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poetaporkedeusker

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UM BLOG SOBRE SONETO CLÁSSICO

Da autoria de Maria João Brito de Sousa, sócia nº 88 da Associação Portuguesa de Poetas, Membro Efectivo da Academia Virtual Sala dos Poetas e Escritores - AVSPE -, Membro da Academia Virtual de Letras (AVL) , autora no Portal CEN, e membro da Associação Desenhando Sonhos, escrito num portátil gentilmente oferecido pelos seus leitores. ...porque os poemas nascem, alimentam-se, crescem, reproduzem-se e (por vezes...) não morrem.
21
Dez22

DIAS TRISTES - Helena Fragoso e Mª João Brito de Sousa

Maria João Brito de Sousa

LÁGRIMA - 1999.jpeg

 

DIAS TRISTES
*
Coroa de Sonetos
*

Helena Fragoso e Mª João Brito de Sousa
*

1.
*

Há dias e dias na vida da gente

Uns que nos sorriem, outros que até não…

Há os que nos fazem torturas à mente…

São aos quais eu chamo de " dias de cão".…
*

Tem uns que são duros e que num repente

Emanam tristeza…nos deitam ao chão….

Até nos destroem a alma, a pureza

Só nos trazem mágoas, dor na contramão…
*

Tem dias que tudo nos parece ausente

Em que nada vibra, nada se consente…

Dias em que o mundo é mera ilusão….
*

Enfim, dias tristes em que consciente,

Nossa alma chora, sentindo latente

A saudade, as mágoas e a solidão…
*

 

Helena Fragoso
***
2
*

"A saudade, as mágoas e a solidão"

Podem, minha querida, ser tão passageiras

Quanto o são as aves, se de arribação,

Ou as altas chamas de alguma fogueira
*


Que ao fim de umas horas se consumirão

Pra deixar só cinzas brancas e poeira...

Sim, há dias tristes, há "dias de cão",

E há dias que são riso e brincadeira
*


Nesta nossa estrada, em vez de alcatrão,

Há pedras bem duras a forrar o chão

E arbustos com espinhos mesmo à nossa beira
*


Mas nós prosseguimos. Não, não foi em vão

Que continuamos nesta direcção,

Neste mundo (quase) carrossel de feira!
*


Mª João Brito de Sousa

29.11.2022 - 15.15h
***


3.
*

Neste mundo (quase) carrossel de feira

Que descompensado corre sem noção

Com dias que roubam e de que maneira

Nossa paciência e concentração...
*


Tem dias que a vida não se mostra inteira

E em que nossos passos se colam ao chão.

Dias em que os sonhos ardem na fogueira

Só restando as cinzas da desilusão…
*

E neste caminho, nesta ribanceira

Os dias que passam seguem de maneira

Que haja riso, pranto, dor e solidão…
*


Tem dias que a vida na sua cegueira

Nos deixa sem rumo, sem eira nem beira.

Perdidos nas sombras e na escuridão…
*

Helena Fragoso
***

4.
*

"Perdidos nas sombras e na escuridão"

Sem ver mais que um palmo do nosso futuro

Tornámo-nos sombras tecidas no escuro,

Quase inexistência, quase assombração...
*

 

Mas todas as sombras são a projecção

De algo consistente, volumoso e duro,

Que pode ser gente ou somente um muro

Cuja sombra é fruto... de iluminação
*


Sem luz, minha amiga, por pouca que seja

Não haverá sombra, nem quem nela esteja

Tão desiludido quanto estás agora:
*


Salta-me esse muro que, do outro lado,

Tudo está mais claro, mais iluminado

E verás que as sombras terão ido embora!
*

 

Mª João Brito de Sousa

07.12.2022 - 11.50h
***

5.
*

"E verás que as sombras terão ido embora"

Levando com elas dor e solidão

Nasce um novo dia, uma nova aurora

É um dia triste? Diria que não…
*


Um dia que corre nesse mundo afora

Formando um oásis mantendo a ilusão

Que há dias felizes e que a qualquer hora

Os dias mais tristes se transformarão
*


Ao pular o muro vi sombras lá fora

Vi dias sorrindo numa ou outra hora

Vi sombras andando pela escuridão..
*


Então ao ver tudo, voltei, vim embora,

Pensei nesses dias que vão mundo afora

Uns tristes, é certo... outros até não.
*

Helena Fragoso
*


6.
*

"Uns tristes, é certo... outros até não"

Que se nuns chorei, nos outros me ri

E entre choro e riso muito eu aprendi

Ao subir o muro da contradição:
*


Vi os que acumulam milhão a milhão

E os que moirejam não tendo pra si

Nem um pedacinho do que nalguns vi,

E vi os sem-terra junto dos sem-pão
*


Sucumbindo às bestas do nazi-fascismo

Que, por todo o mundo, escava um sujo abismo

Em que os dias - todos! - são de escravidão!
*


E pra que não seja mais do que um aviso,

Pra que sobrevivam os dias do riso,

Que nos não enganem as bestas que o são!
*

 

Mª João Brito de Sousa

09.12.2022 - 11.35h
***

7.
*

"Que nos não enganem as bestas que o são"

Ferozes selvagens sempre assim os vi…

Negando aos mais pobres a casa e o pão

Com cruéis discursos como sempre li….
*


Existe a esperança, não é ilusão…

E talvez por isso eu nunca a perdi

Tem dias sorrindo, sim, na contramão

Desses tristes dias que também vivi…
*


Tem dias risonhos que bem os senti

Que enquanto duraram amei e sorri

Mesmo que só fossem total ilusão…
*


Nos outros, nos tristes, até me perdi

Com tanta maldade como nunca vi

Fruto desta nossa civilização…
*

Helena Fragoso
*

8.
*

"Fruto desta nossa civilização"

Que ao capitalismo tanto idolatrou,

Renasce o nazismo do que del` sobrou,

Mais letal que um vírus, mais sem compaixão
*


Mas se há esp`rança ainda de lhe pôr travão,

Esses dias tristes em que a dor cravou

Punhais de aço puro nos que dizimou,

Em dias felizes se transformarão!
*


Planta a tua esp`rança companheira amiga

Para que ela em breve se transforme em espiga

E pra que da espiga nasça essoutro pão
*


Que consola a alma e conforta a barriga,

Que ora trigo loiro, ora uma cantiga,

Tanto é poesia quanto é refeição!
*

 

Mª João Brito de Sousa

13.12.2022 - 17.20h
***

9.
*

"Tanto é poesia quanto refeição,"

Que alimenta a alma, que dá cor à vida

Nesses dias tristes que sem compaixão

Tudo vai embora sem ter despedida…
*


Mas tem um momento de consolação

Em que os dias chegam sorrindo pra vida

Dias de alegria de amor de paixão

De uma liberdade por nós conseguida…
*


Aí companheira de luta de vida,

Sorriem os dias na paz que é vivida

Em nossos momentos de satisfação…
*


E os dias tristes estarão de partida

Levando tristezas retalhos de vida…

Deixando alegrias, paz no coração.
*

Helena Fragoso
***

10.
*

"Deixando alegrias, paz no coração"

Como a que hoje sinto por de novo ler-te:

Não há mais angústia que me desconcerte

Nem que a voz me tolha pra prender-me ao chão!
*


Virão alegrias, amiga, virão,

Embora eu não possa, certeira, dizer-te

Quando exactamente sorrirão ao ver-te,

Só posso afirmar-te que te sorrirão
*


E estes tristes dias que a tantos oprimem,

Serão apagados pelos que redimem

Todas as angústias e todos os prantos
*


Virão dias claros que os prantos suprimem

E enquanto aguardamos, nossos versos exprimem,

Nos sonhos de agora, a esp`rança de tantos!
*


Mª João Brito de Sousa

18.12.2022 - 15.05h
***

11.
*

Nos sonhos de agora a esprança de tantos…

Que com fé desejam a paz neste mundo…

Dias de tristeza e outros de encantos…

Faz parte da vida, verdade no fundo…
*


Nesses dias tristes, nem sabemos quantos,

Dias do fascismo, um momento imundo…

Sofreram na carne, e Deus…foram tantos…

Outros que sumiram nesse submundo…
*


Mas vamos em frente construindo a fundo

Um novo universo a bem deste mundo

Uns dias, sim, tristes, outros serão santos …
*


E mesmo algum ódio, talvez iracundo

Se transforme em sonhos em sonhos que a fundo

Serão mesmo a esprança, a esprança de tantos…
*

Helena Fragoso
***

12.
*

"Serão mesmo a esprança, a esprança de tantos"

Que de novo vêem erguer-se o nazismo

Conquanto o julgassem morto em cada abismo

Que o próprio cavara por todos os cantos
*


Foi enorme o pasmo, grandes os espantos

Que nos abalaram como um brutal sismo,

Mas de novo calmos, quebrou-se o mutismo

E entre os que resistem não cabem mais prantos
*


Não sei dizer como, nem sei dizer quando,

Mas vejo o nazismo de novo afundando

No profundo abismo que pra nós cavou
*


Não será com balas, mas será lutando

Que os que quer esmagados o irão esmagando

Até que digamos: - O monstro acabou!
*


Mª João Brito de Sousa

18.12.2022 - 19.15h
***

13.
*

"Até que digamos o monstro acabou"…

Até que tenhamos paz e liberdade…

Até derrotarmos quem nos torturou

Com ódios, com guerras, matanças, maldade….
*


Até que vejamos que o mundo mudou

Que haja novos dias de luz, claridade…

Que os dias renasçam do bem que os criou

Os dias felizes a bem da verdade…
*


Há dias e dias que a vida mudou

Com tudo o que a gente viveu e lutou

Até houve dias deixando saudade…
*


Os tais dias tristes que o vento levou

Os dias risonhos que o sol nos doou

Tristes ou risonhos … dias de verdade…
*

Helena Fragoso
***

14.
*

"Tristes ou risonhos... dias de verdade",

Dias que nos encham de amor e de paz,

Dias que nos mostrem que há gente capaz

De remir os erros desta sociedade,
*


De implantar, no mundo, a solidariedade

Com fundas raízes, não breve e fugaz,

Dando um passo em frente e, a seguir, dois atrás,

No que vai tocando à nossa liberdade...
*


Que a guerra entre os povos termine de vez!

Se aquilo que vejo é também o que vês,

Que quem sofre e paga é quem está inocente,
*


Então, companheira, que pague quem fez

De cada alegria, dor e morbidez:

"Há dias e dias na vida da gente"!
*


Mª João Brito de Sousa

21.12.2022 - 13.50h
***

 

24
Jul22

UMA LUZ - Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa

Maria João Brito de Sousa

UMA LUZ
*

Coroa de Sonetos hendecassilábicos
*

Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa
*

1.
*

Eu tenho uma luz que clareia o olhar

Que cego nasci e cego tenho andado

Mas vou-me encostando bocado a bocado

Assim prosseguindo livre e a cantar
*


Cá dentro nasceu-me este mundo sem par

Com aves voando mais o seu trinado

Um céu com estrelas muito iluminado

Os corgos correndo directos ao mar
*


A cegueira à volta não deixava ver

Cá dentro gerou-se toda a claridade

Que engrandece a vida e me faz viver
*


Com sonhos libertos que me traz a idade

Tantos afazeres dentro do meu ser

Que me enchem a vida de felicidade
*

Custódio Montes
***


2.
*

"Que me enchem a vida de felicidade",

Tanto quanto baste para qu`rer vivê-la

Sem baixar os braços, sem desistir dela

E sem erguer nela templos à saudade
*


Que o tempo não pára, pronto se me evade

Não me dando espaço para o que ergo nela...

