Quão mais se perca durante o (seu) processo"
em conexão com outros peregrinos
que atravessam o mar do insucesso
por nunca recusarem seus destinos, *
será uma montanha de ilusões
ascendendo no ar, quando nascer,
mas, quando o sol se esconde nos porões,
vai deitar-se na proa para morrer. *
Reavalia, então, o ofuscamento
que fez da sua vida esse tormento
de tanto querer e ter como pessoa *
E vê pontos de luz que vão chegando
à sua consciência, decifrando
o mal que tanto fez e não perdoa. *
Laurinda Rodrigues *
12 *
"O mal que tanto fez e não perdoa",
Porque não nasce, o mal, pra perdoar,
Mas pr`aumentar a dor do que já doa
Mesmo antes desse mal se anunciar. *
Mal fica quem viaja e fica à toa,
Mas pior ficará quem nunca ousar
Seguir o tal tal apelo que destoa
Do que é tido por norma ou por vulgar. *
Só não se atreve quem de si não gosta
Ou quem é surdo e cego e tudo aposta
Numa rota alheada e comedida; *
Esse, que à tempestade sempre arrosta,
Pode - quem sabe? - nem chegar à costa,
Mas até no naufrágio encontra vida. *
Maria João Brito de Sousa - 21.11.2020 - 15.53h *
13 *
"Mas até no naufrágio encontra vida"
escolhendo livremente naufragar
sem nunca desejar contrapartida
por ter salvo outro ser de se afogar. *
Com humildade, enfrenta a turbulência
desse vento feroz, que não esperava
destruísse o sentido da existência
a quem só na matéria acreditava. *
E aporta o barco no porto criador
escondendo na rocha a sua dor
pela dor de outro Eu sobrevivente. *
E, apelando à coragem e à união,
deixa no mar os restos da ilusão
que possa a humanidade ser diferente. *
Laurinda Rodrigues *
14 *
"Que possa a humanidade ser diferente",
Mais justa, igualitária, equilibrada
Do que a que hoje se curva ao prepotente
E que despreza quem já não tem nada. *
Mas há que navegar, seguir em frente,
Fazer um esforço, dar outra braçada...
Enquanto um sopro houver, há vida, há gente,
Há a luta, há a esp`rança renovada. *
Homem que navegando naufragaste
Mas que a qualquer destroço te agarraste
Tentando retardar o teu poente, *
Não há eternidade que nos baste;
No breve instante que à morte roubaste
"Desço ao fundo de mim, ao inconsciente". *
Maria João Brito de Sousa - 21.11.2020 - 21.37h
publicado às 11:27
Maria João Brito de Sousa
ARTIMANHA *
Coroa de Sonetos *
Laurinda Rodrigues e Maria João Brito de Sousa *
1 *
O mal faz-se sempre anunciar.
Às vezes, disfarçado, nem se nota.
Poeira venenosa envolve o ar
e um cheiro nauseabundo fica à solta. *
Não há palavras, gestos ou imagens
que emudeçam, na alma, o medo insano
São sendas de pavor como paisagens
que atravessam a terra e o oceano. *
Impõe-se a solidão. Ficarmos presos.
É essa a solução para estar ilesos
de um ataque fortuito que nos espreita... *
Não vale a pena dizer "sim" ou "não":
tudo aquilo que se diz é sempre em vão,
se a confusão lançada é tão perfeita. *
Laurinda Rodrigues *
2 *
"Se a confusão lançada é tão perfeita"
Que aos mais sábios confunde e desatina,
Cremos, então, que o Mal está sempre à espreita
Atrás de cada porta, em cada esquina *
São coisas de que a Manha se aproveita;
Bem sabemos que a Manha, essa ladina,
Se quer fazer passar por insuspeita
E aquilo que prescreve, nunca assina. *
Mas passe a Arte a bem ou passe a mal,
Contorna os riscos e enfrenta o medo
Que a ameaça de forma desleal; *
Abre as janelas de manhã bem cedo
Bebe do Sol a força universal,
Reduz o Mal a peças de brinquedo.
