Maria João Brito de Sousa
DIAS TRISTES * Coroa de Sonetos *
Helena Fragoso e Mª João Brito de Sousa *
1. *
Há dias e dias na vida da gente
Uns que nos sorriem, outros que até não…
Há os que nos fazem torturas à mente…
São aos quais eu chamo de " dias de cão".… *
Tem uns que são duros e que num repente
Emanam tristeza…nos deitam ao chão….
Até nos destroem a alma, a pureza
Só nos trazem mágoas, dor na contramão… *
Tem dias que tudo nos parece ausente
Em que nada vibra, nada se consente…
Dias em que o mundo é mera ilusão…. *
Enfim, dias tristes em que consciente,
Nossa alma chora, sentindo latente
A saudade, as mágoas e a solidão… *
Helena Fragoso *** 2 *
"A saudade, as mágoas e a solidão"
Podem, minha querida, ser tão passageiras
Quanto o são as aves, se de arribação,
Ou as altas chamas de alguma fogueira *
Que ao fim de umas horas se consumirão
Pra deixar só cinzas brancas e poeira...
Sim, há dias tristes, há "dias de cão",
E há dias que são riso e brincadeira *
Nesta nossa estrada, em vez de alcatrão,
Há pedras bem duras a forrar o chão
E arbustos com espinhos mesmo à nossa beira *
Mas nós prosseguimos. Não, não foi em vão
Que continuamos nesta direcção,
Neste mundo (quase) carrossel de feira! *
Mª João Brito de Sousa
29.11.2022 - 15.15h ***
3. *
Neste mundo (quase) carrossel de feira
Que descompensado corre sem noção
Com dias que roubam e de que maneira
Nossa paciência e concentração... *
Tem dias que a vida não se mostra inteira
E em que nossos passos se colam ao chão.
Dias em que os sonhos ardem na fogueira
Só restando as cinzas da desilusão… *
E neste caminho, nesta ribanceira
Os dias que passam seguem de maneira
Que haja riso, pranto, dor e solidão… *
Tem dias que a vida na sua cegueira
Nos deixa sem rumo, sem eira nem beira.
Perdidos nas sombras e na escuridão… *
Helena Fragoso ***
4. *
"Perdidos nas sombras e na escuridão"
Sem ver mais que um palmo do nosso futuro
Tornámo-nos sombras tecidas no escuro,
Quase inexistência, quase assombração... *
Mas todas as sombras são a projecção
De algo consistente, volumoso e duro,
Que pode ser gente ou somente um muro
Cuja sombra é fruto... de iluminação *
Sem luz, minha amiga, por pouca que seja
Não haverá sombra, nem quem nela esteja
Tão desiludido quanto estás agora: *
Salta-me esse muro que, do outro lado,
Tudo está mais claro, mais iluminado
E verás que as sombras terão ido embora! *
Mª João Brito de Sousa
07.12.2022 - 11.50h ***
5. *
"E verás que as sombras terão ido embora"
Levando com elas dor e solidão
Nasce um novo dia, uma nova aurora
É um dia triste? Diria que não… *
Um dia que corre nesse mundo afora
Formando um oásis mantendo a ilusão
Que há dias felizes e que a qualquer hora
Os dias mais tristes se transformarão *
Ao pular o muro vi sombras lá fora
Vi dias sorrindo numa ou outra hora
Vi sombras andando pela escuridão.. *
Então ao ver tudo, voltei, vim embora,
Pensei nesses dias que vão mundo afora
Uns tristes, é certo... outros até não. *
Helena Fragoso *
6. *
"Uns tristes, é certo... outros até não"
Que se nuns chorei, nos outros me ri
E entre choro e riso muito eu aprendi
Ao subir o muro da contradição: *
Vi os que acumulam milhão a milhão
E os que moirejam não tendo pra si
Nem um pedacinho do que nalguns vi,
E vi os sem-terra junto dos sem-pão *
Sucumbindo às bestas do nazi-fascismo
Que, por todo o mundo, escava um sujo abismo
Em que os dias - todos! - são de escravidão! *
E pra que não seja mais do que um aviso,
Pra que sobrevivam os dias do riso,
Que nos não enganem as bestas que o são! *
Mª João Brito de Sousa
09.12.2022 - 11.35h ***
7. *
"Que nos não enganem as bestas que o são"
Ferozes selvagens sempre assim os vi…
Negando aos mais pobres a casa e o pão
Com cruéis discursos como sempre li…. *
Existe a esperança, não é ilusão…
E talvez por isso eu nunca a perdi
Tem dias sorrindo, sim, na contramão
Desses tristes dias que também vivi… *
Tem dias risonhos que bem os senti
Que enquanto duraram amei e sorri
Mesmo que só fossem total ilusão… *
Nos outros, nos tristes, até me perdi
Com tanta maldade como nunca vi
Fruto desta nossa civilização… *
Helena Fragoso *
8. *
"Fruto desta nossa civilização"
Que ao capitalismo tanto idolatrou,
Renasce o nazismo do que del` sobrou,
Mais letal que um vírus, mais sem compaixão *
Mas se há esp`rança ainda de lhe pôr travão,
Esses dias tristes em que a dor cravou
Punhais de aço puro nos que dizimou,
Em dias felizes se transformarão! *
Planta a tua esp`rança companheira amiga
Para que ela em breve se transforme em espiga
E pra que da espiga nasça essoutro pão *
Que consola a alma e conforta a barriga,
Que ora trigo loiro, ora uma cantiga,
Tanto é poesia quanto é refeição! *
Mª João Brito de Sousa
13.12.2022 - 17.20h ***
9. *
"Tanto é poesia quanto refeição,"
Que alimenta a alma, que dá cor à vida
Nesses dias tristes que sem compaixão
Tudo vai embora sem ter despedida… *
Mas tem um momento de consolação
Em que os dias chegam sorrindo pra vida
Dias de alegria de amor de paixão
De uma liberdade por nós conseguida… *
Aí companheira de luta de vida,
Sorriem os dias na paz que é vivida
Em nossos momentos de satisfação… *
E os dias tristes estarão de partida
Levando tristezas retalhos de vida…
Deixando alegrias, paz no coração. *
Helena Fragoso ***
10. *
"Deixando alegrias, paz no coração"
Como a que hoje sinto por de novo ler-te:
Não há mais angústia que me desconcerte
Nem que a voz me tolha pra prender-me ao chão! *
Virão alegrias, amiga, virão,
Embora eu não possa, certeira, dizer-te
Quando exactamente sorrirão ao ver-te,
Só posso afirmar-te que te sorrirão *
E estes tristes dias que a tantos oprimem,
Serão apagados pelos que redimem
Todas as angústias e todos os prantos *
Virão dias claros que os prantos suprimem
E enquanto aguardamos, nossos versos exprimem,
Nos sonhos de agora, a esp`rança de tantos! *
Mª João Brito de Sousa
18.12.2022 - 15.05h ***
11. *
Nos sonhos de agora a esprança de tantos…
Que com fé desejam a paz neste mundo…
Dias de tristeza e outros de encantos…
Faz parte da vida, verdade no fundo… *
Nesses dias tristes, nem sabemos quantos,
Dias do fascismo, um momento imundo…
Sofreram na carne, e Deus…foram tantos…
Outros que sumiram nesse submundo… *
Mas vamos em frente construindo a fundo
Um novo universo a bem deste mundo
Uns dias, sim, tristes, outros serão santos … *
E mesmo algum ódio, talvez iracundo
Se transforme em sonhos em sonhos que a fundo
Serão mesmo a esprança, a esprança de tantos… *
Helena Fragoso ***
12. *
"Serão mesmo a esprança, a esprança de tantos"
Que de novo vêem erguer-se o nazismo
Conquanto o julgassem morto em cada abismo
Que o próprio cavara por todos os cantos *
Foi enorme o pasmo, grandes os espantos
Que nos abalaram como um brutal sismo,
Mas de novo calmos, quebrou-se o mutismo
E entre os que resistem não cabem mais prantos *
Não sei dizer como, nem sei dizer quando,
Mas vejo o nazismo de novo afundando
No profundo abismo que pra nós cavou *
Não será com balas, mas será lutando
Que os que quer esmagados o irão esmagando
Até que digamos: - O monstro acabou! *
Mª João Brito de Sousa
18.12.2022 - 19.15h ***
13. *
"Até que digamos o monstro acabou"…
Até que tenhamos paz e liberdade…
Até derrotarmos quem nos torturou
Com ódios, com guerras, matanças, maldade…. *
Até que vejamos que o mundo mudou
Que haja novos dias de luz, claridade…
Que os dias renasçam do bem que os criou
Os dias felizes a bem da verdade… *
Há dias e dias que a vida mudou
Com tudo o que a gente viveu e lutou
Até houve dias deixando saudade… *
Os tais dias tristes que o vento levou
Os dias risonhos que o sol nos doou
Tristes ou risonhos … dias de verdade… *
Helena Fragoso ***
14. *
"Tristes ou risonhos... dias de verdade",
Dias que nos encham de amor e de paz,
Dias que nos mostrem que há gente capaz
De remir os erros desta sociedade, *
De implantar, no mundo, a solidariedade
Com fundas raízes, não breve e fugaz,
Dando um passo em frente e, a seguir, dois atrás,
No que vai tocando à nossa liberdade... *
Que a guerra entre os povos termine de vez!
Se aquilo que vejo é também o que vês,
Que quem sofre e paga é quem está inocente, *
Então, companheira, que pague quem fez
De cada alegria, dor e morbidez:
"Há dias e dias na vida da gente"! *
Mª João Brito de Sousa
21.12.2022 - 13.50h ***
publicado às 14:38
Maria João Brito de Sousa
UMA LUZ *
Coroa de Sonetos hendecassilábicos *
Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa *
1. *
Eu tenho uma luz que clareia o olhar
Que cego nasci e cego tenho andado
Mas vou-me encostando bocado a bocado
Assim prosseguindo livre e a cantar *
Cá dentro nasceu-me este mundo sem par
Com aves voando mais o seu trinado
Um céu com estrelas muito iluminado
Os corgos correndo directos ao mar *
A cegueira à volta não deixava ver
Cá dentro gerou-se toda a claridade
Que engrandece a vida e me faz viver *
Com sonhos libertos que me traz a idade
Tantos afazeres dentro do meu ser
Que me enchem a vida de felicidade *
Custódio Montes ***
2. *
"Que me enchem a vida de felicidade",
Tanto quanto baste para qu`rer vivê-la
Sem baixar os braços, sem desistir dela
E sem erguer nela templos à saudade *
Que o tempo não pára, pronto se me evade
Não me dando espaço para o que ergo nela...
Insisto, contudo! Não me prende a trela
Da cegueira imposta, nem da validade *
Do meu corpo gasto, que eu não tenho idade
Se escrevo ao compasso desta liberdade:
Galopa, galopa, cavalo sem sela, *
Vai galgando as ruas da minha cidade
Que quando te esgotes, corre uma amizade
A dar-te uma força, a abrir-te a cancela! *
Mª João Brito de Sousa
23.07.2022 - 10.45h ***
3. *
“A dar-te uma força, a abrir-te a cancela”
E a palavra avança segue o seu caminho
Há-de haver quem tenha por ela carinho
Já que na escrita fica sempre bela *
E iluminada posta sobre a tela
Exposta em soneto dentro dum livrinho
Alegra em casa e também ao vizinho
Caminha no mundo já fora da cela *
Em cada paragem vai ser admirada
Já que a palavra bem feita e tratada
Enriquece a história para sempre fica *
E vai-se a cegueira que aparece luz
Traz o raciocínio, riqueza produz
E a vida prossegue cada vez mais rica *
Custódio Montes
2.7.2022
***
4. *
"E a vida prossegue cada vez mais bela"
Quando iluminada por essa luzinha
Que assim que se acende, connosco caminha
Ainda que sendo pequena e singela *
Como esta que emana da chama da vela
Que derrama aromas nesta sala minha
E que sempre acendo quando estou sozinha
Ou acompanhada, escrevendo na tela... *
Seja a luz tão sábia e tão protectora
Que, à sombra, conceda uma ou outra hora
De repouso e pausa para os nossos braços *
Que já percorreram tantas longas milhas
Quantos, no planeta, há de atóis e de ilhas,
Dos profundos mares, milenares terraços. *
Mª João Brito de Sousa
23.07.2022 - 15.15h ***
5. *
“Dos profundos mares, milenares terraços”
Por onde se anda sempre a divagar
Ou em pensamentos ou a imaginar
Lançando poemas por esses espaços *
Que somos poetas sem ter embaraços
Compomos palavras no vento e no mar
Com sonhos de amor porque é tão bom amar
E com amizade mandamos abraços *
A luz que ilumina o nosso pensamento
De dentro promana e é complemento
De toda a magia que dentro irradia *
E por cá andamos de dia e ao sol posto
Com contentamento a poetar com gosto
Canções que nos trazem enorme alegria *
Custódio Montes
23.7.2022 ***
6. *
"Canções que nos trazem enorme alegria"
E mais um lampejo da luz que acendemos
Ao juntar os versos com que entretecemos
Uma nova c`roa, como por magia... *
Metade amizade, metade poesia,
Já cresce a estrutura... Tanto já fizemos!