Insisto, contudo! Não me prende a trela

Da cegueira imposta, nem da validade
*


Do meu corpo gasto, que eu não tenho idade

Se escrevo ao compasso desta liberdade:

Galopa, galopa, cavalo sem sela,
*


Vai galgando as ruas da minha cidade

Que quando te esgotes, corre uma amizade

A dar-te uma força, a abrir-te a cancela!
*


Mª João Brito de Sousa

23.07.2022 - 10.45h
***


3.
*

“A dar-te uma força, a abrir-te a cancela”

E a palavra avança segue o seu caminho

Há-de haver quem tenha por ela carinho

Já que na escrita fica sempre bela
*

 

E iluminada posta sobre a tela

Exposta em soneto dentro dum livrinho

Alegra em casa e também ao vizinho

Caminha no mundo já fora da cela
*


Em cada paragem vai ser admirada

Já que a palavra bem feita e tratada

Enriquece a história para sempre fica
*


E vai-se a cegueira que aparece luz

Traz o raciocínio, riqueza produz

E a vida prossegue cada vez mais rica
*

Custódio Montes

2.7.2022

***

4.
*

"E a vida prossegue cada vez mais bela"

Quando iluminada por essa luzinha

Que assim que se acende, connosco caminha

Ainda que sendo pequena e singela
*


Como esta que emana da chama da vela

Que derrama aromas nesta sala minha

E que sempre acendo quando estou sozinha

Ou acompanhada, escrevendo na tela...
*


Seja a luz tão sábia e tão protectora

Que, à sombra, conceda uma ou outra hora

De repouso e pausa para os nossos braços
*


Que já percorreram tantas longas milhas

Quantos, no planeta, há de atóis e de ilhas,

Dos profundos mares, milenares terraços.
*

 

Mª João Brito de Sousa

23.07.2022 - 15.15h
***


5.
*

“Dos profundos mares, milenares terraços”

Por onde se anda sempre a divagar

Ou em pensamentos ou a imaginar

Lançando poemas por esses espaços
*


Que somos poetas sem ter embaraços

Compomos palavras no vento e no mar

Com sonhos de amor porque é tão bom amar

E com amizade mandamos abraços
*


A luz que ilumina o nosso pensamento

De dentro promana e é complemento

De toda a magia que dentro irradia
*


E por cá andamos de dia e ao sol posto

Com contentamento a poetar com gosto

Canções que nos trazem enorme alegria
*


Custódio Montes

23.7.2022
***

6.
*

"Canções que nos trazem enorme alegria"

E mais um lampejo da luz que acendemos

Ao juntar os versos com que entretecemos

Uma nova c`roa, como por magia...
*


Metade amizade, metade poesia,

Já cresce a estrutura... Tanto já fizemos!

Nesta nossa barca, ninguém pousa os remos,

Nem nas horas mortas da maré vazia!
*


Mas "depressa e bem" traz sempre um senão:

Queimei o arroz que apurava ao fogão...

Paciência! Que importa s`inda lhe aproveito
*


Quanto baste para uma refeição?

Não me importo nada, garanto que não:

Sou eu quem o come, com ou sem defeito!
*

 

Mª João Brito de Sousa

23.07.2022 - 16.40h
***

7.
*

“Sou eu quem o come, com ou sem defeito”

Eu como de tudo pois tenho vontade

Não falta apetite na realidade

E com um bom copo mais eu me deleito
*


Ao vir para a mesa tudo aproveito

Sou de boa boca sem sobriedade

Como a minha parte sem dificuldade

E durmo a sesta logo que me deito
*


Se o arroz se queima acompanho com pão

Deito algum na sopa sem complicação

E com o presigo o como também
*


E para além disso, fosse eu cozinheiro

Cozia o arroz em novo braseiro

Lavando a panela de novo e bem
*

Custódio Montes

23.7.2022
***

8.
*

"Lavando a panela de novo e bem",

Braseiro não tendo, vou-me contentando

C`o fogo que tenho - eléctrico e brando -

Que, apesar de brando, esturrica também...
*


A culpa foi minha, que culpa não tem,

O pobre aparelho, de eu estar poetando

Em vez de, aprumada, o ficar vigiando,

Mexendo o "risotto" e virando o acém...
*


Da próxima vez, não vou ser descuidada,

Nem virei prá sala até estar terminada

Refeição que tenha já posto no fogo...
*


Isto afirmo agora que estou bem escaldada,

Mas dentro de dias, de novo olvidada,

Não juro cumprir esta regra do jogo...
*

 

Mª João Brito de Sousa

23.07.2022 - 17.55h

***


9.
*

“Não juro cumprir esta regra do jogo...”

Mas falhamos sempre que temos um gosto

Assim como digo, consigo aposto

Que diz isso agora mas não o faz logo
*


Faço-lhe uma aposta que aceite, lhe rogo,

Ao ter muita fome, visível no rosto,

Com o tacho ao lume com conduto posto

Vá para a cozinha e acenda o fogo
*


Com a sua pressa de me responder

Ao ver meu soneto o seu vai fazer

Indo para a sala. Quando acabar
*


Lembra-lhe a panela que deixou ao lume

Mau cheiro inala e, como de costume,

Deixou o conduto de novo queimar
*

Custódio Montes

23.7.2022
***

 

10.
*

"Deixou o conduto de novo queimar",

Diz-me com tal graça que a rir me deixou

Tanto e de tal forma que se me olvidou

Um verso oportuno que pensara usar...
*


Aceito essa aposta que, sei, vou ganhar

Já que prá cozinha, de novo, não vou:

Comerei aquilo que já se queimou,

Não corro mais riscos de o arroz "bispar"...
*


Mas onde a luzinha que connosco estava?

Dela me esqueci enquanto gargalhava,

Mas penso que ainda lhe sinto a presença...
*


Ei-la aqui tingida de cores informais,

Sorrindo às apostas concretas, banais,

Que agora fizemos... sem sombra de ofensa!
*


Mª João Brito de Sousa

23.07.2022 - 19.05h
***

11.
*

“Que agora fizemos …sem sombra de ofensa”

Mas nestas apostas falámos do assunto

Que as nossas ideias em todo o conjunto

A luz pressupõem na sua presença
*


A ideia que chega e que a gente pensa

Não é luz acesa? Isso eu lhe pergunto

E o que nós dissemos é tema adjunto

É isso que penso com sua licença
*


A gente interpreta o seu interior

Pensamos a ideia, damos-lhe valor

Falamos connosco sentimos a vida
*


Voltamos à ideia, torna-se evidente

E assim cá dentro sinto-me contente

A cegueira acaba que vai de vencida
*


Custódio Montes

23.7.2022
***

12.
*

"A cegueira acaba que vai de vencida"

E em boa verdade, tem toda a razão

Pois nascem ideias da tal reflexão

Que nos ilumina. É verdade sabida!
*


Mas a nossa cr` oa, de improviso urdida,

Requer outra garra a que chamo paixão

- talvez raciocínio que ande em foguetão... -,

Veloz como a luz a que demos guarida!
*


Assim a Paixão e a Razão, de mãos dadas,

Tornarão mais belas estas caminhadas

De versos amigos e conversadores
*


Que se entreajudam se a Musa vacila:

Bem certo é que caia uma c`roa que oscila,

Que anda aos solavancos, que nem tem valores...
*


Mª João Brito de Sousa

23.07.2022 - 21.00h
***

13.
*

“Que anda aos solavancos, que nem tem valores...”

E quer que concorde? Não sei se o faça

Que assim o fazendo ninguém leva a taça

Nem nesta coroa seremos doutores
*


E eu que pensava receber louvores

Se assim pensarmos não teremos graça

E a nossa coroa resvala em desgraça

E de ouvir teremos outros professores
*


Ao ter eu pensado ver a claridade

Na luz que me vinha dar felicidade

Afinal não soube erguer este meu canto
*


Mas revendo agora o que se escreveu

Se é mau o meu canto bonito é o seu

E ao lê-lo de novo nele encontro encanto!
*

Custódio Montes

23.7.2022
***

14.
*

"E ao lê-lo de novo nele encontro encanto",

Tal como eu encontro que aquilo que disse

Foi que, solitária, seria tolice

Criar esta c`roa, tecer-lhe este manto
*


E a dois, este pouco, transforma-se em tanto

Que os versos redobram de tagarelice

E escrevo as ideias antes que as previsse:

Isto quis dizer, isso eu lhe garanto!
*


Luminosa e estável se encontra a coroa

Que está quase pronta e que muito bem soa

Ao humano ouvido que a queira auscultar
*


E embora alguns versos se riam à toa

- tonteiras que sei que o leitor me perdoa -,

"Eu tenho uma luz que clareia o olhar" !
*

 

Mª João Brito de Sousa

23.07.2022 - 23.00h
***

ESSÊNCIA.jpg

24
Jun22

NÃO ME SAI... - Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa

Maria João Brito de Sousa

gato pinterest (1).jpg

NÃO ME SAI...
*
Coroa de Sonetos
*

Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa
*

1.
*
Não me sai cantiga que possa agradar

A voz que eu tenho só quer brincadeira

Esconde-se às vezes e, namoradeira,

Fala só baixinho, não se quer notar
*

O amor esconde-a, só pensa em amar

Não canta à segunda nem canta à primeira

Só fala baixinho sem ninguém à beira

Não se ouve por perto, não se ouve a cantar
*


Há muito que cala, não quer escrever

Devia contar e contar a valer

Porque se não canta contava uma história
*

Em parte inventada de que se gostasse

E assim fosse lida para que ficasse

Se não fosse em canto, seria em memória
*

Custódio Montes

22.6.2022
***

2.
*

"Se não fosse em canto, seria em memória",

Ou juntos, em ambos... Seria perfeito

Cantar a memória trinada a seu jeito,

Compondo-se o canto ao compasso da história
*

 

Eu, sempre que o faço, não procuro glória,

Só persigo a força que trago no peito

E tento alcançá-la escrevendo a preceito,

Sabendo, contudo, ser meta ilusória
*


Pois não me sai nunca como eu quereria:

Desafino às vezes quando a melodia

Tropeça nas ondas da banda sonora...
*


Só de quando em quando, pra meu desespero,

Sai exactamente o canto que quero

Da pauta invisível que a Musa elabora.
*

 

Mª João Brito de Sousa

22.06.2022 - 12.53h
***
3.
*

“Da pauta invisível que a musa elabora”

Mas não tenho musa sou de trás os montes

Para a alcançar passaria horizontes

E daqui me iria para aí agora
*


Fazer bem queria e de hora a hora

Ia pela estrada passaria pontes

Oh musa ajuda queria que contes

Uma história linda, sê minha editora
*


Um canto cantava se a voz me ajudasse

Se a força viesse, se não me faltasse

Mas estou doente da minha cabeça
*


O canto não surge e o conto não vem

De ajuda preciso que me ajude alguém

Eu estou à espera que a musa apareça
*

Custódio Montes

22.6.2022
***


:)

 


4.
*

"Eu estou à espera que a musa apareça",

Mas a sua Musa já pôs mãos à obra

E nela só vejo saúde de sobra:

Canta como poucas, corre bem depressa!
*


Afinal de contas, que doença é essa,

Que lhe não faz mossa e à Musa não dobra?

É mais dura a minha porque em dor me cobra,

Quando estou doente, tudo o que eu lhe peça...
*


Não me sai da mente que está enganado,

Que dessa maleita está mais que curado

Ou que a sua Musa bebeu café forte!
*


A minha, coitada, bem mais vagarosa,

Está boquiaberta porque nem na prosa

Consegue ser ágil, já não tem tal sorte...
*

 

Mª João Brito de Sousa

22.06.2022 - 14.07h
***

5.
*

“Consegue ser ágil, já não tem tal sorte…”

Diz isso da musa? tem que me explicar

Porque é que diz coisas para enganar

Se ela é vigorosa com seu alto porte
*


E a tudo responde, com belo recorte

E sempre a seu jeito sem nunca faltar

Porque é que a maltrata sem ela falhar

Como a sua dona, sua fiel consorte?
*


Toda a gente sabe que se porta bem

Escolhe as palavras melhor que ninguém

Não insulte a musa que ela não merece
*


Musa tão distinta quem a não queria

Só lhe traz vantagens e tanta alegria

E todos nós vemos como lhe obedece!
*


Custódio Montes

22.6.2022
***

6.
*

"E todos nós vemos como lhe obedece"...

Não sei se ela a mim, se muito inversamente

Sou eu quem a segue obedientemente

Sempre que ela ordena, por mais que eu tropece...
*


Se um verso me escapa, logo ela outro tece

E quando eu fraquejo, ela, eficiente,

Engendra um soneto e, assim, num repente,

Depõe-mo nos braços e desaparece...
*


Sem ela não vivo e, sem mim, não existe

A estouvada Musa que não me resiste...