*
Maria João Brito de Sousa - 09.11.2020 - 12.29h
*
3 *
"Reduz o Mal a peças de brinquedo"
mas - cuidado! - que o sol é enganador:
faz de conta que é Pai e mete medo
quando os filhos lhe estragam o fulgor. *
Mas, afinal, o sol é apenas estrela
entre tantas estrelas que há no céu
e, quando esta verdade se revela,
uma outra dimensão aconteceu. *
Juntando as peças, que temos na memória,
vemos que "chefes-sóis" fizeram história
que lhes servem a eles, sem discussão... *
E, usando o globalismo como lema,
garantem, no poder, o seu sistema,
impondo, sem destrinça, esse padrão. *
Laurinda Rodrigues *
4 *
"Impondo, sem destrinça, esse padrão"
Que a Maga-lua acorre a transformar;
Assim que o Sol se rende à escuridão
Impõe-lhe ela o seu manto de luar *
E assim concede ao mundo a sedução
Que o Chefe-sol se nem lembrou de dar,
Quem sabe se por pura distracção,
Se por puro capricho de mandar... *
Amo o Sol e concedo-lhe o perdão
(ou penso que o consigo perdoar...)
Porque me acende a imaginação, *
Porque a todos se entrega sem cobrar,
Porque - confesso! - me enche de paixão
E porque, enfim, assumo; sou solar! *
Maria João Brito de Sousa . *
5. *
"E porque, enfim, assumo; sou solar"
presa na rota do ciclo de estações,
mesmo, sem canto, encanto à luz lunar,
esquecendo que há, na lua, mutações. *
Cresce a lua no céu, depois de prenhe
que o sol, na fase "nova", engravidou,
para correr o "quarto" e se despenhe
na "cheia" exibição que a culminou. *
Podemos ser solares enquanto humanos
mas é como lunares que cultivamos
o caminho perfeito da união... *
Nada no cosmo existe sem sentido
e é o olhar do poeta, destemido,
que faz, da lua e sol, inspiração. *
Laurinda Rodrigues * 6 *
"Que faz, da lua e sol, inspiração"
E que com Arte e Manha lhes dá voz
Porque Arte quer dizer rebelião
E Manha há sempre um pouco em todos nós. *
Rebeldes, inventamos a paixão,
Manhosos, transformamos algo atroz
Num enredo ideal cuja ilusão
Nasce purpúrea da explosão de uns pós...
*
Triangulamos Terra, Sol e Lua,
Num passe de magia. A Arte, nua,
Por um momento veste os nossos mantos *
Para, logo a seguir, mostrar-se crua;
Despindo os astros, muda-se em falua
E faz-se ao Mar, explorando outros encantos. *
Maria João Brito de Sousa - 10.11.2020 - 12.54h
* 7 *
"E faz-se ao Mar, explorando outros encantos"
porque, se a Arte é arte, é a expressão
seja em poesia, dança, sons ou cantos
do tempo, que traduz a mutação. *
E a mutação prevê-se nas estrelas
no para além deste planeta terra,
mesmo que tentem colocar-nos trelas
na desculpa de que Isto é uma guerra. *
Seremos sábios, mas sábios disfarçados
de humildes servidores desnaturados,
que aceitaram nascer para mendigar... *
E, enquanto os Reis solares clamam razão,
os pobres servidores vão dando a mão
prosseguindo a arte e manha de os calar. *
Laurinda Rodrigues *
8 *
"Prosseguindo a arte e manha de os calar"
Sempre que as ordens se tornam brutais,
Semeamos a flor que há-de brotar
Nos prados, nos canteiros, nos quintais *
Da Terra inteira, do céu ou do mar
No qual nadam os peixes e os corais
Proliferam, ainda, sem parar;
Nada, pra si, será longe demais *
Porque a Arte não cuida de barreiras
E há-de passar por todas as fronteiras
Mais forte a cada palmo que conquista. *
Escapar-se-á por fendas e soleiras
Mimetizando as coisas costumeiras;
Ninguém pode impedir que ela subsista! *
Maria João Brito de Sousa - 11.11.2020 - 19.24h *
9 *
"Ninguém pode impedir que ela subsista"
mesmo vendo que a arte é maltratada
e não é com protestos que resista
a tanta confusão já instalada. *
Na solidão imposta, versejamos
criando a ilusão que vale a pena...