Nesta nossa barca, ninguém pousa os remos,
Nem nas horas mortas da maré vazia! *
Mas "depressa e bem" traz sempre um senão:
Queimei o arroz que apurava ao fogão...
Paciência! Que importa s`inda lhe aproveito *
Quanto baste para uma refeição?
Não me importo nada, garanto que não:
Sou eu quem o come, com ou sem defeito! *
Mª João Brito de Sousa
23.07.2022 - 16.40h ***
7. *
“Sou eu quem o come, com ou sem defeito”
Eu como de tudo pois tenho vontade
Não falta apetite na realidade
E com um bom copo mais eu me deleito *
Ao vir para a mesa tudo aproveito
Sou de boa boca sem sobriedade
Como a minha parte sem dificuldade
E durmo a sesta logo que me deito *
Se o arroz se queima acompanho com pão
Deito algum na sopa sem complicação
E com o presigo o como também *
E para além disso, fosse eu cozinheiro
Cozia o arroz em novo braseiro
Lavando a panela de novo e bem *
Custódio Montes
23.7.2022 ***
8. *
"Lavando a panela de novo e bem",
Braseiro não tendo, vou-me contentando
C`o fogo que tenho - eléctrico e brando -
Que, apesar de brando, esturrica também... *
A culpa foi minha, que culpa não tem,
O pobre aparelho, de eu estar poetando
Em vez de, aprumada, o ficar vigiando,
Mexendo o "risotto" e virando o acém... *
Da próxima vez, não vou ser descuidada,
Nem virei prá sala até estar terminada
Refeição que tenha já posto no fogo... *
Isto afirmo agora que estou bem escaldada,
Mas dentro de dias, de novo olvidada,
Não juro cumprir esta regra do jogo... *
Mª João Brito de Sousa
23.07.2022 - 17.55h
***
9. *
“Não juro cumprir esta regra do jogo...”
Mas falhamos sempre que temos um gosto
Assim como digo, consigo aposto
Que diz isso agora mas não o faz logo *
Faço-lhe uma aposta que aceite, lhe rogo,
Ao ter muita fome, visível no rosto,
Com o tacho ao lume com conduto posto
Vá para a cozinha e acenda o fogo *
Com a sua pressa de me responder
Ao ver meu soneto o seu vai fazer
Indo para a sala. Quando acabar *
Lembra-lhe a panela que deixou ao lume
Mau cheiro inala e, como de costume,
Deixou o conduto de novo queimar *
Custódio Montes
23.7.2022 ***
10. *
"Deixou o conduto de novo queimar",
Diz-me com tal graça que a rir me deixou
Tanto e de tal forma que se me olvidou
Um verso oportuno que pensara usar... *
Aceito essa aposta que, sei, vou ganhar
Já que prá cozinha, de novo, não vou:
Comerei aquilo que já se queimou,
Não corro mais riscos de o arroz "bispar"... *
Mas onde a luzinha que connosco estava?
Dela me esqueci enquanto gargalhava,
Mas penso que ainda lhe sinto a presença... *
Ei-la aqui tingida de cores informais,
Sorrindo às apostas concretas, banais,
Que agora fizemos... sem sombra de ofensa! *
Mª João Brito de Sousa
23.07.2022 - 19.05h ***
11. *
“Que agora fizemos …sem sombra de ofensa”
Mas nestas apostas falámos do assunto
Que as nossas ideias em todo o conjunto
A luz pressupõem na sua presença *
A ideia que chega e que a gente pensa
Não é luz acesa? Isso eu lhe pergunto
E o que nós dissemos é tema adjunto
É isso que penso com sua licença *
A gente interpreta o seu interior
Pensamos a ideia, damos-lhe valor
Falamos connosco sentimos a vida *
Voltamos à ideia, torna-se evidente
E assim cá dentro sinto-me contente
A cegueira acaba que vai de vencida *
Custódio Montes
23.7.2022 ***
12. *
"A cegueira acaba que vai de vencida"
E em boa verdade, tem toda a razão
Pois nascem ideias da tal reflexão
Que nos ilumina. É verdade sabida! *
Mas a nossa cr` oa, de improviso urdida,
Requer outra garra a que chamo paixão
- talvez raciocínio que ande em foguetão... -,
Veloz como a luz a que demos guarida! *
Assim a Paixão e a Razão, de mãos dadas,
Tornarão mais belas estas caminhadas
De versos amigos e conversadores *
Que se entreajudam se a Musa vacila:
Bem certo é que caia uma c`roa que oscila,
Que anda aos solavancos, que nem tem valores... *
Mª João Brito de Sousa
23.07.2022 - 21.00h ***
13. *
“Que anda aos solavancos, que nem tem valores...”
E quer que concorde? Não sei se o faça
Que assim o fazendo ninguém leva a taça
Nem nesta coroa seremos doutores *
E eu que pensava receber louvores
Se assim pensarmos não teremos graça
E a nossa coroa resvala em desgraça
E de ouvir teremos outros professores *
Ao ter eu pensado ver a claridade
Na luz que me vinha dar felicidade
Afinal não soube erguer este meu canto *
Mas revendo agora o que se escreveu
Se é mau o meu canto bonito é o seu
E ao lê-lo de novo nele encontro encanto! *
Custódio Montes
23.7.2022 ***
14. *
"E ao lê-lo de novo nele encontro encanto",
Tal como eu encontro que aquilo que disse
Foi que, solitária, seria tolice
Criar esta c`roa, tecer-lhe este manto *
E a dois, este pouco, transforma-se em tanto
Que os versos redobram de tagarelice
E escrevo as ideias antes que as previsse:
Isto quis dizer, isso eu lhe garanto! *
Luminosa e estável se encontra a coroa
Que está quase pronta e que muito bem soa
Ao humano ouvido que a queira auscultar *
E embora alguns versos se riam à toa
- tonteiras que sei que o leitor me perdoa -,
"Eu tenho uma luz que clareia o olhar" ! *
Mª João Brito de Sousa
23.07.2022 - 23.00h ***
publicado às 10:02
Maria João Brito de Sousa
NÃO ME SAI... * Coroa de Sonetos *
Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa *
1. * Não me sai cantiga que possa agradar
A voz que eu tenho só quer brincadeira
Esconde-se às vezes e, namoradeira,
Fala só baixinho, não se quer notar *
O amor esconde-a, só pensa em amar
Não canta à segunda nem canta à primeira
Só fala baixinho sem ninguém à beira
Não se ouve por perto, não se ouve a cantar *
Há muito que cala, não quer escrever
Devia contar e contar a valer
Porque se não canta contava uma história *
Em parte inventada de que se gostasse
E assim fosse lida para que ficasse
Se não fosse em canto, seria em memória *
Custódio Montes
22.6.2022 ***
2. *
"Se não fosse em canto, seria em memória",
Ou juntos, em ambos... Seria perfeito
Cantar a memória trinada a seu jeito,
Compondo-se o canto ao compasso da história *
Eu, sempre que o faço, não procuro glória,
Só persigo a força que trago no peito
E tento alcançá-la escrevendo a preceito,
Sabendo, contudo, ser meta ilusória *
Pois não me sai nunca como eu quereria:
Desafino às vezes quando a melodia
Tropeça nas ondas da banda sonora... *
Só de quando em quando, pra meu desespero,
Sai exactamente o canto que quero
Da pauta invisível que a Musa elabora. *
Mª João Brito de Sousa
22.06.2022 - 12.53h *** 3. *
“Da pauta invisível que a musa elabora”
Mas não tenho musa sou de trás os montes
Para a alcançar passaria horizontes
E daqui me iria para aí agora *
Fazer bem queria e de hora a hora
Ia pela estrada passaria pontes
Oh musa ajuda queria que contes
Uma história linda, sê minha editora *
Um canto cantava se a voz me ajudasse
Se a força viesse, se não me faltasse
Mas estou doente da minha cabeça *
O canto não surge e o conto não vem
De ajuda preciso que me ajude alguém
Eu estou à espera que a musa apareça *
Custódio Montes
22.6.2022 ***
:)
4. *
"Eu estou à espera que a musa apareça",
Mas a sua Musa já pôs mãos à obra
E nela só vejo saúde de sobra:
Canta como poucas, corre bem depressa! *
Afinal de contas, que doença é essa,
Que lhe não faz mossa e à Musa não dobra?
É mais dura a minha porque em dor me cobra,
Quando estou doente, tudo o que eu lhe peça... *
Não me sai da mente que está enganado,
Que dessa maleita está mais que curado
Ou que a sua Musa bebeu café forte! *
A minha, coitada, bem mais vagarosa,
Está boquiaberta porque nem na prosa
Consegue ser ágil, já não tem tal sorte... *
Mª João Brito de Sousa
22.06.2022 - 14.07h ***
5. *
“Consegue ser ágil, já não tem tal sorte…”
Diz isso da musa? tem que me explicar
Porque é que diz coisas para enganar
Se ela é vigorosa com seu alto porte *
E a tudo responde, com belo recorte
E sempre a seu jeito sem nunca faltar
Porque é que a maltrata sem ela falhar
Como a sua dona, sua fiel consorte? *
Toda a gente sabe que se porta bem
Escolhe as palavras melhor que ninguém
Não insulte a musa que ela não merece *
Musa tão distinta quem a não queria
Só lhe traz vantagens e tanta alegria
E todos nós vemos como lhe obedece! *
Custódio Montes
22.6.2022 ***
6. *
"E todos nós vemos como lhe obedece"...
Não sei se ela a mim, se muito inversamente
Sou eu quem a segue obedientemente
Sempre que ela ordena, por mais que eu tropece... *
Se um verso me escapa, logo ela outro tece
E quando eu fraquejo, ela, eficiente,
Engendra um soneto e, assim, num repente,
Depõe-mo nos braços e desaparece... *
Sem ela não vivo e, sem mim, não existe
A estouvada Musa que não me resiste...