Nem eu lhe resisto, mesmo que zangada
*

 

Me custe aturar-lhe caprichos, manias,

Ausências, amuos e outras avarias:

Sem Musa, confesso, não presto pra nada!
*


Mª João Brito de Sousa

22.06.2022 - 19.50h
***

7.
*

“Sem musa, confesso, não presto pra nada”

E a musa, esperta, se disso souber

Sobe-lhe a parada, ficará a ter

Pose diferente bem mais complicada
*


Então sua dona, muito atarefada

Rodeia a menina para a entreter

Anda à volta dela para a convencer

Que se a ajudar ficará afamada
*


Vai perder seu tempo, fico por aqui

Deixe lá a musa pense mais em si

Que a musa é feita com o que se escreve
*


Deve-lhe mais ela pelo que a gaba

Porque o seu talento nunca mais lhe acaba

Nada deve à musa, ela é que lhe deve
*


Custódio Montes

22.6.022
***


8.
*

"Nada deve à musa, ela é que lhe deve"

E ficamos pagas, que uma perfazemos

Nas duas metades que aqui vos trazemos

Unidas prá vida que é bela mas breve
*


Criando e escrevendo até que nos leve

O dia ou a hora na qual prescrevemos

Com tudo o que somos e tudo o que temos

Desfeito num nada, que assim se prescreve...
*


Amigo, esta Musa é pura abstracção,

Deleite, volúpia, profunda atracção

E muito do pouco de bom que há em mim:
*


Quando digo Musa, digo alma, razão,

Amor, rebeldia, raiva, compulsão,

Êxtase diante de um espanto sem fim...
*

 

Mª João Brito de Sousa

22.06.2022 - 23.00h

***

9.
*

“Êxtase diante de um espanto sem fim…”

E é isso tudo, muito mais diria

E se ela é tristeza, mais é alegria

Para a minha amiga e também para mim
*


Se a musa se inventa, pensa-se em jardim

Em campo de flores envolto em magia

Num canto à noite e ao nascer do dia

Salto em poema como em trampolim
*


Alcança-se um gosto, pinta-se uma imagem

E no seu conjunto segue uma mensagem

Criando-se um mundo mais belo e melhor
*


E neste volteio, nesta criação

Expande-se a alma e ama o coração

Num manto diáfano e de esplendor
*


Custódio Montes

22.6.2022
***

10.
*

"Num manto diáfano e de esplendor"

Que ferve e transborda de imaginação,

Tão depressa brisa quanto furacão,

Moldamos palavras e damos-lhes cor
*


Que c`roa que é c`roa exige labor

E pra nós, poetas, cumpre uma função

De espontaneísmo, quanto à confecção,

De perfeccionismo, quanto ao seu teor
*

Não me sai da ideia, nem quero que saia,

O verso que nasce, desponta e se espraia

Numa imensa c`roa que, por fim, se fecha
*


No exacto ponto em que foi começada:

Circular, perfeita, quando bem fechada

Mas, se entusiasmada, veloz como a flecha!
*

 

Mª João Brito de Sousa

23.06.2022 - 10.20h
***


11.
*

“Mas, se entusiasmada, veloz como a flecha”

Ela então canta, já corre, já voa

Já me sai da mão, um cântico entoa

E Já não se encolhe já não é lamecha
*


Agora encanta e já não se fecha

E diz o que pensa doa a quem doa

E até já crítica e nunca perdoa

Uma má palavra, simples ou complexa
*


Demos rédea solta à imaginação

Porque assim a musa já tem condição

Para dar o salto, podendo cantar
*


Andar com o vento, caminhar no mundo

Envolta em percurso mais lindo e profundo

Para ter no canto uma forma de amar
*

Custódio Montes

23.6.2022
***

12.
*

"Para ter no canto uma forma de amar"

Galopa no verso, febril, apressada,

Que assim é tecida quando apaixonada

Plos versos que engendra num simples tear
*


Não pára, uma C´roa! Pode lá parar

Se os versos que entoa por tudo e por nada

Seguem o compasso da tal galopada

Que dedos e teclas nem tentam frear?
*


Pra si, o jardim, pra mim a floresta...

Por distintos rumos seguimos em festa

E embora distantes sempre nos cruzamos
*


Que o Espaço e o Tempo, nesta imensidão,

São sempre o oposto daquilo que são

Se mudos e quedos, por vezes, ficamos...
*


Mª João Brito de Sousa

23.06.2022 - 12.35h
***
13.
*

“Se mudos e quedos, por vezes, ficamos…”

Mesmo que apeteça cantar e contar

Mas esta preguiça, este mal-estar

Em paz não nos deixa e em guerra estamos
*


Guerra da palavra pela qual lutamos

Que não vence às vezes mas sempre a lutar

Pela paz vencida mas sem se parar

Sem se ter descanso mas sempre voltamos
*


Sem voz não cantamos, então escrevemos

Porque a musa ajuda, a musa que temos

Fica para a história e para recordar
*

 

E imaginando não ficamos sós

O que nós contamos mesmo sem ter voz

Ficará escrito num estro sem par
*


Custódio Montes

23.6.2022
***

14.
*

"Ficará escrito num estro sem par"

E talvez - quem sabe? - a alguém "contamine"

Qual vírus, dos úteis, que passe e sublime

A humana angústia do extremo pesar
*


De alguém que sozinho não saiba encontrar

Palavras pr`aquilo que sente e não exprime,

Mas que um bom poema acalma ou redime

A troco de nada, por nada custar...
*


Sai-me uma cantiga das mais pensativas,

Ou outra que alegra, de notas mais vivas...

Todas as cantigas são pr`aproveitar
*


Mas se uma dor forte, mais forte que a Musa,

Me deixa prostrada, doente e confusa,

"Não me sai cantiga que possa agradar".
*

 

Mª João Brito de Sousa

23.06. 2022 - 14.45h
***

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01
Abr22

NO MEU CANTAR - Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa

Maria João Brito de Sousa

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NO MEU CANTAR
*
Coroa de Sonetos

*
Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa
*

1.
*
No meu cantar eu canto a natureza

E canto a tua luz que me alumia

E choro muitas vezes de alegria

Ao ter junto de mim tanta beleza
*

Se canto também choro essa tristeza

Que às vezes é só dela que irradia

A procura de força, de alquimia

Envolta na saudade da grandeza
*

Grandeza que eu canto ao escrever

Os marcos que não quero esquecer

E enfatizo de alma e coração
*

No meu cantar eu canto a despedida

A manta de alabastro esculpida

Castelos que recordo de paixão
*

Custodio Montes

30.3.2022
***


2.
*

"Castelos que recordo de paixão"

Que o tempo ano após ano foi cobrindo

Dos musgos e das flores que vão florindo

Sobre as muralhas da recordação
*


Que, de repente, são também refrão

Deste cantar do qual nunca prescindo,

Que arrebata e que sempre é tão bem-vindo

Quanto os castelos de ontem hoje o são...
*


Mas reluto em glosar tanta harmonia,

Tanta beleza e tanta melodia

A que não sei se posso fazer jus...
*


Os castelos que ergui foram de areia;

Não sei se mos levou a maré-cheia,

Ou se já me nem lembro onde é que os pus...
*


Mª João Brito de Sousa

30.03.2022 - 14.15h
***

3.
*

“Ou se já nem lembro onde é que os pus…”

Mas mesmo assim é bom ao me lembrar

Para os passos vividos recordar

Lembrando ao pormenor com essa luz
*


Dos choros e alegrias se deduz

Aquilo que passámos ao andar

Por cada rua, sítio e lugar

E sensações em que isso se traduz
*


Se todos nos lembramos do pior

O que mais nos alegra é o melhor

E isso encontraremos no castelo
*


Em cada canto, um gosto, uma lembrança

Que nos alegra e faz ter essa herança

Para voltar a olhar o que foi belo!
*

Custodio Montes

31.3.2022
***

4.
*

"Para voltar a olhar o que foi belo"

Basta-nos recordar, olhar pra trás

E trazer ao presente o que nos faz

Nunca deixar ruir o tal castelo
*


E tudo é tão humano e tão singelo

Que qualquer um de nós será capaz

De recriar aquilo que compraz

Este profundo e pertinente anelo...
*


Este nosso cantar faz do passado

Um presente sensível que, encantado,

Revive enquanto dura o nosso canto
*


Ninguém nos priva do que já vivemos,

Ninguém derruba os castelos que erguemos:

Pouco podemos, mas... podemos tanto!
*


Mª João Brito de Sousa

31.03.2022 - 12.30h
***


5.
*

“Pouco podemos, mas podemos tanto !”

Pois que reside em nós esse poder

De sentir o que fomos e o prazer

De o rever e sentir em cada canto
*


Buscamos no passado o encanto

De voltar ao castelo a conviver

Com todo esse nosso acontecer

Que nos serve de capa e de manto
*


Agora durmo a sesta mas respondo

E em cada verso digo e vou repondo

O que vem à lembrança e lhe digo
*


E nesta confissão não há problema

Nem se me põe aqui qualquer dilema

Porque o que aqui lhe digo é como amigo
*

Custodio Montes

31.3.2022
***

6.
*

"Porque o que aqui lhe digo é como amigo"

E eu que tendo um amigo, tudo tenho,

Bem sinto essa amizade sem tamanho

E sei que nela sempre encontro abrigo
*


Mas voltemos agora ao tempo antigo

E aos castelos que erguemos no antanho,

Pois é de um del`s que agora mesmo venho

Para melhor poder cantar consigo
*


Mas não mais com a voz que outrora tinha,

Que agora a minha voz ficou fraquinha,

Rouca e sem graça, tão sem graça agora,
*


Que nunca mais me atrevo - e com razão! -

A entoar de novo uma canção

Nem a jurar que, em tempos, fui cantora.
*


Mª João Brito de Sousa

31.03.2022 - 14.45h
***

7.
*

“Nem a jurar que, em tempos, fui cantora”

Revelação que nunca saberia

Que se ma não dissesse descobria

Sua faceta tão prometedora
*


Mas canta bem é uma professora

Com plena voz ao som da poesia

E o seu cantar é canto, é mestria

Lançada ao vento sempre a cada hora
*


Não se apoquente, nós bem o sabemos

Já porque a escutamos e a lemos

Não se lamente, escreva sempre, amiga
*

O canto tem em si música e letra

Se a voz o canta e a letra mal soletra

Sem letra o canto é mau, como a cantiga
*

Custodio Montes

31.3.2022

8.
*

"Sem letra o canto é mau, como a cantiga",

Por isso escrevo até que as mãos me doam

E amo estas palavras que em mim soam

Como uma voz possante e muito antiga...
*


Cantava em casa, sim, prá gente amiga

E tinha uma voz dessas que alto voam,

Mas há doenças que a ninguém perdoam

E a que tenho é assim que me castiga
*


Por vezes não resisto à tentação

E lá tento cantar, mas tento em vão

Porque mal se ouve a voz que ousou tentar
*


E tão desafinado é esse sopro

Que soa qual martelo sobre um escopro

Teimando em martelar, em martelar...
*


Mª João Brito de Sousa

31.03.2022 - 18.40h
***


9.
*

“Teimando em martelar, em martelar”

E teimar também teimo mas em vão

Mas não é a cantar uma canção

É antes numa letra a harmonizar
*


Que bom seria eu a interpretar

A letra que tivesse em intenção

Com música fazer composição

Seria bem famoso se calhar
*


Se tenho letras lindas como quero

Por músicas espero, desespero

Por amigo, fiel compositor
*


Havia de soar sempre o meu canto

De dia e noite sempre, sempre enquanto

Tivessem mão e voz força e calor
*

Custodio Montes

31.3.2022
***

10.
*

"Tivessem mão e voz força e calor",

Mas mão já tem e a voz bem lha conheço

Que voz como a que tem não tem um preço,

Nunca haverá quem meça um tal valor!
*


É afinada e sobra-lhe o vigor,

Esse vigor que tive e que hoje esqueço

Porque o que me sobrava no começo

Foi-se-me como nuvem de vapor...
*


Mas mesmo estando muda, enrouquecida,

Não estou de mal com esta minha vida

Porquanto a velha Musa me conforta
*


E ainda desafia a sua Musa

Para que eu não me sinta uma reclusa

Inda que se não abra a minha porta
*


Mª João Brito de Sousa

31.03.2022 - 19.50h
***

11.
*

“Inda que se não abra a minha porta”

Aos sons vindos fora a atrapalhar

Que a minha musa aqui sabe cantar

E a música de fora não me importa
*


Esse cantar da musa é que me exorta

E a mim basta-me ouvi-la e ouvir o mar

Que fico noite e dia a escutar

E num contentamento, toda absorta
*


Na vida, havendo gosto, é bom viver

A gente sonha e tem o que quiser

Moldando o tom à musa ao nosso gosto
*


Sentimo-nos alegres e contentes

A força está em nós, somos valentes,

Tudo bem espelhado em nosso rosto
*

Custodio Montes

31.3.2022
***

12.
*

"Tudo bem espelhado em nosso rosto"

E na nossa consciência esta certeza

De tão leve a sentirmos que à leveza

Nada devamos, no seu alto posto
*


Cantemos pois, amigo, que dá gosto

E bastas vezes combate a tristeza,

Este cantar que sem nos dar despesa,

Nos alegra bem mais do que um bom mosto
*


Que à sua Musa não falte energia

E que a minha a acompanhe em melodia

Enquanto o nosso ciclo aberto está
*


A hora é sempre agora e não depois

Do ciclo se fechar para nós dois,

Cantemos que o momento é sempre já!
*


Mª João Brito de Sousa

31.03.2022 - 22.00h
***

13.