Mas se, por mero acaso, fraquejamos
as imagens cruéis voltam à cena. *
Atados ao visor dos aparelhos
que são agora os nossos novos espelhos
retratando o olhar da rendição, *
talvez ainda sobreviva o sonho
de que este pesadelo tão medonho
se transforme num sonho de paixão. *
Laurinda Rodrigues *
10 *
"Se transforme num sonho de paixão"
O que hoje nos parece uma utopia
E a mais que condenada aspiração
De algum idealista em distonia *
E surdo, face a esta distorção,
Ou cego, face a esta pandemia...
É o sonho, contudo, evolução
E a essa nenhum vírus contraria. *
Com Arte e Manha enfim se concretiza
O sonho que ninguém desenraíza
Do ser humano que em si próprio o traz *
E que de quase nada se improvisa
Quando sobre si mesmo profetisa
E acerta, pois de tudo ele é capaz! *
Maria João Brito de Sousa - 11.11.2020 - 22.53h
*
11 *
"E acerta, pois de tudo ele é capaz":
salta barreiras com a mente adormecida
porque, na noite, o sonho dorme em paz
diferente da vigília consentida. *
Das trevas do profundo inconsciente
compõe lembranças do aqui e agora
e, às vezes, quando o corpo está doente
a alma criadora ri e chora. *
A confusão, que alastra, não entrava
que faças com teu sonho a tua lavra
numa terra de fértil energia... *
Não fiques agarrada à voz macabra!
talvez seja o silêncio que nos abra
os sonhos mais proféticos da poesia. *
Laurinda Rodrigues *
12 *
"Os sonhos mais proféticos da poesia"
Nascem-me assim que acordo e fico alerta;
A Manha é pouca, mas a Arte cria
A partir de uma mente bem desperta *
Que a toda a voz macabra repudia,
Nem a ouvindo que outra é descoberta
Nos tons cantantes de uma melodia
Que sobre mundo e vida se concerta. *
É dum sossego desassossegado,
Talvez silêncio de pronto quebrado,
Que o verso nasce e depois se compõe. *
Mas só em força nasce se acordado;
Se dorme, nasce tão desafinado
Que nem percebe ao certo o que propõe. *
Maria João Brito de Sousa - 12.11.2020 - 11.35h
*
13.
"Que nem percebe ao certo o que propõe"
seguindo em linha a voz dos ditadores
que a todos nós a submissão impõe
para, depois, nos tratar como traidores. *
Antigamente três "fs" suportavam
a perda, raiva, medo e frustração;
mas, agora, nem "fs" aguentavam
os espaços vazios da solidão. *
Todos falam. Ninguém percebe nada.
Fazem-se regras apenas para fachada.
Mais tarde se verá quem vai mandar. *
Pobre consolação em grande estilo!
Cantam melhor o galo, o melro, o grilo
que a gente entende, mesmo sem escutar. *
Laurinda Rodrigues *
14 *
"Que a gente entende, mesmo sem escutar"
Porque esses sabem sempre como e quando
E até entendem que comunicar
É bem mais que dar ordens de comando *
Pois também será forma de exaltar
A própria vida que lhes vai pulsando
Nos pequeninos corpos, a vibrar,
Enquanto a Terra inteira vai girando *
E eu, aqui sentada, vou glosando,
Apesar de uma mão me estar sangrando,
Os versos que me deste pra glosar. *
Enquanto alguns de nós vão acordando,
Outros, sem Arte e Manha, vão tombando;
"O Mal faz-se sempre anunciar". *
Maria João Brito de Sousa - 12.11.2020- 15.26h
publicado às 11:55
Maria João Brito de Sousa
GATILHOS ***
COROA DE SONETOS ***
Helena Teresa Ruas Reis e Maria João Brito de Sousa ***
1 *
Não apontes gatilhos para os céus
Que o pássaro que voa é também teu.