Nem eu lhe resisto, mesmo que zangada *
Me custe aturar-lhe caprichos, manias,
Ausências, amuos e outras avarias:
Sem Musa, confesso, não presto pra nada! *
Mª João Brito de Sousa
22.06.2022 - 19.50h ***
7. *
“Sem musa, confesso, não presto pra nada”
E a musa, esperta, se disso souber
Sobe-lhe a parada, ficará a ter
Pose diferente bem mais complicada *
Então sua dona, muito atarefada
Rodeia a menina para a entreter
Anda à volta dela para a convencer
Que se a ajudar ficará afamada *
Vai perder seu tempo, fico por aqui
Deixe lá a musa pense mais em si
Que a musa é feita com o que se escreve *
Deve-lhe mais ela pelo que a gaba
Porque o seu talento nunca mais lhe acaba
Nada deve à musa, ela é que lhe deve *
Custódio Montes
22.6.022 ***
8. *
"Nada deve à musa, ela é que lhe deve"
E ficamos pagas, que uma perfazemos
Nas duas metades que aqui vos trazemos
Unidas prá vida que é bela mas breve *
Criando e escrevendo até que nos leve
O dia ou a hora na qual prescrevemos
Com tudo o que somos e tudo o que temos
Desfeito num nada, que assim se prescreve... *
Amigo, esta Musa é pura abstracção,
Deleite, volúpia, profunda atracção
E muito do pouco de bom que há em mim: *
Quando digo Musa, digo alma, razão,
Amor, rebeldia, raiva, compulsão,
Êxtase diante de um espanto sem fim... *
Mª João Brito de Sousa
22.06.2022 - 23.00h
***
9. *
“Êxtase diante de um espanto sem fim…”
E é isso tudo, muito mais diria
E se ela é tristeza, mais é alegria
Para a minha amiga e também para mim *
Se a musa se inventa, pensa-se em jardim
Em campo de flores envolto em magia
Num canto à noite e ao nascer do dia
Salto em poema como em trampolim *
Alcança-se um gosto, pinta-se uma imagem
E no seu conjunto segue uma mensagem
Criando-se um mundo mais belo e melhor *
E neste volteio, nesta criação
Expande-se a alma e ama o coração
Num manto diáfano e de esplendor *
Custódio Montes
22.6.2022 ***
10. *
"Num manto diáfano e de esplendor"
Que ferve e transborda de imaginação,
Tão depressa brisa quanto furacão,
Moldamos palavras e damos-lhes cor *
Que c`roa que é c`roa exige labor
E pra nós, poetas, cumpre uma função
De espontaneísmo, quanto à confecção,
De perfeccionismo, quanto ao seu teor *
Não me sai da ideia, nem quero que saia,
O verso que nasce, desponta e se espraia
Numa imensa c`roa que, por fim, se fecha *
No exacto ponto em que foi começada:
Circular, perfeita, quando bem fechada
Mas, se entusiasmada, veloz como a flecha! *
Mª João Brito de Sousa
23.06.2022 - 10.20h ***
11. *
“Mas, se entusiasmada, veloz como a flecha”
Ela então canta, já corre, já voa
Já me sai da mão, um cântico entoa
E Já não se encolhe já não é lamecha *
Agora encanta e já não se fecha
E diz o que pensa doa a quem doa
E até já crítica e nunca perdoa
Uma má palavra, simples ou complexa *
Demos rédea solta à imaginação
Porque assim a musa já tem condição
Para dar o salto, podendo cantar *
Andar com o vento, caminhar no mundo
Envolta em percurso mais lindo e profundo
Para ter no canto uma forma de amar *
Custódio Montes
23.6.2022 ***
12. *
"Para ter no canto uma forma de amar"
Galopa no verso, febril, apressada,
Que assim é tecida quando apaixonada
Plos versos que engendra num simples tear *
Não pára, uma C´roa! Pode lá parar
Se os versos que entoa por tudo e por nada
Seguem o compasso da tal galopada
Que dedos e teclas nem tentam frear? *
Pra si, o jardim, pra mim a floresta...
Por distintos rumos seguimos em festa
E embora distantes sempre nos cruzamos *
Que o Espaço e o Tempo, nesta imensidão,
São sempre o oposto daquilo que são
Se mudos e quedos, por vezes, ficamos... *
Mª João Brito de Sousa
23.06.2022 - 12.35h *** 13. *
“Se mudos e quedos, por vezes, ficamos…”
Mesmo que apeteça cantar e contar
Mas esta preguiça, este mal-estar
Em paz não nos deixa e em guerra estamos *
Guerra da palavra pela qual lutamos
Que não vence às vezes mas sempre a lutar
Pela paz vencida mas sem se parar
Sem se ter descanso mas sempre voltamos *
Sem voz não cantamos, então escrevemos
Porque a musa ajuda, a musa que temos
Fica para a história e para recordar *
E imaginando não ficamos sós
O que nós contamos mesmo sem ter voz
Ficará escrito num estro sem par *
Custódio Montes
23.6.2022 ***
14. *
"Ficará escrito num estro sem par"
E talvez - quem sabe? - a alguém "contamine"
Qual vírus, dos úteis, que passe e sublime
A humana angústia do extremo pesar *
De alguém que sozinho não saiba encontrar
Palavras pr`aquilo que sente e não exprime,
Mas que um bom poema acalma ou redime
A troco de nada, por nada custar... *
Sai-me uma cantiga das mais pensativas,
Ou outra que alegra, de notas mais vivas...
Todas as cantigas são pr`aproveitar *
Mas se uma dor forte, mais forte que a Musa,
Me deixa prostrada, doente e confusa,
"Não me sai cantiga que possa agradar". *
Mª João Brito de Sousa
23.06. 2022 - 14.45h ***
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Maria João Brito de Sousa
NO MEU CANTAR * Coroa de Sonetos
* Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa *
1. * No meu cantar eu canto a natureza
E canto a tua luz que me alumia
E choro muitas vezes de alegria
Ao ter junto de mim tanta beleza *
Se canto também choro essa tristeza
Que às vezes é só dela que irradia
A procura de força, de alquimia
Envolta na saudade da grandeza *
Grandeza que eu canto ao escrever
Os marcos que não quero esquecer
E enfatizo de alma e coração *
No meu cantar eu canto a despedida
A manta de alabastro esculpida
Castelos que recordo de paixão *
Custodio Montes
30.3.2022 ***
2. *
"Castelos que recordo de paixão"
Que o tempo ano após ano foi cobrindo
Dos musgos e das flores que vão florindo
Sobre as muralhas da recordação *
Que, de repente, são também refrão
Deste cantar do qual nunca prescindo,
Que arrebata e que sempre é tão bem-vindo
Quanto os castelos de ontem hoje o são... *
Mas reluto em glosar tanta harmonia,
Tanta beleza e tanta melodia
A que não sei se posso fazer jus... *
Os castelos que ergui foram de areia;
Não sei se mos levou a maré-cheia,
Ou se já me nem lembro onde é que os pus... *
Mª João Brito de Sousa
30.03.2022 - 14.15h ***
3. *
“Ou se já nem lembro onde é que os pus…”
Mas mesmo assim é bom ao me lembrar
Para os passos vividos recordar
Lembrando ao pormenor com essa luz *
Dos choros e alegrias se deduz
Aquilo que passámos ao andar
Por cada rua, sítio e lugar
E sensações em que isso se traduz *
Se todos nos lembramos do pior
O que mais nos alegra é o melhor
E isso encontraremos no castelo *
Em cada canto, um gosto, uma lembrança
Que nos alegra e faz ter essa herança
Para voltar a olhar o que foi belo! *
Custodio Montes
31.3.2022 ***
4. *
"Para voltar a olhar o que foi belo"
Basta-nos recordar, olhar pra trás
E trazer ao presente o que nos faz
Nunca deixar ruir o tal castelo *
E tudo é tão humano e tão singelo
Que qualquer um de nós será capaz
De recriar aquilo que compraz
Este profundo e pertinente anelo... *
Este nosso cantar faz do passado
Um presente sensível que, encantado,
Revive enquanto dura o nosso canto *
Ninguém nos priva do que já vivemos,
Ninguém derruba os castelos que erguemos:
Pouco podemos, mas... podemos tanto! *
Mª João Brito de Sousa
31.03.2022 - 12.30h ***
5. *
“Pouco podemos, mas podemos tanto !”
Pois que reside em nós esse poder
De sentir o que fomos e o prazer
De o rever e sentir em cada canto *
Buscamos no passado o encanto
De voltar ao castelo a conviver
Com todo esse nosso acontecer
Que nos serve de capa e de manto *
Agora durmo a sesta mas respondo
E em cada verso digo e vou repondo
O que vem à lembrança e lhe digo *
E nesta confissão não há problema
Nem se me põe aqui qualquer dilema
Porque o que aqui lhe digo é como amigo *
Custodio Montes
31.3.2022 ***
6. *
"Porque o que aqui lhe digo é como amigo"
E eu que tendo um amigo, tudo tenho,
Bem sinto essa amizade sem tamanho
E sei que nela sempre encontro abrigo *
Mas voltemos agora ao tempo antigo
E aos castelos que erguemos no antanho,
Pois é de um del`s que agora mesmo venho
Para melhor poder cantar consigo *
Mas não mais com a voz que outrora tinha,
Que agora a minha voz ficou fraquinha,
Rouca e sem graça, tão sem graça agora, *
Que nunca mais me atrevo - e com razão! -
A entoar de novo uma canção
Nem a jurar que, em tempos, fui cantora. *
Mª João Brito de Sousa
31.03.2022 - 14.45h ***
7. *
“Nem a jurar que, em tempos, fui cantora”
Revelação que nunca saberia
Que se ma não dissesse descobria
Sua faceta tão prometedora *
Mas canta bem é uma professora
Com plena voz ao som da poesia
E o seu cantar é canto, é mestria
Lançada ao vento sempre a cada hora *
Não se apoquente, nós bem o sabemos
Já porque a escutamos e a lemos
Não se lamente, escreva sempre, amiga *
O canto tem em si música e letra
Se a voz o canta e a letra mal soletra
Sem letra o canto é mau, como a cantiga *
Custodio Montes
31.3.2022
8. *
"Sem letra o canto é mau, como a cantiga",
Por isso escrevo até que as mãos me doam
E amo estas palavras que em mim soam
Como uma voz possante e muito antiga... *
Cantava em casa, sim, prá gente amiga
E tinha uma voz dessas que alto voam,
Mas há doenças que a ninguém perdoam
E a que tenho é assim que me castiga *
Por vezes não resisto à tentação
E lá tento cantar, mas tento em vão
Porque mal se ouve a voz que ousou tentar *
E tão desafinado é esse sopro
Que soa qual martelo sobre um escopro
Teimando em martelar, em martelar... *
Mª João Brito de Sousa
31.03.2022 - 18.40h ***
9. *
“Teimando em martelar, em martelar”
E teimar também teimo mas em vão
Mas não é a cantar uma canção
É antes numa letra a harmonizar *
Que bom seria eu a interpretar
A letra que tivesse em intenção
Com música fazer composição
Seria bem famoso se calhar *
Se tenho letras lindas como quero
Por músicas espero, desespero
Por amigo, fiel compositor *
Havia de soar sempre o meu canto
De dia e noite sempre, sempre enquanto
Tivessem mão e voz força e calor *
Custodio Montes
31.3.2022 ***
10. *
"Tivessem mão e voz força e calor",
Mas mão já tem e a voz bem lha conheço
Que voz como a que tem não tem um preço,
Nunca haverá quem meça um tal valor! *
É afinada e sobra-lhe o vigor,
Esse vigor que tive e que hoje esqueço
Porque o que me sobrava no começo
Foi-se-me como nuvem de vapor... *
Mas mesmo estando muda, enrouquecida,
Não estou de mal com esta minha vida
Porquanto a velha Musa me conforta *
E ainda desafia a sua Musa
Para que eu não me sinta uma reclusa
Inda que se não abra a minha porta *
Mª João Brito de Sousa
31.03.2022 - 19.50h ***
11. *
“Inda que se não abra a minha porta”
Aos sons vindos fora a atrapalhar
Que a minha musa aqui sabe cantar
E a música de fora não me importa *
Esse cantar da musa é que me exorta
E a mim basta-me ouvi-la e ouvir o mar
Que fico noite e dia a escutar
E num contentamento, toda absorta *
Na vida, havendo gosto, é bom viver
A gente sonha e tem o que quiser
Moldando o tom à musa ao nosso gosto *
Sentimo-nos alegres e contentes
A força está em nós, somos valentes,
Tudo bem espelhado em nosso rosto *
Custodio Montes
31.3.2022 ***
12. *
"Tudo bem espelhado em nosso rosto"
E na nossa consciência esta certeza
De tão leve a sentirmos que à leveza
Nada devamos, no seu alto posto *
Cantemos pois, amigo, que dá gosto
E bastas vezes combate a tristeza,
Este cantar que sem nos dar despesa,
Nos alegra bem mais do que um bom mosto *
Que à sua Musa não falte energia
E que a minha a acompanhe em melodia
Enquanto o nosso ciclo aberto está *
A hora é sempre agora e não depois
Do ciclo se fechar para nós dois,
Cantemos que o momento é sempre já! *
Mª João Brito de Sousa
31.03.2022 - 22.00h ***
13.