*

“Cantemos que o momento é sempre já”

Cantar o que se quer em sintonia

Com gáudio, com paixão, com alegria

Que seja para nós como um maná
*


Andarmos sempre assim, melhor não há

Seguir ao nosso gosto em harmonia

Mesmo que algo nos sobre em fantasia

Andando por aqui por acolá
*


Que o amor nunca falte à nossa musa

Seja ela estrangeira ou seja lusa

Cantar aqui e além em toda a parte
*


Encontra-se no canto o que se quer

Encontros entre o homem e a mulher

Mas com toda a pureza, orlada em arte
*

Custodio Montes

31.3.2022
***

14.
*

"Mas com toda a pureza, orlada em arte"

Que assim é a amizade entre poetas

Quando se tecem c`roas tão completas

Que os seus versos repartem, parte a parte...
*


Nosso recreio e nosso baluarte,

Este Cantar suavíssimo de estetas,

Torna-se Sol e nós somos planetas

Onde a verso (im)plantou o seu estandarte
*


Olho as estrelas álgidas, serenas,

Vejo brilhar uma das mais pequenas

E a ela, por instantes, fico presa
*


Depois venho fechar o ciclo de hoje

Pra garantir que nenhum verso foge:

"No meu canto eu canto a natureza"!
*


Mª João Brito de Sousa

31.03.2022 - 23.30h

***

07
Mar22

CONVERSANDO SOBRE O TEMPO

Maria João Brito de Sousa

 

CONVERSANDO SOBRE O TEMPO
*


Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa
*

 

Chove, muda o tempo, anda tudo a mudar

Sem sol sopra o vento e vem a invernia

Vai longa a manhã é quase meio dia

Cubro o meu chapéu e saio a passear
*


Vou neste bocanho, o tempo a melhorar,

Foi-se a tempestade que tanto chovia …

Por sobre o telhado a chuva que caía!

Vou sair agora lá fora e andar
*


É assim o tempo muito sol às vezes

Chuva mas bom tempo existe em muitos meses

Andamos ao tempo ao sol ou a chover
*


Mas bendito o tempo sem a despedida

Que sem ela o tempo é tempo de vida

E que corra o tempo que tempo é viver
*


Custódio Montes

8.11.2021
*

***

Fala-me de um Tempo que é destroutro irmão,

Que comanda e rege as nossas sementeiras

E a dança das foices nas mãos das ceifeiras

Nos campos de trigo, nos templos do pão...
*


Há Sol e há Chuva nesta comunhão

Da Terra e das nuvens que são as torneiras

Das cinzentas nuvens. Riem-se as ribeiras,

Vibra a terra inteira numa comoção!
*


Cai agora a chuva sobre o chão que piso,

Vejo abrir-se a terra num largo sorriso

Que inteira me anima, que me faz sorrir
*


E quase me irmana à chuva redentora

Da sedenta fauna, da mortiça flora;

Sê bem-vinda, ó chuva que vejo cair...
*

 

Mª João Brito de Sousa

05.03.2022 - 18.00h
***

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07
Fev22

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA - Mª João Brito de Sousa e Custódio Montes

Maria João Brito de Sousa

 


ENSAIO SOBRE

A CEGUEIRA
*

Coroa de Sonetos
*

Mª João Brito de Sousa e Custódio Montes
*

1.
*

Num rio de uma gota, numa gota só,

Viriam banhar-se a mulher de vapor,

O homem sem corpo, sem suor, sem dó,

E a dor sem tamanho de quem não tem dor
*

 

De quem foi esmagado pela grande mó,

De quem foi comprado por nenhum valor

Que a realidade, se desfeita em pó,

Ao vendar-te os olhos, lança-te em torpor
*

 

E eu, inda que cega, rasgo essoutra venda

De rosada seda rematada a renda,

Entro nas fileiras da luta de classes
*

 

Que também tem sonhos, ideais concretos

Que são bem mais belos mas que estão repletos

Da crua dureza dos grandes impasses.
*

 

Mª João Brito de Sousa

05.02.2022 - 14.15h
***
2.
*

“Da crua dureza dos grandes impasses”

A luta medonha que se vai travar

Difícil será mas temos que a ganhar

Contra quem nos rouba, malditos rapaces
*


Se quando tu vias bem melhor olhasses

Agora bem vias só a recordar

Não vês o que queres mas imaginar

É mais criativo talvez te ultrapasses
*


Que o ver vem de dentro lá da nossa alma

E ao trazê-lo à luz ganhar-se-á a palma

Se o que nós dissermos for lindo ao lê-lo
*


Então nossos olhos por dentro rirão

Sentindo o poema com o coração

E mesmo não vendo vai senti-lo belo
*

Custódio Montes

6.2.2022
***

3.
*

"E mesmo não vendo vai senti-lo belo"

E talvez entenda que é mais importante

Que essoutra beleza que há no Sete-Estrelo

Por muito que seja pungente e brilhante
*

 

O "homem sem corpo" não saberá lê-lo

E a "mulher de nuvens" `stará tão distante

Que não mais verá que um ponto singelo,

Pequeno, ilegível e algo intrigante,
*


Mas o operário da escura oficina

E o mineiro em risco nos túneis da mina,

Conseguirão lê-lo, irão decifrá-lo
*

 

Sob a luz que é parca mas que os ilumina

E a vida que é dura mas que tanto ensina...

Quem os calaria se eu, cega, o não calo?
*

 

Mª João Brito de Sousa

06.02.2022 - 12.30h
***


4.
*

“Quem os calaria se eu, cega, o não calo?”

Ninguém, penso eu, o que diz é verdade

Mas eu continuo que a claridade

Tê-la sem os olhos é bem um regalo
*


Paramos às vezes tendo um intervalo

E vemos as coisas com realidade

Com gosto acrescido e mais à-vontade

Não é tudo a vista melhor é pensá-lo
*


A amiga bem sabe que ser-se pujante

Como é nos poemas de modo brilhante

É ser-se completa, uma grande artista
*


Por isso, não deixe aqui tanto lamento

Que tudo o que escreve é um monumento

Pare, não lamente ter tão pouca vista
*

Custódio Montes

6.2.2022
***

5.
*

"Pare, não lamente ter tão pouca vista";

Assim o farei porque alguma me resta

E à miséria, a essa, há quem não resista,

Que a miséria é dura, cruel e funesta
*


Mas é necessário que o tema persista

Pois é a cegueira que o tema me empresta

Pra tecer a c`roa e pra dar-me uma pista

Sobre algo que dura, que humilha, que empesta
*


O homem explorado sobre este planeta

Que tanto trabalha e tão pouco colecta;

Migalhas das mesas dos grandes senhores
*


São tudo o que sobra e as sobras não bastam

Prós tornar pessoas. Assim pouco gastam

E são humilhados os trabalhadores!
*

 

Mª João Brito de Sousa

06.02.2022 - 14.45h

 

6.
*

“E são humilhados os trabalhadores”

E os que os humilham são todos tratantes

Uns são manda-chuvas, outros governantes

Que lhes levam tudo e armam-se em doutores
*


Porque se sentissem todas essas dores

De pão não o terem nem outros sobrantes

De passarem fome e outros males restantes

Não seriam eles tão exploradores
*


Mas prendem-se muito à sua avareza

Que nunca reparam em tanta pobreza

São homens avaros de toda a maneira
*


Cegos, maltrapilhos são uma cambada

Pensam-se importantes mas não valem nada

Não vêem por perto com tanta cegueira
*

 

Custódio Montes

6.2.2022
***
7.
*

"Não vêem por perto com tanta cegueira",

Só a si se vêem contando a riqueza

Que outros produziram numa vida inteira

De trabalho duro, de extrema pobreza
*


Subindo a calçada, descendo a ladeira

De casa ao trabalho, do trabalho à mesa

Pra comer à pressa, talvez sem cadeira,

Um caldo apurado na lareira acesa...
*


E, do outro lado, é tanta a abundância

Que nem causa inveja, causa repugnância

O imenso abismo que as classes divide
*


Que sempre assim foi, dir-me-ão sorrindo

Os que estando "a meio" não o estão sentindo...

Mas o Povo, um dia, será quem decide!
*


Mª João Brito de Sousa

06.02.2022 - 17.30h

***

8.
*

“Mas o Povo, um dia, será quem decide”

O povo é cego ou então não quer ver

Prometem-lhe tudo mas já no poder

É só propaganda como o sabão Tide
*


Mesmo assim o povo no erro incide

Apenas elege quem nunca vai ter

Pena da pobreza… quer enriquecer.

É assim o povo e nunca progride
*


Vejo bem as coisas que eu não sou cego

O homem só quer alimentar seu ego

Dá pouca importância a cada irmão
*


Não pensa na fome, não vê a miséria

Só pensa no corpo e na vil matéria

Às vezes sem alma e sem coração
*

Custódio Montes

6.2.2022
***

9.
*

"Às vezes sem alma e sem coração"?

Só se ambos tiverem sido confiscados,

Que tudo nos levam (até a paixão!)

E eu, que sou povo, estou entre os visados...
*


Não falei das urnas nem da votação,

Falei dos futuros povos libertados,

Dos que já caminham nessa direcção

Inda que tropecem nos erros passados
*

Porque ao que foi escrito não retirarei

Nem uma palavra, pouco mais direi

Que o sono já pesa mais do que a vontade
*


E assim desarmada, sonolenta e tonta,

Só diria coisas de pequena monta,

Só faria versos de má qualidade...
*


Mª João Brito de Sousa

06.02.2022 - 22.30h
***


10.
*

“E faria versos de má qualidade”

Se fosse outra gente vivendo no espaço

Lá longe lá longe sem desembaraço

Sem ter qualquer jeito nem ter liberdade
*


Se a vejo a rimar com todo esse à vontade

Eu não acredito só se por cansaço

Tiver de parar. Já sei é o que faço

Paro e recomeço com fraternidade
*


É sobre a cegueira que a coroa versa

Vamos ao assunto mude-se a conversa

Que siga o poema por sobre esse embate
*


Doutra forma penso talvez, se calhar,

Quem a ler nos venha nos possa acusar

Que em vez de coroa se faz disparate
*

Custódio Montes

6.2.2022
***


13.
*

"Que em vez de coroa se faz disparate"

E em boa verdade os faço amiúde

Se meio da frase ou no seu remate

Me falha a memória ou me falta a saúde...
*


A Morfeu me oponho; que não me arrebate

Prá terra dos sonhos a que agora alude,

Que a Musa, mais forte, sobre mim se abate

E exige-me garra, lucidez, virtude...
*


Assim me proponho não render-me ainda

À branca cegueira que não é bem-vinda

Porquanto os tercetos não estão terminados
*


E se me proponho, não torço, nem cedo!

Tropeço, gaguejo, mas num arremedo

Termino sem gralhas nem ossos quebrados
*


Mª João Brito de Sousa

07.02.2022 - 00.26h

***

12.
*

“Termino sem gralhas nem ossos quebrados”

Então aproveito a sua correria

Por ver no poema tamanha alegria

Que se descortina nos versos rimados
*


Fomos progredindo meios ensonados

Disse que parava até vir o dia

Foi-se-lhe a cegueira enquanto eu dormia

E só se enganou nos versos numerados
*


O seu é o onze sendo o meu o doze

E só faz mais um e eu farei o catorze

Termina a coroa e acaba a cegueira
*

Esta sugestão que agora aqui trago

Não é novo ensaio - o do Saramago

É cá entre nós mais uma brincadeira
*

Custódio Montes

7.2.2022
***

13.
*

"É cá entre nós mais uma brincadeira"

Das nossas, humanas, que sabem a pouco...