Não sabes porque voa, nem sei eu,
Mas deixa-o voar, até ver Deus… *
À mosca pequenina não a mates,
Enxota-a p’la janela com cautela,
Se existe, haverá quem a use a ela.
P’lo incómodo que dá é que lhe bates? *
Humano ou ser-humano, afinal qu’ és?
Bicho racional… por que razão?
Por ter inteligência, coração? *
À natureza julgas a teus pés,
Que só para ti é tudo o que vês!
Cuidar dela tem eco em teus porquês? *
Helena Teresa Ruas Reis - 16/10/2020 ***
2 *
"Cuidar dela tem eco em teus porquês(?)",
Ou tens empedernido o coração
E não sabes amar nem o que vês?
Não saberás, então o que é razão! *
Um sem a outra, ou um de cada vez,
Não saberão cumprir sua função;
Coração sem razão será talvez,
Um ógão que traz malformação... *
Cuidado, nunca apertes um gatilho
Por muito tentador que seja o brilho
Do troféu que do tiro possa vir *
E tem também cuidado c`o rastilho
Não venhas a arranjar algum sarilho;
Quando activada, a bomba irá explodir. *
Maria João Brito de Sousa - 16.10.2020 - 14.47h ***
3 *
“Quando activada a bomba irá explodir”
E o pobre coração, sem ter razão,
Se vê num descompasso, a decair,
Que o peito sem um pleito é já prisão. *
Enferruja o gatilho e se desarma!
Fibrilhação sem fé, desordenada,
Cá dentro despoleta como uma arma
Um rastilho que explode. Fica o nada. *
Que resta da manhã em seu esplendor
Se nada vês, tolhido já de dor
Tu que ias ainda agora tão lançado. *
Mais vale sossegar desse furor,
Sentir que ter cuidado é amor!
Mais vale sossegar bem sossegado. *
Helena Teresa Ruas Reis - 16/10/2020 - 20.24h *
4 *
"Mais vale sossegar bem sossegado"
E amainar um pouco esse alvoroço
De correr como um tonto apaixonado;
- Senhora, bem sabeis que nada posso *
Contra este meu pulsar descompassado,
Que sempre me apaixono como um moço!
- Ah, coração, que ficas destroçado
E que a mim me transformas num destroço! *
- Que hei-de fazer, senhora, se estou vivo
E se da poesia estou cativo
Por mor de um "fogo que arde sem se ver"? 1) *
- Corre então, coração. Não mais te privo
Desse amor que te aperta como um crivo;
És o gatilho que me irá perder!
*
Maria João Brito de Sousa - 16.10.2020 - 21.02 h *
1) Alusão ao soneto "Amor é Fogo que Arde sem se Ver" de Luiz Vaz de Camões. ***
5 *
“És o gatilho que me irá perder”
N’ aquela triste e leda madrugada
Em que, querendo, já não possa ver
Nem decorrer do dia nem noitada. *
Oh, aves do meu voo p’ra viver
Levai-me! Levantai-me dessa estrada!
Lá do alto tudo posso conhecer,
A águia guerreira ou a cigarra. *
Hei-de ver todo o mundo num começo,
À bela natureza que estremeço,
Ao planar com as asas da aventura. *
Se de novo te usar, ó terra, peço:
Que seja eu perdoada, se mereço,
Mas não mais te darei qualquer tortura. *
Helena Teresa Ruas Reis - 17/10/2020 - 10,18 h ***
6 *
"Mas não mais te darei qualquer tortura"
Disseste, engatilhado coração;
Sei bem que essa intenção é franca e pura,
Mas sabes tu fugir duma paixão *
Se és como fruta que não está madura,
Se vais pulsando em louca incontenção,
Se sobre mim exerces ditadura
E, sem razão, me privas da razão? *
Terás o monopólio da loucura?