*
“Cantemos que o momento é sempre já”
Cantar o que se quer em sintonia
Com gáudio, com paixão, com alegria
Que seja para nós como um maná *
Andarmos sempre assim, melhor não há
Seguir ao nosso gosto em harmonia
Mesmo que algo nos sobre em fantasia
Andando por aqui por acolá *
Que o amor nunca falte à nossa musa
Seja ela estrangeira ou seja lusa
Cantar aqui e além em toda a parte *
Encontra-se no canto o que se quer
Encontros entre o homem e a mulher
Mas com toda a pureza, orlada em arte *
Custodio Montes
31.3.2022 ***
14. *
"Mas com toda a pureza, orlada em arte"
Que assim é a amizade entre poetas
Quando se tecem c`roas tão completas
Que os seus versos repartem, parte a parte... *
Nosso recreio e nosso baluarte,
Este Cantar suavíssimo de estetas,
Torna-se Sol e nós somos planetas
Onde a verso (im)plantou o seu estandarte *
Olho as estrelas álgidas, serenas,
Vejo brilhar uma das mais pequenas
E a ela, por instantes, fico presa *
Depois venho fechar o ciclo de hoje
Pra garantir que nenhum verso foge:
"No meu canto eu canto a natureza"! *
Mª João Brito de Sousa
31.03.2022 - 23.30h
***
publicado às 10:12
Maria João Brito de Sousa
CONVERSANDO SOBRE O TEMPO *
Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa *
Chove, muda o tempo, anda tudo a mudar
Sem sol sopra o vento e vem a invernia
Vai longa a manhã é quase meio dia
Cubro o meu chapéu e saio a passear *
Vou neste bocanho, o tempo a melhorar,
Foi-se a tempestade que tanto chovia …
Por sobre o telhado a chuva que caía!
Vou sair agora lá fora e andar *
É assim o tempo muito sol às vezes
Chuva mas bom tempo existe em muitos meses
Andamos ao tempo ao sol ou a chover *
Mas bendito o tempo sem a despedida
Que sem ela o tempo é tempo de vida
E que corra o tempo que tempo é viver *
Custódio Montes
8.11.2021 *
***
Fala-me de um Tempo que é destroutro irmão,
Que comanda e rege as nossas sementeiras
E a dança das foices nas mãos das ceifeiras
Nos campos de trigo, nos templos do pão... *
Há Sol e há Chuva nesta comunhão
Da Terra e das nuvens que são as torneiras
Das cinzentas nuvens. Riem-se as ribeiras,
Vibra a terra inteira numa comoção! *
Cai agora a chuva sobre o chão que piso,
Vejo abrir-se a terra num largo sorriso
Que inteira me anima, que me faz sorrir *
E quase me irmana à chuva redentora
Da sedenta fauna, da mortiça flora;
Sê bem-vinda, ó chuva que vejo cair... *
Mª João Brito de Sousa
05.03.2022 - 18.00h ***
publicado às 10:33
Maria João Brito de Sousa
ENSAIO SOBRE
A CEGUEIRA *
Coroa de Sonetos *
Mª João Brito de Sousa e Custódio Montes *
1. *
Num rio de uma gota, numa gota só,
Viriam banhar-se a mulher de vapor,
O homem sem corpo, sem suor, sem dó,
E a dor sem tamanho de quem não tem dor *
De quem foi esmagado pela grande mó,
De quem foi comprado por nenhum valor
Que a realidade, se desfeita em pó,
Ao vendar-te os olhos, lança-te em torpor *
E eu, inda que cega, rasgo essoutra venda
De rosada seda rematada a renda,
Entro nas fileiras da luta de classes *
Que também tem sonhos, ideais concretos
Que são bem mais belos mas que estão repletos
Da crua dureza dos grandes impasses. *
Mª João Brito de Sousa
05.02.2022 - 14.15h *** 2. *
“Da crua dureza dos grandes impasses”
A luta medonha que se vai travar
Difícil será mas temos que a ganhar
Contra quem nos rouba, malditos rapaces *
Se quando tu vias bem melhor olhasses
Agora bem vias só a recordar
Não vês o que queres mas imaginar
É mais criativo talvez te ultrapasses *
Que o ver vem de dentro lá da nossa alma
E ao trazê-lo à luz ganhar-se-á a palma
Se o que nós dissermos for lindo ao lê-lo *
Então nossos olhos por dentro rirão
Sentindo o poema com o coração
E mesmo não vendo vai senti-lo belo *
Custódio Montes
6.2.2022 ***
3. *
"E mesmo não vendo vai senti-lo belo"
E talvez entenda que é mais importante
Que essoutra beleza que há no Sete-Estrelo
Por muito que seja pungente e brilhante *
O "homem sem corpo" não saberá lê-lo
E a "mulher de nuvens" `stará tão distante
Que não mais verá que um ponto singelo,
Pequeno, ilegível e algo intrigante, *
Mas o operário da escura oficina
E o mineiro em risco nos túneis da mina,
Conseguirão lê-lo, irão decifrá-lo *
Sob a luz que é parca mas que os ilumina
E a vida que é dura mas que tanto ensina...
Quem os calaria se eu, cega, o não calo? *
Mª João Brito de Sousa
06.02.2022 - 12.30h ***
4. *
“Quem os calaria se eu, cega, o não calo?”
Ninguém, penso eu, o que diz é verdade
Mas eu continuo que a claridade
Tê-la sem os olhos é bem um regalo *
Paramos às vezes tendo um intervalo
E vemos as coisas com realidade
Com gosto acrescido e mais à-vontade
Não é tudo a vista melhor é pensá-lo *
A amiga bem sabe que ser-se pujante
Como é nos poemas de modo brilhante
É ser-se completa, uma grande artista *
Por isso, não deixe aqui tanto lamento
Que tudo o que escreve é um monumento
Pare, não lamente ter tão pouca vista *
Custódio Montes
6.2.2022 ***
5. *
"Pare, não lamente ter tão pouca vista";
Assim o farei porque alguma me resta
E à miséria, a essa, há quem não resista,
Que a miséria é dura, cruel e funesta *
Mas é necessário que o tema persista
Pois é a cegueira que o tema me empresta
Pra tecer a c`roa e pra dar-me uma pista
Sobre algo que dura, que humilha, que empesta *
O homem explorado sobre este planeta
Que tanto trabalha e tão pouco colecta;
Migalhas das mesas dos grandes senhores *
São tudo o que sobra e as sobras não bastam
Prós tornar pessoas. Assim pouco gastam
E são humilhados os trabalhadores! *
Mª João Brito de Sousa
06.02.2022 - 14.45h
6. *
“E são humilhados os trabalhadores”
E os que os humilham são todos tratantes
Uns são manda-chuvas, outros governantes
Que lhes levam tudo e armam-se em doutores *
Porque se sentissem todas essas dores
De pão não o terem nem outros sobrantes
De passarem fome e outros males restantes
Não seriam eles tão exploradores *
Mas prendem-se muito à sua avareza
Que nunca reparam em tanta pobreza
São homens avaros de toda a maneira *
Cegos, maltrapilhos são uma cambada
Pensam-se importantes mas não valem nada
Não vêem por perto com tanta cegueira *
Custódio Montes
6.2.2022 *** 7. *
"Não vêem por perto com tanta cegueira",
Só a si se vêem contando a riqueza
Que outros produziram numa vida inteira
De trabalho duro, de extrema pobreza *
Subindo a calçada, descendo a ladeira
De casa ao trabalho, do trabalho à mesa
Pra comer à pressa, talvez sem cadeira,
Um caldo apurado na lareira acesa... *
E, do outro lado, é tanta a abundância
Que nem causa inveja, causa repugnância
O imenso abismo que as classes divide *
Que sempre assim foi, dir-me-ão sorrindo
Os que estando "a meio" não o estão sentindo...
Mas o Povo, um dia, será quem decide! *
Mª João Brito de Sousa
06.02.2022 - 17.30h
***
8. *
“Mas o Povo, um dia, será quem decide”
O povo é cego ou então não quer ver
Prometem-lhe tudo mas já no poder
É só propaganda como o sabão Tide *
Mesmo assim o povo no erro incide
Apenas elege quem nunca vai ter
Pena da pobreza… quer enriquecer.
É assim o povo e nunca progride *
Vejo bem as coisas que eu não sou cego
O homem só quer alimentar seu ego
Dá pouca importância a cada irmão *
Não pensa na fome, não vê a miséria
Só pensa no corpo e na vil matéria
Às vezes sem alma e sem coração *
Custódio Montes
6.2.2022 ***
9. *
"Às vezes sem alma e sem coração"?
Só se ambos tiverem sido confiscados,
Que tudo nos levam (até a paixão!)
E eu, que sou povo, estou entre os visados... *
Não falei das urnas nem da votação,
Falei dos futuros povos libertados,
Dos que já caminham nessa direcção
Inda que tropecem nos erros passados *
Porque ao que foi escrito não retirarei
Nem uma palavra, pouco mais direi
Que o sono já pesa mais do que a vontade *
E assim desarmada, sonolenta e tonta,
Só diria coisas de pequena monta,
Só faria versos de má qualidade... *
Mª João Brito de Sousa
06.02.2022 - 22.30h ***
10. *
“E faria versos de má qualidade”
Se fosse outra gente vivendo no espaço
Lá longe lá longe sem desembaraço
Sem ter qualquer jeito nem ter liberdade *
Se a vejo a rimar com todo esse à vontade
Eu não acredito só se por cansaço
Tiver de parar. Já sei é o que faço
Paro e recomeço com fraternidade *
É sobre a cegueira que a coroa versa
Vamos ao assunto mude-se a conversa
Que siga o poema por sobre esse embate *
Doutra forma penso talvez, se calhar,
Quem a ler nos venha nos possa acusar
Que em vez de coroa se faz disparate *
Custódio Montes
6.2.2022 ***
13. *
"Que em vez de coroa se faz disparate"
E em boa verdade os faço amiúde
Se meio da frase ou no seu remate
Me falha a memória ou me falta a saúde... *
A Morfeu me oponho; que não me arrebate
Prá terra dos sonhos a que agora alude,
Que a Musa, mais forte, sobre mim se abate
E exige-me garra, lucidez, virtude... *
Assim me proponho não render-me ainda
À branca cegueira que não é bem-vinda
Porquanto os tercetos não estão terminados *
E se me proponho, não torço, nem cedo!
Tropeço, gaguejo, mas num arremedo
Termino sem gralhas nem ossos quebrados *
Mª João Brito de Sousa
07.02.2022 - 00.26h
***
12. *
“Termino sem gralhas nem ossos quebrados”
Então aproveito a sua correria
Por ver no poema tamanha alegria
Que se descortina nos versos rimados *
Fomos progredindo meios ensonados
Disse que parava até vir o dia
Foi-se-lhe a cegueira enquanto eu dormia
E só se enganou nos versos numerados *
O seu é o onze sendo o meu o doze
E só faz mais um e eu farei o catorze
Termina a coroa e acaba a cegueira *
Esta sugestão que agora aqui trago
Não é novo ensaio - o do Saramago
É cá entre nós mais uma brincadeira *
Custódio Montes
7.2.2022 ***
13. *
"É cá entre nós mais uma brincadeira"
Das nossas, humanas, que sabem a pouco...
Quem dera acabasse de vez a cegueira
E o mundo dos homens não andasse louco *
Com tanta clivagem, tanta roubalheira
E mil teorias que soam a ôco...