Quem dera acabasse de vez a cegueira

E o mundo dos homens não andasse louco
*


Com tanta clivagem, tanta roubalheira

E mil teorias que soam a ôco...

Porém, pouco a pouco - assim Homem queira! -,

Verá quem é cego, ouvirá quem é mouco!
*


Não é nova a obra, nem nova é a tela

Que há mais de vinte anos pintei para ela,

Mas o que traduz é bem contemporâneo
*


E eu, meio cega, ceguinha de todo

Não estou com certeza; bem vejo esse lodo

Que aspergem - disfarçam!- com "sprays" de gerânio
*


Mª João Brito de Sousa

07.02.2022 - 10.50h
***

14.
*

“Que aspergem - disfarçam!- com "sprays" de gerânio”

Não tem fim a luta que há muita ganância

“Eles comem tudo” não dão importância

Engordam o corpo sem nada no crânio
*


Querem mostrar graça, mas em sucedâneo

Apenas ostentam muita ignorância

Olhando à volta com a petulância

De reles amigos do seu conterrâneo
*


E à volta a miséria sempre a alastrar

Sem que a gente veja que vai acabar

Tudo mesmo tudo desfeito em pó
*

 

Labutam os homens e é só miséria

A banhar-se em vida sem rumo sem féria

“Num rio de uma gota, numa gota só”
*


Custódio Montes

7.2.2022

***

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Tela de René Magritte

***

04
Fev22

HOJE HÁ VAGAS! - Mª João Brito de Sousa e Laurinda Rodrigues

Maria João Brito de Sousa

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HOJE HÁ VAGAS!

*
Coroa de Sonetos
*

Mª João Brito de Sousa e Laurinda Rodrigues
*

1
*


No mundo dos versos nascidos de humanos

Descubro um poema que cheira a suor,

Que pode trincar-se, que fede a bolor,

Que treme de frio coberto de panos,
*

 

Que pinga das bicas, que escorre dos canos

De esgoto da casa de um trabalhador

Que ostenta as mazelas sem qualquer pudor,

Que geme de dor, que desmente os enganos...
*

 

No mundo dos versos dos homens reais

Se sonhos encontro, procuro bem mais

Do que fantasias com asas douradas
*

 

E se por achá-lo todos vós me achais

Inconveniente ou rebelde demais,

Replico,"hoje há vagas"; portas arrombadas!
*

 

Mª João Brito de Sousa

03.02.2022 - 15.45h
***

2.
*

"Replico "hoje há vagas", portas arrombadas!"

Eterno retorno: as salas vazias,

Paredes sem cor, janelas fechadas,

Imenso silêncio com palavras frias...
*


Procuro pelos cantos. Onde estão as fadas?

Ou apenas há monstros para nos inspirar?

Encontro-te a ti, cantando baladas

Que me fazem rir, depois de chorar.
*


Quero arrebatar-me da tua loucura

que atravessa o céu nesta noite escura

onde o chamamento é apenas som.
*


Se somos diferentes na mesma leitura,

Se tanto ganhamos na sorte mais escura,

A vida é um sonho mas um sonho bom!
*


Laurinda Rodrigues
***

3
*

"A vida é um sonho mas um sonho bom",

Quando se acredita, quando cá no fundo

Sabemos ter dedos pra moldar o mundo

E a vontade imensa de mudar-lhe o tom
*


Que asas têm penas, não só de "crepon"

Os meus versos cubro quando del`s me inundo;

Por vezes recuso, lanço um NÃO rotundo

Aos que me acenderem luzes de Néon
*

 

Quando um outro fogo me aquece as entranhas

E Simon dedica versos às montanhas

Enquanto Garfunkel faz vibrar as notas... *
*

 

Quem escuta o silêncio dos que não se atrevem

A afrontar os grandes que tudo lhes devem?

Sorrirão as fadas aos das roupas rotas?
*

 

Mª João Brito de Sousa

03.02.2022 - 18.25h
*

* The Sound of Silence - Paul Simon/Art Garfunkel
***

4.
*

"Sorrirão as fadas aos das roupas rotas"?

Por dentro de tudo, que estranha visão:

Crateras na carne como Aljubarrotas

Ou regresso, em sonho, D. Sebastião?
*


Me agarro às amarras que têm as frotas.

Navego sem norte. Regresso ao porão.

Aqui não te encontro nem sequer me notas

É o tal silêncio. Maga escuridão.
*


Quem quiser saber o mistério denso

Que se avulta em mim quando te pertenço

Envolta nas sombras de um gesto parado...
*


Pergunte aos desenhos escritos no lenço

Que vou oferecer-te e julgo que venço

Essa solidão que me evoca Fado.
*


Laurinda Rodrigues

***

5
*

"Essa solidão que me evoca Fado"

Mas Fado não sendo, pode ser trincheira

Onde habita a Musa minha companheira

E nela a encontro (se acaso lhe agrado)
*


Pois é caprichosa, há que ter cuidado!

Se vem de bom grado, toma a dianteira,

Escreve tão depressa que "vai de carreira"

C´o pouco que apenas tinha começado...
*


Ela é sempre jovem, nunca teve idade,

E eu vou tropeçando na velocidade

Que ela impõe aos versos de que mais gostar
*

 

Nem Aljubarrota nem Sebastião

Podem ser mais fortes do que as musas são

Quando se decidem a poetizar...
*

 

Mª João Brito de Sousa

03.02.2022 - 20.08h
***

6.
*

"Quando se decidem a poetisar",

Humanos caminham com outros p'la mão

Que, ao ser conscientes, fazem recordar

Como o sonho é vago e vaga a razão.
*


No espelho da alma retratam a mão

Com linhas dispersas, que dão p'ra pensar,

Sobre este destino que é o nosso chão

Onde, sem escolher, temos de pisar.
*


Cobertos de medo, preparam a fuga.

De olhos abertos (que o saber enxuga)

vão a caminhar para o fim da existência...
*


Conhecem a voz de longe, que os suga,

Mas o som dos versos, que o vento madruga,

Será, certamente, a sua referência.
*


Laurinda Rodrigues
***

7
*

"Será, certamente, a sua referência"

Tal como o será a vida que acolheram

E os passos que somam aos passos que deram,

Desde que esses passos marquem a cadência
*


Porque aos passos dados soma-se a consciência

Do que vão perder e do que já perderam

E ganharam força (toda a que puderam)

Nos sons que se esmeram nessa mesma urgência...
*


Se é velho, o guerreiro que andar não consegue,

Não será por isso que os passos renegue,

De outra forma avança pela mesma estrada
*


E vai-se esquecendo da dor que o persegue;

Se a velhice pesa, que a Musa a carregue,

Que ela bem mais pode não podendo nada.
*

 

Mª João Brito de Sousa

04.02.2022 - 11.15h
***

8
*

"Que ela bem mais pode não podendo nada"

Um nada que encobre o Todo da vida

Presa nos seus dedos na palma fechada

Que, em tempos de guerra, serve de guarida.
*


Nessa luta inglória onde já foi ferida

mas sempre cantou a sombra, encarnada

De palavras doces mas sempre temida

Por quem não conhece pr'além da fachada...
*


Retornemos ora, na luz e na paz!

Porque toda a idade mostra que é capaz

De tecer a arte e criar do Nada.
*


E, em palcos humanos, em gesto tenaz,

Aceita o que é e não é capaz

Canta a despedida, cantando balada.
*


Laurinda Rodrigues
*

9
*

"Canta a despedida, cantando balada"

E sempre seguro, dando o seu melhor,

Quer, enquanto vivo, ver que dão valor

Ao que é construído na sua empreitada
*


E do pão cozido naquela fornada

Nascerão poemas com melhor sabor,

Que um travo de raiva traz outro de amor,

Fatia a fatia, dentada a dentada
*

 

E se o gás é caro, se o arroz escasseia,

Se o feijão não cabe onde o poema ateia

Chamas tão fugazes que se desvanecem,
*

 

Prefiro a modesta chama da candeia

Que, sendo real, toda me incendeia

Sempre que a aproximo dos fios que me tecem.
*

 

Mª João Brito de Sousa

04.02.2022 - 13.50h

***

10.
*

"Sempre que a aproximo dos fios que me tecem",

Deixo que essa vela me encha de calor...

E as almas alheias, nesse gesto, aquecem

Relaxando o corpo à espera do amor.
*


P'ra que tantos choros agora acontecem?

Não querem esperar que se acabe a dor?

Não sabes que a mente nossos erros tecem

Parecendo que são versos de amador?
*


Posso dar-te pão, cozido na aldeia

Onde há forno aceso, ao ser lua cheia

e os lobos pressentem o cheiro a comer...
*


Assim conjugadas em voz, numa teia,

Esperamos que alguém nos ouça ou nos leia,

Nos faça sentir, pensar ou viver.
*

Laurinda Rodrigues
***

11
*

"Nos faça sentir, pensar ou viver"

Quem nada sentindo em viver pensasse

E em ventos de proa que a barca enfrentasse,

Pudesse algum sonho tomar forma e ser
*


Já desmaia o dia num entardecer

Sem ter de aguardar por pintor que o pintasse

E o Sol que esmorece fica num impasse

Que a noite depressa virá resolver...
*

 

Vão cozendo os versos que amassámos juntas

Feitos de incertezas, cheios de perguntas

Que ou terão resposta, ou nunca a terão
*

 

Quando tudo pronto, será partilhado

Inteiro, um poema, bocado a bocado,

Que para poetas também isto é pão...
*

 

Mª João Brito de Sousa

04.02.2022 - 17.45h
***

12.
*

"Que para poetas também isto é pão"

Cheiroso, macio, para regalar

Os olhos, a boca e o coração

de quem nossos versos queira partilhar.
*


Depois, esvaídas com tanta paixão,

Olhamo-nos nuas sem véus a tapar

O que fez de nós um forte cordão

Que a força do tempo não pode quebrar.
*


Somos atrevidas, rebeldes, profundas

Quando assim tecemos nossos versos juntas

E, sem pretensões, abrimos caminhos...
*


Na estrada há veredas que são as perguntas

Mesmo que as respostas sejam desconjuntas

Ficamos felizes: criamos os ninhos.
*


Laurinda Rodrigues
*

13
*

"Ficamos felizes: criamos os ninhos"

Onde haverá vagas para toda a gente

Quando esse futuro se tornar presente,

Depois de um passado crivado de espinhos
*


Das mãos dos pisados, dos que estão sozinhos,

Dos muitos que lutam por algo diferente,

Nascerá um dia o que se pressente

Ser o mais humano dos nossos caminhos
*


E enquanto isto escrevo, porque mais não posso,

Vai-te preparando que o poema nosso

Veio arrombar portas que estavam fechadas...
*

 

Uma que arrombasse e que bom seria

Termos apostado nesta parceria

Que acolhe palavras rotas e suadas!
*

 

Mª João Brito de Sousa

04.02.2022 - 29.50h
***

14.
*

"Que acolhe palavras rotas e suadas"

Em vírgulas, pontos, em linhas e espaços

Onde cabem risos, choros e abraços

E a filosofia de sábias mimadas.
*


Tu teimas, insistes. Ficamos caladas.

Depois, só os gestos. Os gestos em traços

de provocações feitas de embaraços

que os outros perdoam por sermos aladas.
*


Memória do tempo liberto da vida

Agora suspensa, agora perdida

Pelos desencantos, pelos desenganos...
*


Por muito que esqueça nunca são esquecidas:

Todos são eternos, todas são queridas

"no mundo dos versos nascidos de humanos."
*


Laurinda Rodrigues
***

NOTA IMPORTANTE PARA A COMPREENSÃO DESTE LONGO TEXTO POÉTICO - O primeiro soneto desta Coroa foi inspirado no poema NÃO HÁ VAGAS, de Ferreira Gullar

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

01
Fev22

COM OS ANOS - Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa

Maria João Brito de Sousa

eu e Pedrito.jpg

COM OS ANOS - Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa
*
COROA
*

1.
*

Com os anos a gente nem dá conta

Um dia e mais outro lá se vão

Inverno, primavera e o verão

Às vezes mais um dia até encanta
*

Contentes quando o sol vem e levanta

Os verdes anos fogem, sem travão

Enruga a pele e ama o coração

E a alma às vezes salta e se agiganta
*

Somos tudo: grandeza e poder

Fraqueza, sem pensar mas a fazer

A descida da íngreme ladeira
*


Seguimos o caminho sempre em frente

Às vezes sem olhar e de repente

Sem contar, vai-se tudo, a vida inteira
*


Custódio Montes

31.1.2022
*

2.
*

"Sem contar vai-se tudo, a vida inteira"

Se quase por inteiro foi vivida,

Mas isto que nos sobra ainda é vida

Que tenta ir convertendo a tal ladeira
*


Num espaço de amizade e brincadeira

Ou mesmo numa rampa tão comprida

Que leve uns anos a ser percorrida

E a lançar-nos, por fim, na ribanceira...
*


Por azar e por sorte em simultâneo

Já vi desse penhasco um sucedâneo;

Jovem - tão jovem! - da primeira vez,
*


Já nada jovem, quando da segunda...