Serás senhor da tua própria cura,
Ou escravo dessa eterna frustração? *
Gatilho és... e à beira da ruptura
Com o tempo que, assim, pouco te dura;
Não tarda, acabarás na tal explosão! *
Maria João Brito de Sousa - 17.10.2020 - 10.59h
***
7 *
“Não tarda, acabarás na tal explosão”
Bem como esse planeta já cansado.
Inconsequente e pobre coração,
Tu sempre serás meu apaixonado! *
A ciência é vã como ilusão…
Um só impulso vence o mais letrado.
Pensar que estás em mim é perdição,
Pois és somente um músculo alheado. *
Engatilhar-me-ei? Digo que não!
Dei tempo ao tempo, sou nova estação,
Passei calor e o frio mais gelado. *
Em voos, não temi, cruzei trovão,
Contigo padeci, pássaro irmão,
Assim, hoje me sinto renovado. *
Helena Teresa Ruas Reis - 17/10/2020 - 22,09 h ***
8 *
"Assim hoje me sinto renovado"
Mas se não fosse a Ciência reconheço
Que há muito que estaria condenado;
Dela estou dependente e pago o preço * Que um músculo serei mas, se parado,
Tudo pára comigo. E recomeço...
À ciência devo este pulsar descompassado
Menos mau que a paragem que não esqueço. *
E o longo vôo no qual me despeço
Do muito ou pouco que de mim conheço
E do tanto que amei demasiado. *
Mais do que isto não posso, nem mereço;
Nasci, cresci... estou gasto e já cansado
De impulsionar um sangue velho e espesso. *
Maria João Brito de Sousa - 18.10.2020 - 11.08h
***
9 *
“De impulsionar um sangue velho e espesso”,
Das veias entupir com inclemência?
Tudo isso viraria pelo avesso
Se no vício usasse de prudência. *
Terei de dar-lhe um novo recomeço
Ou nem me salvará a providência…
Coragem (!) ou desmaio e desfaleço
À míngua de alento e apetência. *
Como terá um músculo indulgência
Como há-de ‘inda usar de sapiência
Em meio ao sobressalto e ao tropeço? *
Pois digo-lhe: Sou eu, mesmo em demência,
Quem buscará salvá-lo em abrangência.
P’lo lema que adoptei, não desfaleço! *
Helena Teresa Ruas Reis - 18/10/2020 - 17,25 h *** 10 *
"P`lo lema que adoptei, não desfaleço(!)"
Mas engatilha o SAAFs o meu pulsar
Congénito, certeiro e sem apreço
Pelo que eu decidir, ou não, tomar. *
Sou um ser racional e tudo meço
Mas do que em mim trazia ao despontar
Ninguém me perguntou se tal começo
Estaria, ou não, disposta a enfrentar. *
Lá trouxe, engatilhado, este defeito
Que não se manifesta só no peito,
Mas todo o corpo deixa em tal mau estado *
Que só se for tratado com preceito
Vai deixando viver quem está sujeito
Ao defeito que trouxe engatilhado *
Maria João Brito de Sousa - 18.10.2020 - 18.15h
***
11 *
“Ao defeito que trouxe engatilhado”
Sem para tal ser perdido ou ser achado,
Feia a doença e feio o nome dado
Como se fosse fruto de pecado, *
A toda a natureza que se expressa
Com um tiro zangado que arremessa
Ao local onde atinja bem depressa
Aquele alvo, de culpa não confessa, *
Respondo, que não pode interferir
Esse mesmo que irias atingir.