Porém, pouco a pouco - assim Homem queira! -,
Verá quem é cego, ouvirá quem é mouco! *
Não é nova a obra, nem nova é a tela
Que há mais de vinte anos pintei para ela,
Mas o que traduz é bem contemporâneo *
E eu, meio cega, ceguinha de todo
Não estou com certeza; bem vejo esse lodo
Que aspergem - disfarçam!- com "sprays" de gerânio *
Mª João Brito de Sousa
07.02.2022 - 10.50h ***
14. *
“Que aspergem - disfarçam!- com "sprays" de gerânio”
Não tem fim a luta que há muita ganância
“Eles comem tudo” não dão importância
Engordam o corpo sem nada no crânio *
Querem mostrar graça, mas em sucedâneo
Apenas ostentam muita ignorância
Olhando à volta com a petulância
De reles amigos do seu conterrâneo *
E à volta a miséria sempre a alastrar
Sem que a gente veja que vai acabar
Tudo mesmo tudo desfeito em pó *
Labutam os homens e é só miséria
A banhar-se em vida sem rumo sem féria
“Num rio de uma gota, numa gota só” *
Custódio Montes
7.2.2022
***
Tela de René Magritte
***
publicado às 15:03
Maria João Brito de Sousa
HOJE HÁ VAGAS!
* Coroa de Sonetos *
Mª João Brito de Sousa e Laurinda Rodrigues *
1 *
No mundo dos versos nascidos de humanos
Descubro um poema que cheira a suor,
Que pode trincar-se, que fede a bolor,
Que treme de frio coberto de panos, *
Que pinga das bicas, que escorre dos canos
De esgoto da casa de um trabalhador
Que ostenta as mazelas sem qualquer pudor,
Que geme de dor, que desmente os enganos... *
No mundo dos versos dos homens reais
Se sonhos encontro, procuro bem mais
Do que fantasias com asas douradas *
E se por achá-lo todos vós me achais
Inconveniente ou rebelde demais,
Replico,"hoje há vagas"; portas arrombadas! *
Mª João Brito de Sousa
03.02.2022 - 15.45h ***
2. *
"Replico "hoje há vagas", portas arrombadas!"
Eterno retorno: as salas vazias,
Paredes sem cor, janelas fechadas,
Imenso silêncio com palavras frias... *
Procuro pelos cantos. Onde estão as fadas?
Ou apenas há monstros para nos inspirar?
Encontro-te a ti, cantando baladas
Que me fazem rir, depois de chorar. *
Quero arrebatar-me da tua loucura
que atravessa o céu nesta noite escura
onde o chamamento é apenas som. *
Se somos diferentes na mesma leitura,
Se tanto ganhamos na sorte mais escura,
A vida é um sonho mas um sonho bom! *
Laurinda Rodrigues ***
3 *
"A vida é um sonho mas um sonho bom",
Quando se acredita, quando cá no fundo
Sabemos ter dedos pra moldar o mundo
E a vontade imensa de mudar-lhe o tom *
Que asas têm penas, não só de "crepon"
Os meus versos cubro quando del`s me inundo;
Por vezes recuso, lanço um NÃO rotundo
Aos que me acenderem luzes de Néon *
Quando um outro fogo me aquece as entranhas
E Simon dedica versos às montanhas
Enquanto Garfunkel faz vibrar as notas... * *
Quem escuta o silêncio dos que não se atrevem
A afrontar os grandes que tudo lhes devem?
Sorrirão as fadas aos das roupas rotas? *
Mª João Brito de Sousa
03.02.2022 - 18.25h *
* The Sound of Silence - Paul Simon/Art Garfunkel ***
4. *
"Sorrirão as fadas aos das roupas rotas"?
Por dentro de tudo, que estranha visão:
Crateras na carne como Aljubarrotas
Ou regresso, em sonho, D. Sebastião? *
Me agarro às amarras que têm as frotas.
Navego sem norte. Regresso ao porão.
Aqui não te encontro nem sequer me notas
É o tal silêncio. Maga escuridão. *
Quem quiser saber o mistério denso
Que se avulta em mim quando te pertenço
Envolta nas sombras de um gesto parado... *
Pergunte aos desenhos escritos no lenço
Que vou oferecer-te e julgo que venço
Essa solidão que me evoca Fado. *
Laurinda Rodrigues
***
5 *
"Essa solidão que me evoca Fado"
Mas Fado não sendo, pode ser trincheira
Onde habita a Musa minha companheira
E nela a encontro (se acaso lhe agrado) *
Pois é caprichosa, há que ter cuidado!
Se vem de bom grado, toma a dianteira,
Escreve tão depressa que "vai de carreira"
C´o pouco que apenas tinha começado... *
Ela é sempre jovem, nunca teve idade,
E eu vou tropeçando na velocidade
Que ela impõe aos versos de que mais gostar *
Nem Aljubarrota nem Sebastião
Podem ser mais fortes do que as musas são
Quando se decidem a poetizar... *
Mª João Brito de Sousa
03.02.2022 - 20.08h ***
6. *
"Quando se decidem a poetisar",
Humanos caminham com outros p'la mão
Que, ao ser conscientes, fazem recordar
Como o sonho é vago e vaga a razão. *
No espelho da alma retratam a mão
Com linhas dispersas, que dão p'ra pensar,
Sobre este destino que é o nosso chão
Onde, sem escolher, temos de pisar. *
Cobertos de medo, preparam a fuga.
De olhos abertos (que o saber enxuga)
vão a caminhar para o fim da existência... *
Conhecem a voz de longe, que os suga,
Mas o som dos versos, que o vento madruga,
Será, certamente, a sua referência. *
Laurinda Rodrigues ***
7 *
"Será, certamente, a sua referência"
Tal como o será a vida que acolheram
E os passos que somam aos passos que deram,
Desde que esses passos marquem a cadência *
Porque aos passos dados soma-se a consciência
Do que vão perder e do que já perderam
E ganharam força (toda a que puderam)
Nos sons que se esmeram nessa mesma urgência... *
Se é velho, o guerreiro que andar não consegue,
Não será por isso que os passos renegue,
De outra forma avança pela mesma estrada *
E vai-se esquecendo da dor que o persegue;
Se a velhice pesa, que a Musa a carregue,
Que ela bem mais pode não podendo nada. *
Mª João Brito de Sousa
04.02.2022 - 11.15h ***
8 *
"Que ela bem mais pode não podendo nada"
Um nada que encobre o Todo da vida
Presa nos seus dedos na palma fechada
Que, em tempos de guerra, serve de guarida. *
Nessa luta inglória onde já foi ferida
mas sempre cantou a sombra, encarnada
De palavras doces mas sempre temida
Por quem não conhece pr'além da fachada... *
Retornemos ora, na luz e na paz!
Porque toda a idade mostra que é capaz
De tecer a arte e criar do Nada. *
E, em palcos humanos, em gesto tenaz,
Aceita o que é e não é capaz
Canta a despedida, cantando balada. *
Laurinda Rodrigues *
9 *
"Canta a despedida, cantando balada"
E sempre seguro, dando o seu melhor,
Quer, enquanto vivo, ver que dão valor
Ao que é construído na sua empreitada *
E do pão cozido naquela fornada
Nascerão poemas com melhor sabor,
Que um travo de raiva traz outro de amor,
Fatia a fatia, dentada a dentada *
E se o gás é caro, se o arroz escasseia,
Se o feijão não cabe onde o poema ateia
Chamas tão fugazes que se desvanecem, *
Prefiro a modesta chama da candeia
Que, sendo real, toda me incendeia
Sempre que a aproximo dos fios que me tecem. *
Mª João Brito de Sousa
04.02.2022 - 13.50h
***
10. *
"Sempre que a aproximo dos fios que me tecem",
Deixo que essa vela me encha de calor...
E as almas alheias, nesse gesto, aquecem
Relaxando o corpo à espera do amor. *
P'ra que tantos choros agora acontecem?
Não querem esperar que se acabe a dor?
Não sabes que a mente nossos erros tecem
Parecendo que são versos de amador? *
Posso dar-te pão, cozido na aldeia
Onde há forno aceso, ao ser lua cheia
e os lobos pressentem o cheiro a comer... *
Assim conjugadas em voz, numa teia,
Esperamos que alguém nos ouça ou nos leia,
Nos faça sentir, pensar ou viver. *
Laurinda Rodrigues ***
11 *
"Nos faça sentir, pensar ou viver"
Quem nada sentindo em viver pensasse
E em ventos de proa que a barca enfrentasse,
Pudesse algum sonho tomar forma e ser *
Já desmaia o dia num entardecer
Sem ter de aguardar por pintor que o pintasse
E o Sol que esmorece fica num impasse
Que a noite depressa virá resolver... *
Vão cozendo os versos que amassámos juntas
Feitos de incertezas, cheios de perguntas
Que ou terão resposta, ou nunca a terão *
Quando tudo pronto, será partilhado
Inteiro, um poema, bocado a bocado,
Que para poetas também isto é pão... *
Mª João Brito de Sousa
04.02.2022 - 17.45h ***
12. *
"Que para poetas também isto é pão"
Cheiroso, macio, para regalar
Os olhos, a boca e o coração
de quem nossos versos queira partilhar. *
Depois, esvaídas com tanta paixão,
Olhamo-nos nuas sem véus a tapar
O que fez de nós um forte cordão
Que a força do tempo não pode quebrar. *
Somos atrevidas, rebeldes, profundas
Quando assim tecemos nossos versos juntas
E, sem pretensões, abrimos caminhos... *
Na estrada há veredas que são as perguntas
Mesmo que as respostas sejam desconjuntas
Ficamos felizes: criamos os ninhos. *
Laurinda Rodrigues *
13 *
"Ficamos felizes: criamos os ninhos"
Onde haverá vagas para toda a gente
Quando esse futuro se tornar presente,
Depois de um passado crivado de espinhos *
Das mãos dos pisados, dos que estão sozinhos,
Dos muitos que lutam por algo diferente,
Nascerá um dia o que se pressente
Ser o mais humano dos nossos caminhos *
E enquanto isto escrevo, porque mais não posso,
Vai-te preparando que o poema nosso
Veio arrombar portas que estavam fechadas... *
Uma que arrombasse e que bom seria
Termos apostado nesta parceria
Que acolhe palavras rotas e suadas! *
Mª João Brito de Sousa
04.02.2022 - 29.50h ***
14. *
"Que acolhe palavras rotas e suadas"
Em vírgulas, pontos, em linhas e espaços
Onde cabem risos, choros e abraços
E a filosofia de sábias mimadas. *
Tu teimas, insistes. Ficamos caladas.
Depois, só os gestos. Os gestos em traços
de provocações feitas de embaraços
que os outros perdoam por sermos aladas. *
Memória do tempo liberto da vida
Agora suspensa, agora perdida
Pelos desencantos, pelos desenganos... *
Por muito que esqueça nunca são esquecidas:
Todos são eternos, todas são queridas
"no mundo dos versos nascidos de humanos." *
Laurinda Rodrigues ***
NOTA IMPORTANTE PARA A COMPREENSÃO DESTE LONGO TEXTO POÉTICO - O primeiro soneto desta Coroa foi inspirado no poema NÃO HÁ VAGAS , de Ferreira Gullar
publicado às 22:33
Maria João Brito de Sousa
COM OS ANOS - Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa * COROA *
1. *
Com os anos a gente nem dá conta
Um dia e mais outro lá se vão
Inverno, primavera e o verão
Às vezes mais um dia até encanta *
Contentes quando o sol vem e levanta
Os verdes anos fogem, sem travão
Enruga a pele e ama o coração
E a alma às vezes salta e se agiganta *
Somos tudo: grandeza e poder
Fraqueza, sem pensar mas a fazer
A descida da íngreme ladeira *
Seguimos o caminho sempre em frente
Às vezes sem olhar e de repente
Sem contar, vai-se tudo, a vida inteira *
Custódio Montes
31.1.2022 *
2. *
"Sem contar vai-se tudo, a vida inteira"
Se quase por inteiro foi vivida,
Mas isto que nos sobra ainda é vida
Que tenta ir convertendo a tal ladeira *
Num espaço de amizade e brincadeira
Ou mesmo numa rampa tão comprida
Que leve uns anos a ser percorrida
E a lançar-nos, por fim, na ribanceira... *
Por azar e por sorte em simultâneo
Já vi desse penhasco um sucedâneo;
Jovem - tão jovem! - da primeira vez, *
Já nada jovem, quando da segunda...