Passam os anos mas, se a sorte abunda,

Talvez se alongue a rampa... Sim, talvez!
*


Mª João Brito de Sousa

31.01.2022 - 14.00h

***


3.
*

“Talvez se alongue a rampa…sim, talvez”

Enquanto com saúde cá se andar

Estou no hospital a esperar

Consulta e a aguardar a minha vez
*


Não tenho mau aspecto e a minha tez

Sem rugas e de aspecto regular

Ninguém descobre em mim um mal-estar

Mas tenho dor nas costas lés a lés
*


Não vou ligar agora à minha queixa

E ver se a dor acaba e me deixa

Porque esquecer os males é melhor
*


Enquanto cá andarmos dia a dia

Assim a gente tem mais alegria

E não nos lembra tanto a nossa dor
*

Custódio Montes

31.1.2022
***

4.
*

"E não nos lembra tanto a nossa dor"

Enquanto conversamos, como agora...

Pode até ser que a sua vá embora

E, a minha, perca algum do seu ardor
*


Que isto, pra mim, também não vai melhor,

E à minha tez, deitá-la-ia fora

Se outra tivesse, mais inspiradora,

Menos inchada e com menor rubor...
*


Mas, meu amigo, s`isto lhe é penoso,

Não escreva porque pode ser perigoso

Esforçar-se em vez de estar a repousar!
*


Não se sinta obrigado a responder...

Há-de ter muito tempo pró fazer

Quando essa lombalgia lhe passar!
*

 

Mª João Brito de Sousa

31.01.2022 - 20.22h

***

5.
*

“Quando essa lombalgia lhe passar”

Há-de ser bem melhor mas por agora

Fraqueza não se quer, que vá embora

Porque a dor não se agrava por pensar
*


Até talvez melhore se calhar

Estando distraído hora a hora

E até - é o que penso - não piora
*

Que a rima até nos dá para alegrar

Que bom passar o tempo, os nossos dias

Envoltos em poemas e alegrias

A rirmo-nos na vida e a meter graça
*

E aos vermos no poema algum talento

Sentimos alegria no momento

E não nos custa o tempo enquanto passa
*

Custódio Montes

31.1.2022
***

6.
*

"E não nos custa o tempo enquanto passa"

Porquanto a amarga dor, quase esquecida,

Sente-se desprezada e "vai à vida"

Enquanto a minha estrofe a sua enlaça
*


E a sua enlaça a minha que acha graça,

Tornando-se a conversa divertida

Muito mais forte do que a dor sentida

Que, enfraquecida, já nos não trespassa...
*


Com os anos, amigo, o que aprendemos!

Somos mais fortes do que a dor que temos;

Palavra com palavra, rima a rima,
*

Podemos muito mais do que o expectável,

Pois trocar dor por riso, assim, saudável,

É obra! E talvez seja uma obra-prima...
*


Mª João Brito de Sousa

31.01.2022 - 21.30h
***

7.
*

“É obra! E talvez seja uma obra-prima…”

A minha não, a sua com certeza

E ao pé da sua a minha trina e reza

Para que puxe a minha mais pra cima
*


É claro que a minha também rima

Mas a mesma riqueza não aveza

Eu tento rodeá-la de beleza

E ela à sua sombra se arrima
*

Não estou a gabá-la, é verdade

Nem eu assim o digo por maldade

Digo isto de alma e coração
*

A fazer as coroas foi consigo

Que aprendi e ao sentir o seu abrigo

Ganhei alguma graça e atenção
*


Custódio Montes

31.1.2022
***
8.
*

"Ganhei alguma graça e atenção"

Tecendo as c`roas de que tanto gosto

Pois rasga-se um sorriso no meu rosto

Quando, ao tecê-las, me encho de paixão
*


Já que são arte em plena construção

E nisso, meu amigo, sempre aposto!

Fermentou, com o tempo, o nosso mosto

Já transformado em néctar de eleição...
*


Sou poeta e o poema importa assim,

Ao ponto de eu estar nele e ele em mim

Numa fusão tão pura quanto estranha
*


E a si, que sei que entende o que lhe digo,

Só posso agradecer-lhe, meu amigo,

Por dar-me uma alegria tão tamanha.
*

 

Mª João Brito de Sousa

31.01.2022 - 23.00h
***
9.
*

“Por dar-me uma alegria tão tamanha”

Nos versos que escrevemos debruçados

Na tela que pintamos aos bocados

Para se ver no fim a obra ganha
*

O verso dentro dela lá se entranha

Ficando todos eles irmanados

Bem juntos com sorrisos espalhados

Cada um a contar sua façanha
*

A vida continua e nós a ver

Jardins de belas flores a crescer

Metidas lá no meio e a florir
*


Um cravo e uma rosa ou o que for

Alheios à doença e à dor

Envoltos nessa obra a emergir
*


Custódio Montes

1.2.2022

***

10.
*

"Envoltos nessa obra a emergir"

Tal como emerge o Sol da noite escura,

Em rasgos de talento - ou de loucura...-

Chegam poemas pra nos redimir
*


Dos anos que passaram a fugir

Pela pele engelhada de madura

E duma ou de outra dor qu`inda tortura

Por muito que a queiramos desmentir...
*


Com os anos que passam, também passa

Toda a frescura, agilidade e graça

Próprias da Primavera duma vida
*


E aquilo que se ganha em lucidez

Cresce c`os anos pra murchar de vez

Quando soar a hora da partida.
*

 

Mª João Brito de Sousa

01.02.2022 - 09.40h
***

11.
*

“Quando soar a hora da partida”

Nós já cá não estamos para ver

Que importa a despedida acontecer

Se só já há lembrança à despedida ?
*


É curta esta passagem e a vida

É breve muito breve e o viver

Por tão curto e breve deve ser

Uma etapa de amor e bem vivida
*


Os dias e as noites de passagem

A voar vão e não deixam imagem

Momentos que não vemos nem passar
*

Mas depois ao olharmos de repente

Ficamos a pensar e a nossa mente

Sem tempo passa o tempo a recordar
*


Custodio Montes

1.2.2022

***

12.
*

"Sem tempo passa o tempo a recordar"

Em viagem pelos anos já passados

Que assim é a memória cujos dados

Ora fazem sorrir, ora chorar...
*

 

Pra mim, é construção este sonhar

Sem precisar de estar de olhos fechados

Que os versos vão crescendo encadeados

Naquilo que eu sentir quando pensar...
*


Aproveitemos pois estes instantes

Para lembrar-nos do que fomos dantes

E melhor conhecer-nos, no presente,
*


E - por que não? - com esp`rança num futuro

Que seja bem mais justo e menos duro,

Não para nós, mas para toda a gente!
*

 

Mª João Brito de Sousa

01.02.2022 - 15.30h
***

13.
*

“Não para nós, mas para toda a gente”

Que bom que se deseje a vida inteira

Haver apenas gente de primeira

Sem fome, sem miséria somente
*


Com pão, tecto e futuro pela frente

E tempo para andar na brincadeira

Ter calor e conforto à lareira

Sem barreiras e ser independente
*


Os anos passariam devagar

E toda a vida a gente a se lembrar

Daquilo que melhor houve na vida
*


Assim, oh que beleza, era melhor

Viver até ao fim cheios de amor

E menos custaria a despedida
*

Custódio Montes

1.2.2022
***

14.
*

"E menos custaria a despedida"

A quem feliz passasse pelos anos,

Sem que a pobreza lhe causasse danos,

Sem que a miséria lhe encurtasse a vida
*


Fosse a riqueza bem distribuída

Por todos os que nascem dos humanos

E fossem seus direitos soberanos

A luz de uma razão jamais perdida...
*


Com os anos ganhamos e perdemos,

Somos fruto daquilo que aprendemos

E enquanto jovens nada nos afronta;
*

 

Pela vida passamos e corremos

Sem percebermos bem porque vivemos,

"Com os anos a gente nem dá conta"...
*

 

Mª João Brito de Sousa

01.02.2021 - 17.30h
***

21
Jan22

MOVER MONTANHAS - Coroa de Sonetos - Mª João B. Sousa e Ró Mar

Maria João Brito de Sousa

Mátria.jpg

MOVER MONTANHAS
*
Coroa de Sonetos
*

Mª João Brito de Sousa e Ró Mar
*
I
*

Não te procurarei até que venhas

E que tragas contigo o que levaste

De mim, que te dei mais do que sonhaste,

De mim, que hoje abandonas e desdenhas
*


Como se as tuas glosas fossem estranhas

Aos versos que comigo partilhaste...

Voa, então, até onde te encantaste

Ainda que voando me detenhas
*


Mas se em verdade, Musa, me olvidaste,

Enquanto noutras vozes te entretenhas

Ache eu a voz da voz que em mim calaste
*


E ainda que me perca se me ganhas,

É no poema que hoje me negaste

Que encontro a força pra mover montanhas.
*


Mª João Brito de Sousa

19.01.2022 - 13.45h

***
II
*

"Que encontro a força pra mover montanhas"
E destrono a Musa feiticeira,
Que de repente em manhas e artimanhas
Dá volta ao miolo e traz canseira!
*

Ah, como me apraz saber-me capaz
De improvisar sem ter fada madrinha
P'ra o toque final, tão bem que isso faz!
Não sendo ingrata, também sou estrelinha!
*

Venha o pôr do Sol, que eu desfilo ao lado!
Haja mar altaneiro e mais natureza
Para me consolar no poema amado!
*

Se tiveres de novo a delicadeza
De sobrevoar o meu céu estrelado
Serás o luar dos meus dias de tristeza.
*

© Ró Mar | 20/01/ 2022

***

III
*

"Serás o luar dos meus dias de tristeza"

E o sol das minhas noites de alegria,

Mas fada não serás onde a magia

Seja maior que o pão que levo à mesa...
*


Se sou plebeia, serás tu princesa

De um reino que nem sei se principia

Ou finda assim que cessa a melodia

A que vou estando noite e dia presa?
*


Existirás pr`além da teoria

E serás, realmente, a chama acesa

Duma candeia que só me alumia
*


Quando a palavra voa e me não pesa?

Musa, não sei que chama ardente ou fria

Soube acender em mim tanta incerteza...
*


Mª João Brito de Sousa


19.01.2022 - 23.30h
***

IV
*
"Soube acender em mim tanta incerteza..."
Por minha culpa, entreguei o coração
Num dia núveo p'ra sentir firmeza
Na minh' alma ao compor uma canção;
*

Mas, dias não são dias, hoje sei bem
O quanto tu me amaste na surdina;
Se me foges é porque queres-me bem
E eu sempre preciso da lamparina...
*

Ah, quantas as noites o Morfeu não vem!
E, o que me têm acesa noite adentro
És mesmo tu: ó Musa de todos sem...
*

Querubina da colina, epicentro
Da retina, qual o horizonte advém
Liberto, peculiar do circuncentro!
*

© Ró Mar | 20/01/ 2022

***

V
*
"Liberto, peculiar do circuncentro(!)",

Polígono imperfeito, deus de barro,

Espiral de fumo ou cinza de cigarro

E tudo o mais que exista cá por dentro
*


Quando de ti me afasto e desconcentro

E nunca sei se agarro e quando agarro...