Pode somente, como bem o sabes, *
Fazer-te ter vontade, ultrapassar,
Querer ainda assim retaliar
E será bem possível que te SAAFS… *
Helena Teresa Ruas Reis - 18/10/2020 - 22,30 h *
12 *
"E será bem possível que te SAAFS",
E que, com sorte, vivas uns aninhos
Lucidamente, sem cometer gafes,
Sem que troques os ovos pelos ninhos *
Ainda que, por vezes, tu agrafes
Desalinhadamente uns papelinhos
E que ao lavar dois pratos tu te estafes
Tanto quanto em escalada aos Capelinhos... *
Repara, engatilhado coração,
Que ambos vamos na mesma direcção;
Eu não vivo sem ti e tu, sem mim, *
Não serves pra ninguém. Fosses tu são!
Mas furado e depois cerzido à mão...
Nem para doação serves, assim! *
Maria João Brito de Sousa - 19.10.2020 - 11.28h ***
13 *
“Nem para doação serves, assim!”
E já que és meu, vamos disfrutar.
Se foi pela natureza que aqui vim,
De ti e também dela vou cuidar. *
Perdoa que te estafe só um pouco...
Voando até Paris vou viajar.
Irás à Torre Eiffel quase em sufoco
Nos versos do soneto eu hei-de amar! *
De lá de cima o Mundo. Uma vertigem…
O receio que a tudo nos infringem
Dará visão magnânima da vida. *
Nos versos dirimindo o medo virgem,
Mais alto que montanha as rimas cingem
A força de vontade não contida. *
Helena Teresa Ruas Reis - 20/10/2020 - 10,40 h ***
14 *
"A força de vontade não contida"
Engatilha-me os versos desarmados
E reconduz-me ao longo desta vida
Não sei se inteiro, se feito em bocados *
Que indomado serei. Vendo saída
Não me detenho sobre estes telhados;
Muito mais alto vôo de seguida
E dou comigo em céus não navegados *
Sem bússola, nem leme ou capitão
Que dome esta loucura, esta paixão
De voar inda além dos sonhos meus. *
Humano sendo, esta contradição
Não me impede de impor-te este senão:
"-Não apontes gatilhos para os céus"! *
Maria João Brito de Sousa - 20.10.2020 - 11.20h
publicado às 10:19
Maria João Brito de Sousa
DIZEM QUE MORREU... *
Coroa de Sonetos *
Maria João Brito de Sousa e Helena Teresa Ruas Reis * 1 *
Usado, adulterado, gasto e morto
Está o velho soneto. Dizem, dizem...
Outras mãos haverá que o enraízem
Que as minhas, hoje, pedem-me o conforto *
De uma tarde serena. Olhar absorto,
Peço às horas que passem, que deslizem,
Que, em fraçcões de segundo, mimetizem
A paz da barca que chega a bom porto. *
Desse instante de paz nasce-me um verso
(sei lá quantos segundos já lá vão...)
E agora o que ambiciono é o inverso *
Dessa paz que me vem da reflexão;
Parem, mentiras, de embalar meu berço,
Que o soneto está vivo e forte e são!
*
Maria João Brito de Sousa - 09.10.2020 - 12.10h ***
2 *
“Que o soneto está vivo e forte e são”
A Maria João e outros o digam,
Basta olharmos as flores que germinam
Em quadras e tercetos do seu chão *
Pétalas atiradas por magia
Do caule das palavras que as sustêm
Procurando p’la vida, mal ou bem,
Nos entrançados versos da Poesia. *
Instantes de surpresa, de sucesso
Adornam um jardim assaz composto,
Voraz e criativo à luz de um verso *
Qu’ ao lê-lo um outro surge a nosso rosto
E em rimas nos arrima num progresso
Em bagos madurados, fresco o mosto. *
Helena Teresa Ruas Reis ***
3 *
"Em bagos madurados, fresco o mosto"
Destilando-se o néctar das ideias,
Enreda-me o soneto em suas teias,
Ressurge em graça o formato deposto. *
Soube-me o seu soneto ao sol de Agosto,
Ao sal do mar, às conchas, às areias
Que são beijadas pelas marés cheias
Deste estuário de que tanto gosto! *
Cante o soneto, cante-o como um hino
De revolta ou de amor, que tanto faz;
Ninguém pode mudar o seu destino *
Pois cabe nele o mundo! Em si o traz
Ainda que pareça pequenino,
Mesmo que o julguem velho e incapaz!