Passam os anos mas, se a sorte abunda,
Talvez se alongue a rampa... Sim, talvez! *
Mª João Brito de Sousa
31.01.2022 - 14.00h
***
3. *
“Talvez se alongue a rampa…sim, talvez”
Enquanto com saúde cá se andar
Estou no hospital a esperar
Consulta e a aguardar a minha vez *
Não tenho mau aspecto e a minha tez
Sem rugas e de aspecto regular
Ninguém descobre em mim um mal-estar
Mas tenho dor nas costas lés a lés *
Não vou ligar agora à minha queixa
E ver se a dor acaba e me deixa
Porque esquecer os males é melhor *
Enquanto cá andarmos dia a dia
Assim a gente tem mais alegria
E não nos lembra tanto a nossa dor *
Custódio Montes
31.1.2022 ***
4. *
"E não nos lembra tanto a nossa dor"
Enquanto conversamos, como agora...
Pode até ser que a sua vá embora
E, a minha, perca algum do seu ardor *
Que isto, pra mim, também não vai melhor,
E à minha tez, deitá-la-ia fora
Se outra tivesse, mais inspiradora,
Menos inchada e com menor rubor... *
Mas, meu amigo, s`isto lhe é penoso,
Não escreva porque pode ser perigoso
Esforçar-se em vez de estar a repousar! *
Não se sinta obrigado a responder...
Há-de ter muito tempo pró fazer
Quando essa lombalgia lhe passar! *
Mª João Brito de Sousa
31.01.2022 - 20.22h
***
5. *
“Quando essa lombalgia lhe passar”
Há-de ser bem melhor mas por agora
Fraqueza não se quer, que vá embora
Porque a dor não se agrava por pensar *
Até talvez melhore se calhar
Estando distraído hora a hora
E até - é o que penso - não piora *
Que a rima até nos dá para alegrar
Que bom passar o tempo, os nossos dias
Envoltos em poemas e alegrias
A rirmo-nos na vida e a meter graça *
E aos vermos no poema algum talento
Sentimos alegria no momento
E não nos custa o tempo enquanto passa *
Custódio Montes
31.1.2022 ***
6. *
"E não nos custa o tempo enquanto passa"
Porquanto a amarga dor, quase esquecida,
Sente-se desprezada e "vai à vida"
Enquanto a minha estrofe a sua enlaça *
E a sua enlaça a minha que acha graça,
Tornando-se a conversa divertida
Muito mais forte do que a dor sentida
Que, enfraquecida, já nos não trespassa... *
Com os anos, amigo, o que aprendemos!
Somos mais fortes do que a dor que temos;
Palavra com palavra, rima a rima, *
Podemos muito mais do que o expectável,
Pois trocar dor por riso, assim, saudável,
É obra! E talvez seja uma obra-prima... *
Mª João Brito de Sousa
31.01.2022 - 21.30h ***
7. *
“É obra! E talvez seja uma obra-prima…”
A minha não, a sua com certeza
E ao pé da sua a minha trina e reza
Para que puxe a minha mais pra cima *
É claro que a minha também rima
Mas a mesma riqueza não aveza
Eu tento rodeá-la de beleza
E ela à sua sombra se arrima *
Não estou a gabá-la, é verdade
Nem eu assim o digo por maldade
Digo isto de alma e coração *
A fazer as coroas foi consigo
Que aprendi e ao sentir o seu abrigo
Ganhei alguma graça e atenção *
Custódio Montes
31.1.2022 *** 8. *
"Ganhei alguma graça e atenção"
Tecendo as c`roas de que tanto gosto
Pois rasga-se um sorriso no meu rosto
Quando, ao tecê-las, me encho de paixão *
Já que são arte em plena construção
E nisso, meu amigo, sempre aposto!
Fermentou, com o tempo, o nosso mosto
Já transformado em néctar de eleição... *
Sou poeta e o poema importa assim,
Ao ponto de eu estar nele e ele em mim
Numa fusão tão pura quanto estranha *
E a si, que sei que entende o que lhe digo,
Só posso agradecer-lhe, meu amigo,
Por dar-me uma alegria tão tamanha. *
Mª João Brito de Sousa
31.01.2022 - 23.00h *** 9. *
“Por dar-me uma alegria tão tamanha”
Nos versos que escrevemos debruçados
Na tela que pintamos aos bocados
Para se ver no fim a obra ganha *
O verso dentro dela lá se entranha
Ficando todos eles irmanados
Bem juntos com sorrisos espalhados
Cada um a contar sua façanha *
A vida continua e nós a ver
Jardins de belas flores a crescer
Metidas lá no meio e a florir *
Um cravo e uma rosa ou o que for
Alheios à doença e à dor
Envoltos nessa obra a emergir *
Custódio Montes
1.2.2022
***
10. *
"Envoltos nessa obra a emergir"
Tal como emerge o Sol da noite escura,
Em rasgos de talento - ou de loucura...-
Chegam poemas pra nos redimir *
Dos anos que passaram a fugir
Pela pele engelhada de madura
E duma ou de outra dor qu`inda tortura
Por muito que a queiramos desmentir... *
Com os anos que passam, também passa
Toda a frescura, agilidade e graça
Próprias da Primavera duma vida *
E aquilo que se ganha em lucidez
Cresce c`os anos pra murchar de vez
Quando soar a hora da partida. *
Mª João Brito de Sousa
01.02.2022 - 09.40h ***
11. *
“Quando soar a hora da partida”
Nós já cá não estamos para ver
Que importa a despedida acontecer
Se só já há lembrança à despedida ? *
É curta esta passagem e a vida
É breve muito breve e o viver
Por tão curto e breve deve ser
Uma etapa de amor e bem vivida *
Os dias e as noites de passagem
A voar vão e não deixam imagem
Momentos que não vemos nem passar *
Mas depois ao olharmos de repente
Ficamos a pensar e a nossa mente
Sem tempo passa o tempo a recordar *
Custodio Montes
1.2.2022 ***
12. *
"Sem tempo passa o tempo a recordar"
Em viagem pelos anos já passados
Que assim é a memória cujos dados
Ora fazem sorrir, ora chorar... *
Pra mim, é construção este sonhar
Sem precisar de estar de olhos fechados
Que os versos vão crescendo encadeados
Naquilo que eu sentir quando pensar... *
Aproveitemos pois estes instantes
Para lembrar-nos do que fomos dantes
E melhor conhecer-nos, no presente, *
E - por que não? - com esp`rança num futuro
Que seja bem mais justo e menos duro,
Não para nós, mas para toda a gente! *
Mª João Brito de Sousa
01.02.2022 - 15.30h ***
13. *
“Não para nós, mas para toda a gente”
Que bom que se deseje a vida inteira
Haver apenas gente de primeira
Sem fome, sem miséria somente *
Com pão, tecto e futuro pela frente
E tempo para andar na brincadeira
Ter calor e conforto à lareira
Sem barreiras e ser independente *
Os anos passariam devagar
E toda a vida a gente a se lembrar
Daquilo que melhor houve na vida *
Assim, oh que beleza, era melhor
Viver até ao fim cheios de amor
E menos custaria a despedida *
Custódio Montes
1.2.2022 ***
14. *
"E menos custaria a despedida"
A quem feliz passasse pelos anos,
Sem que a pobreza lhe causasse danos,
Sem que a miséria lhe encurtasse a vida *
Fosse a riqueza bem distribuída
Por todos os que nascem dos humanos
E fossem seus direitos soberanos
A luz de uma razão jamais perdida... *
Com os anos ganhamos e perdemos,
Somos fruto daquilo que aprendemos
E enquanto jovens nada nos afronta; *
Pela vida passamos e corremos
Sem percebermos bem porque vivemos,
"Com os anos a gente nem dá conta"... *
Mª João Brito de Sousa
01.02.2021 - 17.30h ***
publicado às 17:46
Maria João Brito de Sousa
MOVER MONTANHAS * Coroa de Sonetos *
Mª João Brito de Sousa e Ró Mar * I *
Não te procurarei até que venhas
E que tragas contigo o que levaste
De mim, que te dei mais do que sonhaste,
De mim, que hoje abandonas e desdenhas *
Como se as tuas glosas fossem estranhas
Aos versos que comigo partilhaste...
Voa, então, até onde te encantaste
Ainda que voando me detenhas *
Mas se em verdade, Musa, me olvidaste,
Enquanto noutras vozes te entretenhas
Ache eu a voz da voz que em mim calaste *
E ainda que me perca se me ganhas,
É no poema que hoje me negaste
Que encontro a força pra mover montanhas. *
Mª João Brito de Sousa
19.01.2022 - 13.45h
*** II *
"Que encontro a força pra mover montanhas" E destrono a Musa feiticeira, Que de repente em manhas e artimanhas Dá volta ao miolo e traz canseira! *
Ah, como me apraz saber-me capaz De improvisar sem ter fada madrinha P'ra o toque final, tão bem que isso faz! Não sendo ingrata, também sou estrelinha! *
Venha o pôr do Sol, que eu desfilo ao lado! Haja mar altaneiro e mais natureza Para me consolar no poema amado! *
Se tiveres de novo a delicadeza De sobrevoar o meu céu estrelado Serás o luar dos meus dias de tristeza. *
© Ró Mar | 20/01/ 2022
***
III *
"Serás o luar dos meus dias de tristeza"
E o sol das minhas noites de alegria,
Mas fada não serás onde a magia
Seja maior que o pão que levo à mesa... *
Se sou plebeia, serás tu princesa
De um reino que nem sei se principia
Ou finda assim que cessa a melodia
A que vou estando noite e dia presa? *
Existirás pr`além da teoria
E serás, realmente, a chama acesa
Duma candeia que só me alumia *
Quando a palavra voa e me não pesa?
Musa, não sei que chama ardente ou fria
Soube acender em mim tanta incerteza... *
Mª João Brito de Sousa
19.01.2022 - 23.30h ***
IV * "Soube acender em mim tanta incerteza..." Por minha culpa, entreguei o coração Num dia núveo p'ra sentir firmeza Na minh' alma ao compor uma canção; *
Mas, dias não são dias, hoje sei bem O quanto tu me amaste na surdina; Se me foges é porque queres-me bem E eu sempre preciso da lamparina... *
Ah, quantas as noites o Morfeu não vem! E, o que me têm acesa noite adentro És mesmo tu: ó Musa de todos sem... *
Querubina da colina, epicentro Da retina, qual o horizonte advém Liberto, peculiar do circuncentro! *
© Ró Mar | 20/01/ 2022
***
V * "Liberto, peculiar do circuncentro(!)",
Polígono imperfeito, deus de barro,
Espiral de fumo ou cinza de cigarro
E tudo o mais que exista cá por dentro *
Quando de ti me afasto e desconcentro
E nunca sei se agarro e quando agarro...