Desse abraço improvável e bizarro

Há-de nascer a luz de um céu cruento
*


Montanhas trazes dentro do teu tarro

E algumas são de ferro e de cimento

Ainda fresco ou já mostrando o sarro
*


Do tempo em imparável movimento

Como se o ir e vir de um autocarro

Que não tem um motor nem traz assento
*


Mª João Brito de Sousa

20.01.2021 - 11.00h
***

VI
*
"Que não tem um motor nem traz assento"
E este carcomido, desamparado,
Onde a poeira aninha no argumento
Ressaltando o tempo pré-encerrado!
*

Por mais que abra janelas p'ra arejar
A maleita está aqui de tal forma,
Que não resta dúvida a despistar
Nem exclamações, tornando-se norma.
*

O vai-e-vem de engrimância na escalada
Ressalta, saltam os carretos, teia
Premiando a permuta prá 'pousada'.
*

Imagético, contudo recheia
De esperança o olhar da voz calada
E os dedos tremulando a ideia!
*

© Ró Mar | 20/01/ 2022
***

VII
*

"E os dedos tremulando a ideia",

Movem montanhas, plantam mil florestas

E, solidários, limam as arestas

Das estrelas-do-mar na maré cheia
*


Ninguém os pára, ninguém os refreia;

Nem os arqueiros com as suas bestas

Podem abrir mais que pequenas frestas

No muro de vontade que os rodeia
*

E se cansados fazem suas sestas

No sal do mar, em castelos de areia,

Jamais as horas lhes serão funestas
*


Que à noite hão-de ter astros para a ceia

Degustados ao som de mil orquestras

Conduzidas por uma só sereia.
*


Mª João Brito de Sousa

20.01.2022 - 15.40h
***

VIII
*
"Conduzidas por uma só sereia"
É mote de génio, que iça esta barca
Cambaleante entre o mar e a candeia
Na mística e aventurada matriarca;
*

Protetora das ninfas Oceânides
Criadora de floreado marítimo,
Que ascende às excelsas efemérides,
Ah, Tétis, Musa do vento Oceânico!
*

Move-se a Terra e ascende-se aos Céus
Neste belo pedaço mitológico
Onde se faz viagens pelos ilhéus;
*

Metáforas de mérito cronológico
Filiadas na Lumena dos coruchéus
Onde nasce o poder morfológico.
*

© Ró Mar | 20/01/2022
***

IX
*

"Onde nasce o poder morfológico"

E a lógica se despe de sentido,

Surge um ardor imenso e desmedido

Como se o surrealmente fisiológico
*


Nascesse, por acaso, num zoológico

E fosse um estranho sem nunca o ter sido...

Ah, quem o não teria enaltecido

Se fosse belo e sábio ou antológico?
*


Vogasse a Barca num mar já rendido

Ao vírus mais letal, mais patológico

E fosse o tripulante dissolvido
*


Num punhado de plâncton ideológico...

Seja este poema aceite ou proibido,

Nada do que foi escrito é escatológico!
*

 

Mª João Brito de Sousa

20.01.2022 - 17.20h
***

X
*
"Nada do que foi escrito é escatológico"
São meros laivos de raízes profundas
Ao vocábulo impugnando o lógico
Da maré, que se adivinha nas fundas!
*

Assim, esvaziado o pote mágico
Calcorreado vai o pensamento
Ao leme dum desnorte nostálgico
Implorando pelo sentimento.
*

Desvanece o modo de frasear
Porque escasseia a leda inspiração,
Que só dotados sabem desenrolar.
*

Cabe-me mover montanhas p'ra achar
O dom que outrora abria o coração
Num leque emotivo de fascinar!
*

Ró Mar | 20/01/2022
***

XI
*

"Num leque emotivo de fascinar(!)"

Lançou ao vento um punho de sementes;

De pé ficou, cerrados os seus dentes

Que mais não tinham para mastigar
*


Já que as sementes rodavam no ar

Todas seguindo rotas bem diferentes...

Que faria sem ter ingredientes

Pra pôr na mesa o pão do seu jantar?
*


Por que razão tivera tais repentes

E perdera as sementes sem pensar?

O vento não devolve em pratos quentes
*


Palavras acabadas de idear,

Mas pode um poema ser manjar de gentes,

Tentear-lhes a fome... e até sobrar?
*


Mª João Brito de Sousa

20.01.2022 - 19.15h
***

XII
*
"Tentear-lhes a fome... e até sobrar"
Para procriar fiapos noutra sequência
Expetante que venha a melhorar
O cardápio com dose de paciência.
*

E, por este labirinto sequiosa
Duma boa prosa escarafuncho
Até aos confins, nada receosa,
Embora se denote o caruncho.
*

Tenha eu ainda alguns dentes molares
Até ao dia de partir... hei-de sorrir,
Dar dentadas nas côdeas e acenares
*

Ao universo o uno verso de devir
Num cear coerente de afagares
Saciar famintos de estro... coexistir...
*

© Ró Mar | 20/01/2022
***

XIII
*

"Saciar famintos de estro... coexistir..."

Ser verbo e carne e nervo e até ser pão

Que desse verbo nasce humano e são

Enquanto a mão da Musa o permitir
*


E com dentes, ou não, saber sorrir,

Explorar a vida até à exaustão,

Escrever com toda a força da paixão,

Ser-se um vulcão que aprende a não explodir...
*


Movemos a montanha, mão com mão,

E abrimos as janelas do devir

Como quem abre uma outra dimensão
*


E se essa dimensão nos não servir,

Depressa mais janelas se abrirão

Sobre as montanhas que houver que subir!
*


Mª João Brito de Sousa

20.01.2022 - 22.05h
***

XIV
*

"Sobre as montanhas que houver que subir"

Se o fôlego falhar, basta a vontade

Que ela é quem nos traz a felicidade

E este pequeno orgulho de existir
*


Que vai nascendo em quem não desistir

De ir dando quanto pode em qualidade,

Pois só assim se alcança a igualdade

E a alegria imensa de a fruir...
*


Não desistas agora! Mais um passo

E um outro ainda. Nunca te detenhas

Que o teu maior troféu é o cansaço;
*


Se lhe resistes, moverás montanhas...

Mas nunca esperes pelo meu abraço,

"Não te procurarei até que venhas"!
*

 

Mª João Brito de Sousa

20.01.2022 - 22.45h
***

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

07
Nov21

INTEMPORALIDADE - Coroa de Sonetos - Mª João Brito de Sousa e Lourdes Mourinho Henriques

Maria João Brito de Sousa

eu e ticas.jpg

 

 

INTEMPORALIDADE
*
Coroa de Sonetos
*

Mª João Brito de Sousa e Lourdes Mourinho Henriques

*
1.
*

 

Aqui não há passado nem futuro;

O presente é fieira que não finda

E não tem de passar por nenhum furo

Embora a agulha disso não prescinda
*


E disto estou seguro, tão seguro

Quanto de não haver ninguém que cinda

A ponta que se afasta e que conjuro

Como se o tarde cedo fosse ainda...
*


Onde não há princípio nem há fim

Sou tudo e não sou nada. Este ínterim

É somente ilusão. Paradoxal?
*


Talvez sim, talvez não, talvez talvez,

Já não quero saber de outros porquês;

Quem mede esta meada intemporal?
*

 

Mª João Brito de Sousa

01.11.2021 - 10.30h
***

2.
*
“Quem mede esta meada intemporal?”

Alguém cujo engenho e muita arte

Pintando numa tela sem igual,

Expõe a sua alma em toda a parte.
*

Alguém que seus poemas nos of’rece

Cada dia que passa, que beleza,

Qual deles o melhor, e com certeza

Que sua inspiração jamais falece!
*

A Musa está presente a toda a hora,

Mas insistindo sempre, vai lutando

Contrariando a falta da visão!
*

Eis Morfeu a chegar, e a João

Pára a poesia e lá vai andando

P’rós braços dos lençóis, dormir agora!
*

Lourdes Mourinho Henriques

02.11.2021
***


3.
*
"Prós braços dos lençóis dormir agora (!)"

Como se lá por fora a noite escura

Tentasse convencer-me de que a hora

Se tornou, de repente, mais madura...
*

Irei, sim, quando a Lua tentadora

Vier falar-me da sua loucura

E, aproveitando o Sol ter-se ido embora,

Cerrar-me os olhos com toda a candura...
*


Mas na verdade, minha boa amiga,

Quando esta minha Musa me castiga

E se recusa à nossa interacção
*


Fico de mãos atadas. Pouco crio

Quando, não vendo a Musa, olho o vazio

Criado pela sua rebelião
***


Mª João Brito de Sousa

02.11.2021 - 15.40h

4.
*

“Criado pela sua rebelião”

A todos os que escrevem, acontece,

Quantas vezes de nós ela se esquece

E nos deixa grande desilusão!

 

E é enorme então a frustração

Se ao pegar na caneta p’ra ‘screver

A Musa isso não deixa acontecer

Ficando assim inerte a nossa mão!

 

Mas eis que, de repente, ela aparece

P’ra não pensarmos que de nós se esquece

E vai-nos conduzindo p’la poesia…

 

Diz-nos o que ‘screver em cada verso

E o nosso pensamento, então imerso,

Vai criando poemas… que alegria!
*

Lourdes Mourinho Henriques

02.11.2021
***

5.
*

"Vai criando poemas... que alegria(!)"

E que bela razão pra se estar vivo

É transformar-se o verbo em sinfonia

Sem da monotonia estar cativo!
*


Começa a despontar a melodia;

Se o soneto tem tempo(s) que eu cultivo

Eu sinto-me em completa sinergia

Com estas pautas das quais me não privo.
*


Mais pulsam as palavras apressadas,

Mais correm minhas mãos (dantes aladas...)

Em direcção ao fecho, à conclusão
*


E este meu remendado e velho peito,

Não sabendo correr fica sem jeito

A ver se lhe não escapa o coração...
*


Mª João Brito de Sousa

02.11.2021 - 23.10h
***

6.
*

“A ver se lhe não escapa o coração”

Que a mente está bem viva e criadora

E vai escrevendo pelo dia fora

O que na alma vai, com emoção.
*

Lembranças de quando era criança,

Memórias do tempo da ilusão,

Guardadas na gaveta da esperança

Que hoje são alento do coração!
*

Mas vai sempre insistindo, não desiste,

Lindos poemas vai escrevendo… e insiste

Em manter a mente sempre ocupada.
*

Por mais que isso lhe custe, persistente,

Os versos vão surgindo de repente

Deixando a nossa mente extasiada!
*

Lourdes Mourinho Henriques

03.11.2021
***

7.
*

"Deixando a nossa mente extasiada",

Tão extasiada quanto o Tempo fica

Quando anda com a Musa de mão dada,

Sem saber bem o que isso significa
*


Pois toda a musa é criatura alada

Que tanto o tempo pára quanto estica,

Que tudo pode sem esforçar-se nada,

Que ninguém mede e ninguém quantifica...
*


Toma cuidado, ó Tempo intemporal;

Não te quer bem, a Musa, nem quer mal,

Mas é mais livre do que jamais foste
*


E se não tens cuidado e te distrais

Ela puxa por ti, pede-te mais;

Tempo, não há quem uma Musa arroste!
*


Maria João Brito de Sousa - 04.11.2021 - 08.30h
***
8.
*

“Tempo, não há quem uma Musa arroste”

Pois ela sem esperarmos aparece

E nem que a encostemos a um poste

Ela só vem quando lhe apetece.
*

Mas se a ti se aliar, a ti se encoste

Vê se lhe concedes mais um tempinho,

Não deixes que se perca, se desgoste,

Mesmo que nos visite de mansinho.
*

Ah! Tempo, que nos limitas a vida

Que às vezes, é tão curta na partida

E a Musa nem nos chega a visitar…
*

Não queiras ser carrasco dessa Musa

Que sempre nos visita e sem recusa

Por vezes nos ajuda a inspirar!
*

Lourdes Mourinho Henriques

04.11.2021
***

9.
*

"Por vezes nos ajuda a inspirar"

E também a sorrir ela auxilia

Tal como nos ajuda a superar

As rasteiras da vida, dia a dia.
*


E musas há que gostam de sonhar,

Enquanto outras preferem a magia

De construírem castelos no ar

Ou de acenderem estrelas pr`Harmonia.1)
*


São tantas essas musas feiticeiras,

Quantas serão as nossas mãos obreiras

Das coisas que os seus dedos vão criando
*


E quando chega a hora da partida

Parte a Musa também, que assim a vida

Por igual Musa e Gente vai tratando.
*


Mª João Brito de Sousa

05.11.2021 - 08.30h

1)Harmonia- Deusa da Paz e da Concórdia na Mitologia Grega
***

10.
*

“Por igual, Musa e Gente vai tratando”

P’ra ele, ambas trata por igual,

E traiçoeiro, o tempo vai passando…

Tantas vezes as leva em vendaval!
*

Leva a Musa, tira-lhe a inspiração

Que trazia p’rá Gente… Foi ficando

Cativa... e a matou sem compaixão

Até que a Gente também vai levando!
*

Oh! Tempo, que tanto nos magoas,

Nos roubas nossas Musas e Pessoas

Que tanto gostariam de viver!
*

Não sejas tão cruel, tem compaixão,

Deixa ambas viver, dá-lhes a mão,

Só querem continuar a escrever!
*

Lourdes Mourinho Henriques

05.11.2021
***

11.
*

"Só querem continuar a escrever"

Estes poetas com sonhos nas veias

Que talvez não consigas entender

Porque te afrontam com suas ideias
*


Ó Tempo, nenhum mal te irão fazer!