*
Maria João Brito de Sousa - 10.10.2020 - 12.25h *** 4 *
“Mesmo que o julguem velho e incapaz”,
Mais insignificante ou alheado
Que pó ou grãos de areia no sobrado
Varridos pelo vento mais voraz *
Trazidos desde o mar pelas palavras
Em espuma que as fustiga, em desatino,
Como se fossem algo clandestino
E não essa poesia que desbravas *
Eu juro em boa-fé que o vou cuidar
Tentando pela Musa segurá-lo,
Assim consiga eu não soçobrar *
Que a onda que mo traz pode levá-lo.
Quando inda muito pouco eu sei nadar
Num pouco só de mim posso afundá-lo…
Helena Teresa Ruas Reis *** 5 *
"Num pouco só de mim posso afundá-lo"
Para num outro nada reerguê-lo,
Renovado, pujante, honesto e belo,
Que pela Terra inteira há que espalhá-lo. *
Paremos um segundo. Este intervalo
Bastará pra gerar novo novelo;
Haverá que fiá-lo e que tecê-lo
Até que ambas voltemos a dobá-lo *
Treze anos vivi para servi-lo,
Mais treze viveria se pudesse
E a razão me deixasse garanti-lo... *
Nasce a vida dum fio que se não tece;
Se algumas são tão longas quanto o Nilo
Outras se acabam mal o fio comece. *
Maria João Brito de Sousa - 10.10.2020 - 16.33h ***
6 *
“Outras se acabam mal o fio comece”
São vidas bem mais breves que um poema
Pois elas dão-se à morte sem problema
E aquele quando finda permanece *
Pois há um não sei quê que se assegura
Jamais ser olvidado em seu sentido
E parecendo ainda estar contido
Emerge em erupção da cerviz dura. *
Não sonhe o pensamento em abolir
Aquilo que na alma tem raiz
Ou de si mesmo tinha de sorrir… *
Na dor ou na revolta em crescimento
Pode um Soneto ter sua matriz
Mas é de Amor e Vida o seu alento. *
Helena Teresa Ruas Reis ***
7 * "Mas é de Amor e Vida o seu alento"
E é da força imensa em si contida
Que o soneto renega a despedida
Pra renovar-se em graça e em talento. *
Em si se abraçam Alma e Pensamento
De uma forma nunca antes conseguida
E cresce a poesia em força e vida
Enquanto amaina o próprio sofrimento. *
Porém ópio não é que em lucidez
É rico como poucos... tudo of`rece!
Se num momento gera embriaguês *
Logo a seguir demonstra que não esquece;
Responde a quase todos os porquês,
E quando o repreendem nem estremece.