Desse abraço improvável e bizarro
Há-de nascer a luz de um céu cruento *
Montanhas trazes dentro do teu tarro
E algumas são de ferro e de cimento
Ainda fresco ou já mostrando o sarro *
Do tempo em imparável movimento
Como se o ir e vir de um autocarro
Que não tem um motor nem traz assento *
Mª João Brito de Sousa
20.01.2021 - 11.00h ***
VI * "Que não tem um motor nem traz assento" E este carcomido, desamparado, Onde a poeira aninha no argumento Ressaltando o tempo pré-encerrado! *
Por mais que abra janelas p'ra arejar A maleita está aqui de tal forma, Que não resta dúvida a despistar Nem exclamações, tornando-se norma. *
O vai-e-vem de engrimância na escalada Ressalta, saltam os carretos, teia Premiando a permuta prá 'pousada'. *
Imagético, contudo recheia De esperança o olhar da voz calada E os dedos tremulando a ideia! *
© Ró Mar | 20/01/ 2022 ***
VII *
"E os dedos tremulando a ideia",
Movem montanhas, plantam mil florestas
E, solidários, limam as arestas
Das estrelas-do-mar na maré cheia *
Ninguém os pára, ninguém os refreia;
Nem os arqueiros com as suas bestas
Podem abrir mais que pequenas frestas
No muro de vontade que os rodeia *
E se cansados fazem suas sestas
No sal do mar, em castelos de areia,
Jamais as horas lhes serão funestas *
Que à noite hão-de ter astros para a ceia
Degustados ao som de mil orquestras
Conduzidas por uma só sereia. *
Mª João Brito de Sousa
20.01.2022 - 15.40h ***
VIII * "Conduzidas por uma só sereia" É mote de génio, que iça esta barca Cambaleante entre o mar e a candeia Na mística e aventurada matriarca; *
Protetora das ninfas Oceânides Criadora de floreado marítimo, Que ascende às excelsas efemérides, Ah, Tétis, Musa do vento Oceânico! *
Move-se a Terra e ascende-se aos Céus Neste belo pedaço mitológico Onde se faz viagens pelos ilhéus; *
Metáforas de mérito cronológico Filiadas na Lumena dos coruchéus Onde nasce o poder morfológico. *
© Ró Mar | 20/01/2022 ***
IX *
"Onde nasce o poder morfológico"
E a lógica se despe de sentido,
Surge um ardor imenso e desmedido
Como se o surrealmente fisiológico *
Nascesse, por acaso, num zoológico
E fosse um estranho sem nunca o ter sido...
Ah, quem o não teria enaltecido
Se fosse belo e sábio ou antológico? *
Vogasse a Barca num mar já rendido
Ao vírus mais letal, mais patológico
E fosse o tripulante dissolvido *
Num punhado de plâncton ideológico...
Seja este poema aceite ou proibido,
Nada do que foi escrito é escatológico! *
Mª João Brito de Sousa
20.01.2022 - 17.20h ***
X * "Nada do que foi escrito é escatológico" São meros laivos de raízes profundas Ao vocábulo impugnando o lógico Da maré, que se adivinha nas fundas! *
Assim, esvaziado o pote mágico Calcorreado vai o pensamento Ao leme dum desnorte nostálgico Implorando pelo sentimento. *
Desvanece o modo de frasear Porque escasseia a leda inspiração, Que só dotados sabem desenrolar. *
Cabe-me mover montanhas p'ra achar O dom que outrora abria o coração Num leque emotivo de fascinar! *
Ró Mar | 20/01/2022 ***
XI *
"Num leque emotivo de fascinar(!)"
Lançou ao vento um punho de sementes;
De pé ficou, cerrados os seus dentes
Que mais não tinham para mastigar *
Já que as sementes rodavam no ar
Todas seguindo rotas bem diferentes...
Que faria sem ter ingredientes
Pra pôr na mesa o pão do seu jantar? *
Por que razão tivera tais repentes
E perdera as sementes sem pensar?
O vento não devolve em pratos quentes *
Palavras acabadas de idear,
Mas pode um poema ser manjar de gentes,
Tentear-lhes a fome... e até sobrar? *
Mª João Brito de Sousa
20.01.2022 - 19.15h ***
XII * "Tentear-lhes a fome... e até sobrar" Para procriar fiapos noutra sequência Expetante que venha a melhorar O cardápio com dose de paciência. *
E, por este labirinto sequiosa Duma boa prosa escarafuncho Até aos confins, nada receosa, Embora se denote o caruncho. *
Tenha eu ainda alguns dentes molares Até ao dia de partir... hei-de sorrir, Dar dentadas nas côdeas e acenares *
Ao universo o uno verso de devir Num cear coerente de afagares Saciar famintos de estro... coexistir... *
© Ró Mar | 20/01/2022 ***
XIII *
"Saciar famintos de estro... coexistir..."
Ser verbo e carne e nervo e até ser pão
Que desse verbo nasce humano e são
Enquanto a mão da Musa o permitir *
E com dentes, ou não, saber sorrir,
Explorar a vida até à exaustão,
Escrever com toda a força da paixão,
Ser-se um vulcão que aprende a não explodir... *
Movemos a montanha, mão com mão,
E abrimos as janelas do devir
Como quem abre uma outra dimensão *
E se essa dimensão nos não servir,
Depressa mais janelas se abrirão
Sobre as montanhas que houver que subir! *
Mª João Brito de Sousa
20.01.2022 - 22.05h ***
XIV *
"Sobre as montanhas que houver que subir"
Se o fôlego falhar, basta a vontade
Que ela é quem nos traz a felicidade
E este pequeno orgulho de existir *
Que vai nascendo em quem não desistir
De ir dando quanto pode em qualidade,
Pois só assim se alcança a igualdade
E a alegria imensa de a fruir... *
Não desistas agora! Mais um passo
E um outro ainda. Nunca te detenhas
Que o teu maior troféu é o cansaço; *
Se lhe resistes, moverás montanhas...
Mas nunca esperes pelo meu abraço,
"Não te procurarei até que venhas"! *
Mª João Brito de Sousa
20.01.2022 - 22.45h ***
publicado às 10:28
Maria João Brito de Sousa
INTEMPORALIDADE * Coroa de Sonetos *
Mª João Brito de Sousa e Lourdes Mourinho Henriques
* 1. *
Aqui não há passado nem futuro;
O presente é fieira que não finda
E não tem de passar por nenhum furo
Embora a agulha disso não prescinda *
E disto estou seguro, tão seguro
Quanto de não haver ninguém que cinda
A ponta que se afasta e que conjuro
Como se o tarde cedo fosse ainda... *
Onde não há princípio nem há fim
Sou tudo e não sou nada. Este ínterim
É somente ilusão. Paradoxal? *
Talvez sim, talvez não, talvez talvez,
Já não quero saber de outros porquês;
Quem mede esta meada intemporal? *
Mª João Brito de Sousa
01.11.2021 - 10.30h ***
2. * “Quem mede esta meada intemporal?”
Alguém cujo engenho e muita arte
Pintando numa tela sem igual,
Expõe a sua alma em toda a parte. *
Alguém que seus poemas nos of’rece
Cada dia que passa, que beleza,
Qual deles o melhor, e com certeza
Que sua inspiração jamais falece! *
A Musa está presente a toda a hora,
Mas insistindo sempre, vai lutando
Contrariando a falta da visão! *
Eis Morfeu a chegar, e a João
Pára a poesia e lá vai andando
P’rós braços dos lençóis, dormir agora! *
Lourdes Mourinho Henriques
02.11.2021 ***
3. * "Prós braços dos lençóis dormir agora (!)"
Como se lá por fora a noite escura
Tentasse convencer-me de que a hora
Se tornou, de repente, mais madura... *
Irei, sim, quando a Lua tentadora
Vier falar-me da sua loucura
E, aproveitando o Sol ter-se ido embora,
Cerrar-me os olhos com toda a candura... *
Mas na verdade, minha boa amiga,
Quando esta minha Musa me castiga
E se recusa à nossa interacção *
Fico de mãos atadas. Pouco crio
Quando, não vendo a Musa, olho o vazio
Criado pela sua rebelião ***
Mª João Brito de Sousa
02.11.2021 - 15.40h
4. *
“Criado pela sua rebelião”
A todos os que escrevem, acontece,
Quantas vezes de nós ela se esquece
E nos deixa grande desilusão!
E é enorme então a frustração
Se ao pegar na caneta p’ra ‘screver
A Musa isso não deixa acontecer
Ficando assim inerte a nossa mão!
Mas eis que, de repente, ela aparece
P’ra não pensarmos que de nós se esquece
E vai-nos conduzindo p’la poesia…
Diz-nos o que ‘screver em cada verso
E o nosso pensamento, então imerso,
Vai criando poemas… que alegria! *
Lourdes Mourinho Henriques 02.11.2021 ***
5. *
"Vai criando poemas... que alegria(!)"
E que bela razão pra se estar vivo
É transformar-se o verbo em sinfonia
Sem da monotonia estar cativo! *
Começa a despontar a melodia;
Se o soneto tem tempo(s) que eu cultivo
Eu sinto-me em completa sinergia
Com estas pautas das quais me não privo. *
Mais pulsam as palavras apressadas,
Mais correm minhas mãos (dantes aladas...)
Em direcção ao fecho, à conclusão *
E este meu remendado e velho peito,
Não sabendo correr fica sem jeito
A ver se lhe não escapa o coração... *
Mª João Brito de Sousa
02.11.2021 - 23.10h ***
6. *
“A ver se lhe não escapa o coração”
Que a mente está bem viva e criadora
E vai escrevendo pelo dia fora
O que na alma vai, com emoção. *
Lembranças de quando era criança,
Memórias do tempo da ilusão,
Guardadas na gaveta da esperança
Que hoje são alento do coração! *
Mas vai sempre insistindo, não desiste,
Lindos poemas vai escrevendo… e insiste
Em manter a mente sempre ocupada. *
Por mais que isso lhe custe, persistente,
Os versos vão surgindo de repente
Deixando a nossa mente extasiada! *
Lourdes Mourinho Henriques
03.11.2021 ***
7. *
"Deixando a nossa mente extasiada",
Tão extasiada quanto o Tempo fica
Quando anda com a Musa de mão dada,
Sem saber bem o que isso significa *
Pois toda a musa é criatura alada
Que tanto o tempo pára quanto estica,
Que tudo pode sem esforçar-se nada,
Que ninguém mede e ninguém quantifica... *
Toma cuidado, ó Tempo intemporal;
Não te quer bem, a Musa, nem quer mal,
Mas é mais livre do que jamais foste *
E se não tens cuidado e te distrais
Ela puxa por ti, pede-te mais;
Tempo, não há quem uma Musa arroste! *
Maria João Brito de Sousa - 04.11.2021 - 08.30h *** 8. *
“Tempo, não há quem uma Musa arroste”
Pois ela sem esperarmos aparece
E nem que a encostemos a um poste
Ela só vem quando lhe apetece. *
Mas se a ti se aliar, a ti se encoste
Vê se lhe concedes mais um tempinho,
Não deixes que se perca, se desgoste,
Mesmo que nos visite de mansinho. *
Ah! Tempo, que nos limitas a vida
Que às vezes, é tão curta na partida
E a Musa nem nos chega a visitar… *
Não queiras ser carrasco dessa Musa
Que sempre nos visita e sem recusa
Por vezes nos ajuda a inspirar! *
Lourdes Mourinho Henriques 04.11.2021 ***
9. *
"Por vezes nos ajuda a inspirar"
E também a sorrir ela auxilia
Tal como nos ajuda a superar
As rasteiras da vida, dia a dia. *
E musas há que gostam de sonhar,
Enquanto outras preferem a magia
De construírem castelos no ar
Ou de acenderem estrelas pr`Harmonia.1) *
São tantas essas musas feiticeiras,
Quantas serão as nossas mãos obreiras
Das coisas que os seus dedos vão criando *
E quando chega a hora da partida
Parte a Musa também, que assim a vida
Por igual Musa e Gente vai tratando. *
Mª João Brito de Sousa
05.11.2021 - 08.30h
1)Harmonia- Deusa da Paz e da Concórdia na Mitologia Grega ***
10. *
“Por igual, Musa e Gente vai tratando”
P’ra ele, ambas trata por igual,
E traiçoeiro, o tempo vai passando…
Tantas vezes as leva em vendaval! *
Leva a Musa, tira-lhe a inspiração
Que trazia p’rá Gente… Foi ficando
Cativa... e a matou sem compaixão
Até que a Gente também vai levando! *
Oh! Tempo, que tanto nos magoas,
Nos roubas nossas Musas e Pessoas
Que tanto gostariam de viver! *
Não sejas tão cruel, tem compaixão,
Deixa ambas viver, dá-lhes a mão,
Só querem continuar a escrever! *
Lourdes Mourinho Henriques
05.11.2021 ***
11. *
"Só querem continuar a escrever"
Estes poetas com sonhos nas veias
Que talvez não consigas entender
Porque te afrontam com suas ideias *
Ó Tempo, nenhum mal te irão fazer!
