Maria João Brito de Sousa
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MÃOS III *
Ó mãos hábeis, vadias, mãos sem dono,
velhas mãos condenadas cuja pena
será a sina ingrata e não pequena
de despertardes mal vos chegue o sono... *
Mãos que encontrais um verso ao abandono
numa outra mão que pára e vos acena
com mel e vinho e hastes de verbena
nas mansas tardes de um qualquer Outono *
Ó mãos rudes, gretadas de tão frias,
imprudentes, inquietas, fugidias,
que sempre que sois voz a não calais *
Parai e reparai que estais vazias!
Quem vos roubou o sonho e as alegrias
e assim vos despojou de tudo o mais? *
Mª João Brito de Sousa
10.03.2024 - 21.00h ***
publicado às 21:31
Maria João Brito de Sousa
DEI VOZ ÀS MINHAS MÃOS
Dei voz às minhas mãos num fim de tarde
Quando o sol ao cair no azul do mar
Parece que se ateia e depois arde
Nas águas onde prendo o meu olhar
Vestiram gestos mansos sem alarde
E falando ao teu corpo devagar
Numa voz calma quase que cobarde
Por ele se deixaram encantar
Libertados que foram os seus medos
Sussurraram palavras e segredos
Bailando no silêncio da atmosfera
Já no horizonte o céu enegrecia
Porquanto o sol ali se despedia
Calou-se então a voz que às mãos eu dera
MEA
2/10/2017
A CAMINHO DO INEVITÁVEL FIM DE TARDE
Por muito que adiasse a voz crescente,
por muito que, hoje ainda, eu a resguarde,
a voz do sonho ousou passar-me à frente,
“Dei voz às minhas mãos num fim de tarde”
E nunca mais, de mim, tornada ausente,
que a voz das minhas mãos não mais retarde
palavras mil, que tão precocemente
“Vestiram gestos brandos sem alarde”
Livres do pseudo-sonho que os tolhia
enquanto, passo a passo, eu mal crescia,
“Libertados que foram os seus medos”,
Deixaram de iludir-se. São brinquedos,
ilusões de uma infância. Mal nascia,
“Já no horizonte o céu enegrecia”.
Maria João Brito de Sousa -04.10.2017 – 11.01h
publicado às 11:28
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em decassílabo heróico)
A mão que esboça o verso, ampara a vida,
Transporta o saco cheio, amassa o pão,
Cava o torrão mais duro e, mesmo f`rida,
Prefere a dor sentida a não ser mão,
Renasce a cada causa antes perdida
E tece e fia e doba e faz questão
De, sobre a tela pronta e já tecida,
Lavrar, do próprio gesto, a criação.
A mão trabalha ainda, a mão persiste
E até quando algemada ela se agita;
Ou se livra da peia… ou lhe resiste!
Será por cada mão que não desiste
Que a força de que o mundo necessita
Justifica a razão que ao povo assiste!
Maria João Brito de Sousa – 29.01.2014 – 14.43h
"Cueva de las Manos" - Pintura Rupestre, Patagónia, Argentina
publicado às 19:03