*
Maria João Brito de Sousa - 11.10.2020 - 13.52h *** 8
*
“E quando o repreendem nem estremece"
Tão certo está de si, do que revela,
Sabendo que nos versos o que sela
É mais do que num todo nos of’rece. *
A cada qual que lê ele aparenta
Ser coisa tão diversa e solitária
Que ao próprio até surge solidária
Mas, mais que a esse, a outros acrescenta. *
Entendo como ópio o tal efeito
Que enleia na leitura quem o lê
Tornando-se um anseio já eleito *
Mas se este é uma droga eu sei porquê:
Apanha-nos a estrofe com seu jeito
Revemo-nos com ela e ela vê! *
Helena Teresa Ruas Reis ***
9 *
"Revêmo-nos com ela e ela vê "
E perante esse enlevo carinhoso
Torna-se bilha de barro poroso
Em que outrem crê bem mais do que ela crê. *
Do que recebe, bem certo é que dê
Em dobro, inda que em gesto vagaroso
Faça jorrar um verso já penoso
Porquanto o sol desmaia e pouco vê. *
Toda dádiva viva se o sol brilha,
Esmorece ao lusco-fusco da tardinha
A estrofe transmutada numa bilha *
De puro barro que agora se alinha
Para of`recer-te a água da partilha;
Dá-me dessa água, que eu já dei da minha! *
Maria João Brito de Sousa - 11.10.2020 - 17.11h *** 10 *
“Dá-me dessa água, que eu já dei da minha”…
Aguadeira serei, por quem o manda,
Se o soneto não me der uma desanda
Caindo-me essa água p’la bordinha. *
Ainda tornarei para a encher
Falando-lhe ao cuidado e ligeirinho,
Pode ser que ao sentir o meu carinho
‘stremecida ela queira se conter. *
Perdoa estrofe, assim estropiada,
De aproveitar o pouco que te sobra
Enchendo-te eu a bilha desse nada… *
As gotas lacrimejam na manobra
Mas eu sinto-me pura, renovada,
Por fazer através delas uma obra. *
Helena Teresa Ruas Reis ***
11 *
"Por fazer através delas uma obra"
Feliz fiquei e mais que saciada!
Garanto que não peço hoje mais nada;
Acabo de beber água de sobra! *
Hoje o soneto nada mais me cobra
Pois sabe bem que estou muito cansada;
Para estes olhos meus é madrugada,
A hora em que Morfeu me vence e dobra... *
Já o soneto arrulha aos meus ouvidos,
Já o verso se perde em nebulosas
Manchas inacessíveis aos sentidos; *
Só nuvens, muitas nuvens vaporosas
Sobre os meus versos quase adormecidos
Vêm saudar-me as pálpebras teimosas. *
Maria João Brito de Sousa - 11.10.2020 - 20.55h
***
12 *
“Vêm saudar-me as pálpebras teimosas”,
Das linhas mais perfeitas as que ousei
Glosar neste jardim em que passei
Buscando um qualquer pão tornado rosas.
*
Milagre que proponho à santidade,
Encíclica que quero publicada.
Soneto é pr’a mim coisa sagrada,
Aquela que nos toca de verdade.
*
Perdoe-me o papado se ajuízo,
Se elevo a voz ao Céu agradecida
Toldada num sentir menos conciso.
*
É que me sinto já embevecida
Por encontrar a forma que preciso,
De elevar, qual Soneto, a minha vida.
*
Helena Teresa Ruas Reis - 11/10/2020 ***
13 *
"De elevar, qual soneto, a minha vida"
É um milagre ao qual nunca resisto;
Poucas coisas tão belas tenho visto,
Nenhuma me deixou tão comovida. *
Sei bem que estou à beira da partida,
Mas se mais um soneto, um só, conquisto
Fico a saber que para isto existo;
Escolhi pelo soneto ser escolhida! *
Embora sonolenta e fatigada
Vão-me os versos fluindo, formam fios
Que irão depois formar uma meada... *
São, os sonetos, longos como rios;
Sobre um dos rios flutua uma jangada
Sobre a qual vão meus doces desvarios... *
Maria João Brito de Sousa - 11.10.2020 - 22.49h
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* “Sobre a qual vão meus doces desvarios”
Arrimados nos remos dum quebranto,
Saboreando, às ondas, o encanto
Marinado por ébrios delírios.
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Desde a nascença, em verso estruturado,
Sou tal qual uma criança que procura
Um pouco de afeição ou de ternura
Que consiga levar a todo o lado.
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E os risos e as dores se confundem,
As traquinices faço, não me importo,
Que o tempo decompõe ou faz que mudem.
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Serei Soneto, ainda em desconforto
Nas pautas musicais que afora fluem,
“Usado, adulterado, gasto e morto”!
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Helena Teresa Ruas Reis - 12/10/2020
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publicado às 10:33