Não sei, Tempo, não sei por que os odeias
Quando, afinal, te irão enaltecer
Ainda que o não saibas ou descreias... *
Aqui irei cessar de interceder
Por poetas e musas, que morrer
Cabe a todos os vivos, afinal. *
Só tu, ó Tempo, irás permanecer
Sempre a fluir e às vezes a correr,
Porque só tu nasceste intemporal. *
Mª João Brito de Sousa
05.11.2021 - 15.00h ***
12. *
“Porque só tu nasceste intemporal”
Só tu nos vês chegar, também partir,
Só tu nos vês lutar e bem ou mal
Nos vais acompanhando… vês-nos ir… *
Muitas vezes seguindo por caminhos
Nunca por nós sonhados, quando em quando…
Às vezes vais-nos dando uns miminhos
Mas noutras, vais-nos deixando chorando! *
A vida inteira tu nos acompanhas
Ao lado do Destino e suas manhas
Pregando quando em vez suas partidas. *
A ti, ó Tempo, que és intemporal,
Ninguém te vence e não existe mal
Que te atinja, como nas nossas vidas. *
Lourdes Mourinho Henriques
05.11.2021 ***
13. *
"Que te atinja, como nas nossas vidas",
As breves vidas que tu nos concedes,
Nem sempre alegres e bem sucedidas
E tão curtinhas face ao que tu medes *
Que se as ambicionamos mais compridas,
Compreensíveis são as nossas sedes
De ti, Tempo, que ditas as partidas,
De ti, que não as vês nem as impedes... *
Assim vamos vivendo enquanto passas
Sem dar conta das vidas que ameaças,
Nem das vidas que aqui viste nascer *
Por isso, se em verdade és Tempo/Espaço,
Seremos nós quem passa, passo a passo,
Por ti, sem te sabermos entender... *
Mª João Brito de Sousa
06.11.2021 - 10.15h ***
14. *
“Por ti, sem te sabermos entender”
Somos nós que passamos algum tempo
Numa curta viagem, sem saber
Se ela será normal… ou a destempo! *
Uns vivem longa vida, quantas vezes
Pedindo que se aproxime o seu fim,
Mas outros vão passando por revezes
E partem sem querer, sina ruim… *
Ó Tempo, tu que és intemporal
E por vezes vês por nós passar o mal
Podias poupar-nos tempo tão duro. *
Chegamos e partimos deste mundo
Que dominas, é um mistério profundo,
“Aqui não há passado nem futuro”! *
Lourdes Mourinho Henriques
06.11.2021 ***
publicado às 09:19
Maria João Brito de Sousa
SENTO-ME À JANELA *
Coroa de Sonetos *
Custódio Montes, Lourdes Mourinho Henriques e Mª João Brito de Sousa *
1. *
Sento-me à janela e olho para a porta
Atento escuto o bater do ferrolho
Abro as tuas cartas delas uma escolho
O amor nelas leio só isso me importa *
Vejo linha a linha que tudo me exorta
Voa o pensamento, lágrima no olho
Do tempo passado a imagem recolho
Espero, espero e nada me aporta *
Mas daqui não saio e o teu olhar terno
Aqui o espero por tempo eterno
Por noites e dias, o tempo que for *
De volta te sinto numa caravela
Daqui eu não saio da minha janela
Que se abra o ferrolho, vem oh meu amor *
Custódio Montes
2.11.2021 * 2. *
“Que se abra o ferrolho, vem oh meu amor”!
Com mágoa e saudade o amigo Custódio
Vertendo uma lágrima recorda, com dor,
Ao ler uma carta de amor e não ódio.
Mas eis que o passado ficou lá p’ra trás
E as cartas apenas são recordações…
Momentos vividos cheios de emoções
Que o tempo sem tempo nunca mais desfaz!
Ainda que seja ao ler uma carta
Lembrando um amor que nunca mais se aparta
Do seu coração, é assim a vida!
Recordar é viver, sentir o carinho,
Trilhando por vezes o mesmo caminho…
Ao ler uma carta que não foi esquecida! *
Lourdes Mourinho Henrirques *
3. * "Ao ler uma carta que não foi esquecida"
O passado ganha a dimensão presente
E o que era saudade passou, de repente,
A ser coisa viva, palpável, sentida... *
A leitura é chama que, reacendida,
Ilumina a vida e a alma da gente;
Sabe-o quem o escreve e sabe-o quem o sente
No corpo inocente e na alma rendida. *
O tempo não pára mas essa janela
Não vive no tempo, vive só pra ela
E para o momento em que ela há-de voltar *
Está escuro lá fora, mas brilham-lhe os olhos;
Vê estrelas brilhando em vez de ver escolhos
No papel da carta que abrira a chorar... *
Mª João Brito de Sousa
02.11.2021 - 18.30h
*** 4. *
“No papel da carta que abrira a chorar..”
Relembrou uns olhos duma claridade
Que ainda os recorda com tanta saudade
Que ao entrar na porta os quer de novo olhar *
Mas andam tão longe que tardam voltar
E eram tão lindos: era a mocidade
A força, a alegria, o carinho, a vontade
De lhe querer tanto, de tanto os amar *
Sento-me à janela fico à sua espera
Que quem muito ama nunca desespera
Mesmo que a espera se torne ilusão *
Mas relendo as cartas lembra-se o calor
Dos beijos ardentes e plenos de amor
E fica-se preso, freme o coração *
Custódio Montes
2.11.2021 *
5 . *
“E fica-se preso, freme o coração”
Como se o passado voltasse outra vez…
E serão as cartas, quem sabe, talvez
Alvo de alguns beijos cheios de emoção! *
São o testemunho de um amor feliz
Que um dia partiu e nunca mais voltou,
As boas lembranças foi o que deixou,
Também a tristeza, a vida assim quis. *
Mas ficar à espera é pura ilusão,
Enquanto se espera, sofre o coração
A mágoa contida sem remédio ter. *
E as cartas velhinhas aqui recordadas
São tudo o que resta, ficarão guardadas
Com muito carinho p’ra não as perder. *
Lourdes Mourinho Henriques
02.11.2021 ***
6. *
"Com muito carinho pra não as perder"
Guarda-as na gaveta do seu coração
Junto das saudades e do medalhão
Contendo o retrato dela, da mulher... *
Sentado à janela, já nem quer esquecer,
Já só disso vive, da recordação
Do que recebera de amor, de paixão,
Desse tanto querê-la que foi mais que qu`rer... *
E agora relendo, mais próximo está
Dessa que em palavras toda se lhe dá
Como se lhe dera nos tempos distantes *
Não fecha a janela muito embora o vento
Sopre através dela louco e turbulento
Como fora em tempos, como ele era dantes... *
Mª João Brito de Sousa
02.11.2021 - 21.30h
***
7. *
“Como noutros tempos, como ele era dantes”
Mas forte que fosse eu ia junto dela
Não havia rosa que fosse mais bela
E bastava vê-la por poucos instantes *
E ao ler a carta há imagens distantes
De caminho andado por rua ou viela
É essa lembrança que por mim apela
A paixão sentida que une os amantes *
Ponho-me à janela quero relembrar
Voltando ao passado, voltamos a amar
Estendem-se os braços e lançam-se ao vento *
Voamos no espaço, estendemos as asas
A paixão regressa pisamos as brasas
E sobre elas voa nosso pensamento *
Custódio Montes
2.11.2021 *** 8. *
“E sobre elas voa nosso pensamento”…
E tal como outrora o amor acontece,
Momentos vividos que nunca se esquece
Que são recordados, momento a momento! *
E a vida ao passar é por vezes tormento,
Mas deixa alegrias para recordar,
Momentos de vida do tempo de amar
Que ‘oje são saudade, da alma alimento! *
E nessa janela que tanto lhe diz
O amigo Custódio vai sendo feliz,
Saudoso recorda todo o seu passado. *
Que assim continue, com boa lembrança
Mesmo que a sonhar, não perca a esperança
E guarde a cartinha com muito cuidado. *
Lourdes Mourinho Henriques
03.11.2021 *** 9. *
"E guarde a cartinha com muito cuidado",
No bolso do peito onde pode ir buscá-la
A qualquer momento. Se a carta lhe fala
Ganhou-lhe o presente, vencendo o passado *
No instante preciso, à janela sentado,
No quarto de cama, na copa ou na sala,
Falará a carta, que amor não se cala
Se, em tempos vivido, ora for recordado. *
Que a velha cadeira em que agora se senta
Seja a testemunha que os versos sustenta
No pinho ou nogueira em que alguém a talhou. *
Que todos os dias a todas as horas
Lhe fale essa carta de amor e de amoras,
Dos beijos e abraços com que o cativou! *
Mª João Brito de Sousa
03.11.2021 - 14.25h ***
10. *
“Dos beijos e abraços com que o cativou”
Mas não têm cartas como eu recebidas
De amores de outrora, pessoas queridas
Ou de amores perdidos apenas eu sou ? *
Ao que tenho ouvido e alguém me informou
Também as amigas andaram perdidas
E foram amadas em tochas ardidas
Por muito amor que de certo as queimou *
Contemos a história que não a negamos
Recordamos tempos, todos nós amamos
Todos nós tivemos o nosso desejo *
Quem não teve cartas que agora não lê
Teve bem mais sorte, teve o amor ao pé
E pôde de certo enchê-lo de beijos *
Custódio Montes
3.11.2021 ***
11. *
“E pôde de certo enchê-lo de beijos”
Mas ficou mais pobre de recordações,
Nem todas as cartas são desilusões,
São troca de amor confessando os desejos.
E são essas cartas que há quem não as tenha,
Que dão o conforto, que dão a ilusão
De sentir agora a mesma paixão
Um dia sentida e que hoje a retenha.
Os altos e baixos que nos dá a vida
São provas de fogo que logo à partida
Nos vão ensinando a escolher o caminho.
Bem cedo encontrei o meu no passado
Guardei-o com ‘sprança, até que ao meu lado
Surgiu o amor que esperei, com carinho. *
Lourdes Mourinho Henriques
03.11.2021 ***
12. *
"Surgiu o amor que esperei com carinho"
Bem cedo, tão cedo que ainda que aponte
Os dias e as noites, não há quem os conte
Entre as muitas gentes que achar no caminho *
E eu que escrevia sobre pergaminho,
Que pintava as linhas de um novo horizonte
Por dentro de um rio ou atrás de uma fonte,
De amor nunca tive nem um postalzinho. *
De amor estive perto e de amores me perdi
Num tempo em que a sorte de amar descobri...
Para quê escrevê-lo se assim tão de perto *
Podia vivê-lo? Passaram-se os dias,
Os meses, os anos... surgiram magias;
Perdi-me das cartas neste desconcerto... *
Mª João Brito de Sousa
03.11.2021 - 19.00h
*** 13. *
“Perdi-me das cartas neste desconcerto”
Mas encontrei uma entre todas elas
Abri-a e li-a era das mais belas
Devagar olhei-a cada vez mais perto *
E fiquei contente de a ter aberto
Havia passagens lindas e singelas
Que me deslumbraram como luz de estrelas
Ao ler linha a linha um e outro excerto *
E tinha nos olhos a mesma esperança
Dos dias passados, agora lembrança,
Que tanto queria tornar a rever *
Recordei seus olhos e os seus cabelos
Momentos vividos tão lindos tão belos
Recuei no tempo, parei para os ter *
Custódio Montes
3.11.2021 ***
14. *
“Recuei no tempo, parei para os ter”
E tal como outrora vivi os momentos
Como se hoje fosse, tantos sentimentos,
Paixão e carinho que nos fez viver. *
Vivemos um amor que não é p’ra esquecer
Ambos percorremos um longo caminho,
Com altos e baixos, mas muito carinho
E que hoje num sonho voltei a rever. *
E junto à janela eu vejo, sem fim,
Uma longa ‘strada onde esperas por mim
Quando um dia partir, quando? Pouco importa! *
Só sei que acordei desta minha apatia
Que a ti me juntou… mas já vai longe o dia…
“Sento-me à janela e olho para a porta”. *
Lourdes Mourinho Henriques
03.11.2021
***
Reservados os direitos de autor
publicado às 08:36