Não sei, Tempo, não sei por que os odeias

Quando, afinal, te irão enaltecer

Ainda que o não saibas ou descreias...
*


Aqui irei cessar de interceder

Por poetas e musas, que morrer

Cabe a todos os vivos, afinal.
*


Só tu, ó Tempo, irás permanecer

Sempre a fluir e às vezes a correr,

Porque só tu nasceste intemporal.
*


Mª João Brito de Sousa

05.11.2021 - 15.00h
***

12.
*

“Porque só tu nasceste intemporal”

Só tu nos vês chegar, também partir,

Só tu nos vês lutar e bem ou mal

Nos vais acompanhando… vês-nos ir…
*

 

Muitas vezes seguindo por caminhos

Nunca por nós sonhados, quando em quando…

Às vezes vais-nos dando uns miminhos

Mas noutras, vais-nos deixando chorando!
*

A vida inteira tu nos acompanhas

Ao lado do Destino e suas manhas

Pregando quando em vez suas partidas.
*

A ti, ó Tempo, que és intemporal,

Ninguém te vence e não existe mal

Que te atinja, como nas nossas vidas.
*

Lourdes Mourinho Henriques

05.11.2021
***

13.
*

"Que te atinja, como nas nossas vidas",

As breves vidas que tu nos concedes,

Nem sempre alegres e bem sucedidas

E tão curtinhas face ao que tu medes
*


Que se as ambicionamos mais compridas,

Compreensíveis são as nossas sedes

De ti, Tempo, que ditas as partidas,

De ti, que não as vês nem as impedes...
*


Assim vamos vivendo enquanto passas

Sem dar conta das vidas que ameaças,

Nem das vidas que aqui viste nascer
*


Por isso, se em verdade és Tempo/Espaço,

Seremos nós quem passa, passo a passo,

Por ti, sem te sabermos entender...
*


Mª João Brito de Sousa

06.11.2021 - 10.15h
***

14.
*

“Por ti, sem te sabermos entender”

Somos nós que passamos algum tempo

Numa curta viagem, sem saber

Se ela será normal… ou a destempo!
*

Uns vivem longa vida, quantas vezes

Pedindo que se aproxime o seu fim,

Mas outros vão passando por revezes

E partem sem querer, sina ruim…
*

Ó Tempo, tu que és intemporal

E por vezes vês por nós passar o mal

Podias poupar-nos tempo tão duro.
*

Chegamos e partimos deste mundo

Que dominas, é um mistério profundo,

“Aqui não há passado nem futuro”!
*

Lourdes Mourinho Henriques

06.11.2021
***

 

05
Nov21

SENTO-ME À JANELA - Coroa de Sonetos

Maria João Brito de Sousa

sento-me à janela.jpg

SENTO-ME À JANELA
*

Coroa de Sonetos
*

Custódio Montes, Lourdes Mourinho Henriques e Mª João Brito de Sousa
*

1.
*


Sento-me à janela e olho para a porta

Atento escuto o bater do ferrolho

Abro as tuas cartas delas uma escolho

O amor nelas leio só isso me importa
*

Vejo linha a linha que tudo me exorta

Voa o pensamento, lágrima no olho

Do tempo passado a imagem recolho

Espero, espero e nada me aporta
*

Mas daqui não saio e o teu olhar terno

Aqui o espero por tempo eterno

Por noites e dias, o tempo que for
*

De volta te sinto numa caravela

Daqui eu não saio da minha janela

Que se abra o ferrolho, vem oh meu amor
*

Custódio Montes

2.11.2021
*
2.
*

“Que se abra o ferrolho, vem oh meu amor”!

Com mágoa e saudade o amigo Custódio

Vertendo uma lágrima recorda, com dor,

Ao ler uma carta de amor e não ódio.

 

Mas eis que o passado ficou lá p’ra trás

E as cartas apenas são recordações…

Momentos vividos cheios de emoções

Que o tempo sem tempo nunca mais desfaz!

 

Ainda que seja ao ler uma carta

Lembrando um amor que nunca mais se aparta

Do seu coração, é assim a vida!

 

Recordar é viver, sentir o carinho,

Trilhando por vezes o mesmo caminho…

Ao ler uma carta que não foi esquecida!
*

Lourdes Mourinho Henrirques
*

3.
*
"Ao ler uma carta que não foi esquecida"

O passado ganha a dimensão presente

E o que era saudade passou, de repente,

A ser coisa viva, palpável, sentida...
*


A leitura é chama que, reacendida,

Ilumina a vida e a alma da gente;

Sabe-o quem o escreve e sabe-o quem o sente

No corpo inocente e na alma rendida.
*


O tempo não pára mas essa janela

Não vive no tempo, vive só pra ela

E para o momento em que ela há-de voltar
*


Está escuro lá fora, mas brilham-lhe os olhos;

Vê estrelas brilhando em vez de ver escolhos

No papel da carta que abrira a chorar...
*


Mª João Brito de Sousa

02.11.2021 - 18.30h


***
4.
*

“No papel da carta que abrira a chorar..”

Relembrou uns olhos duma claridade

Que ainda os recorda com tanta saudade

Que ao entrar na porta os quer de novo olhar
*


Mas andam tão longe que tardam voltar

E eram tão lindos: era a mocidade

A força, a alegria, o carinho, a vontade

De lhe querer tanto, de tanto os amar
*


Sento-me à janela fico à sua espera

Que quem muito ama nunca desespera

Mesmo que a espera se torne ilusão
*


Mas relendo as cartas lembra-se o calor

Dos beijos ardentes e plenos de amor

E fica-se preso, freme o coração
*

Custódio Montes

2.11.2021
*

5 .
*

“E fica-se preso, freme o coração”

Como se o passado voltasse outra vez…

E serão as cartas, quem sabe, talvez

Alvo de alguns beijos cheios de emoção!
*

São o testemunho de um amor feliz

Que um dia partiu e nunca mais voltou,

As boas lembranças foi o que deixou,

Também a tristeza, a vida assim quis.
*

Mas ficar à espera é pura ilusão,

Enquanto se espera, sofre o coração

A mágoa contida sem remédio ter.
*

E as cartas velhinhas aqui recordadas

São tudo o que resta, ficarão guardadas

Com muito carinho p’ra não as perder.
*

Lourdes Mourinho Henriques

02.11.2021
***

6.
*

"Com muito carinho pra não as perder"

Guarda-as na gaveta do seu coração

Junto das saudades e do medalhão

Contendo o retrato dela, da mulher...
*


Sentado à janela, já nem quer esquecer,

Já só disso vive, da recordação

Do que recebera de amor, de paixão,

Desse tanto querê-la que foi mais que qu`rer...
*


E agora relendo, mais próximo está

Dessa que em palavras toda se lhe dá

Como se lhe dera nos tempos distantes
*


Não fecha a janela muito embora o vento

Sopre através dela louco e turbulento

Como fora em tempos, como ele era dantes...
*


Mª João Brito de Sousa

02.11.2021 - 21.30h

***

7.
*

“Como noutros tempos, como ele era dantes”

Mas forte que fosse eu ia junto dela

Não havia rosa que fosse mais bela

E bastava vê-la por poucos instantes
*


E ao ler a carta há imagens distantes

De caminho andado por rua ou viela

É essa lembrança que por mim apela

A paixão sentida que une os amantes
*

Ponho-me à janela quero relembrar

Voltando ao passado, voltamos a amar

Estendem-se os braços e lançam-se ao vento
*

Voamos no espaço, estendemos as asas

A paixão regressa pisamos as brasas

E sobre elas voa nosso pensamento
*

Custódio Montes

2.11.2021
***
8.
*

“E sobre elas voa nosso pensamento”…

E tal como outrora o amor acontece,

Momentos vividos que nunca se esquece

Que são recordados, momento a momento!
*

E a vida ao passar é por vezes tormento,

Mas deixa alegrias para recordar,

Momentos de vida do tempo de amar

Que ‘oje são saudade, da alma alimento!
*

E nessa janela que tanto lhe diz

O amigo Custódio vai sendo feliz,

Saudoso recorda todo o seu passado.
*

Que assim continue, com boa lembrança

Mesmo que a sonhar, não perca a esperança

E guarde a cartinha com muito cuidado.
*

Lourdes Mourinho Henriques

03.11.2021
***
9.
*

"E guarde a cartinha com muito cuidado",

No bolso do peito onde pode ir buscá-la

A qualquer momento. Se a carta lhe fala

Ganhou-lhe o presente, vencendo o passado
*


No instante preciso, à janela sentado,

No quarto de cama, na copa ou na sala,

Falará a carta, que amor não se cala

Se, em tempos vivido, ora for recordado.
*


Que a velha cadeira em que agora se senta

Seja a testemunha que os versos sustenta

No pinho ou nogueira em que alguém a talhou.
*


Que todos os dias a todas as horas

Lhe fale essa carta de amor e de amoras,

Dos beijos e abraços com que o cativou!
*


Mª João Brito de Sousa

03.11.2021 - 14.25h
***

10.
*

“Dos beijos e abraços com que o cativou”

Mas não têm cartas como eu recebidas

De amores de outrora, pessoas queridas

Ou de amores perdidos apenas eu sou ?
*


Ao que tenho ouvido e alguém me informou

Também as amigas andaram perdidas

E foram amadas em tochas ardidas

Por muito amor que de certo as queimou
*

Contemos a história que não a negamos

Recordamos tempos, todos nós amamos

Todos nós tivemos o nosso desejo
*

Quem não teve cartas que agora não lê

Teve bem mais sorte, teve o amor ao pé

E pôde de certo enchê-lo de beijos
*

Custódio Montes

3.11.2021
***

11.
*

“E pôde de certo enchê-lo de beijos”

Mas ficou mais pobre de recordações,

Nem todas as cartas são desilusões,

São troca de amor confessando os desejos.

 

E são essas cartas que há quem não as tenha,

Que dão o conforto, que dão a ilusão

De sentir agora a mesma paixão

Um dia sentida e que hoje a retenha.

 

Os altos e baixos que nos dá a vida

São provas de fogo que logo à partida

Nos vão ensinando a escolher o caminho.

 

Bem cedo encontrei o meu no passado

Guardei-o com ‘sprança, até que ao meu lado

Surgiu o amor que esperei, com carinho.
*

Lourdes Mourinho Henriques

03.11.2021
***

12.
*

"Surgiu o amor que esperei com carinho"

Bem cedo, tão cedo que ainda que aponte

Os dias e as noites, não há quem os conte

Entre as muitas gentes que achar no caminho
*


E eu que escrevia sobre pergaminho,

Que pintava as linhas de um novo horizonte

Por dentro de um rio ou atrás de uma fonte,

De amor nunca tive nem um postalzinho.
*


De amor estive perto e de amores me perdi

Num tempo em que a sorte de amar descobri...

Para quê escrevê-lo se assim tão de perto
*


Podia vivê-lo? Passaram-se os dias,

Os meses, os anos... surgiram magias;

Perdi-me das cartas neste desconcerto...
*


Mª João Brito de Sousa

03.11.2021 - 19.00h

***
13.
*

“Perdi-me das cartas neste desconcerto”

Mas encontrei uma entre todas elas

Abri-a e li-a era das mais belas

Devagar olhei-a cada vez mais perto
*


E fiquei contente de a ter aberto

Havia passagens lindas e singelas

Que me deslumbraram como luz de estrelas

Ao ler linha a linha um e outro excerto
*


E tinha nos olhos a mesma esperança

Dos dias passados, agora lembrança,

Que tanto queria tornar a rever
*


Recordei seus olhos e os seus cabelos

Momentos vividos tão lindos tão belos

Recuei no tempo, parei para os ter
*

Custódio Montes

3.11.2021
***

14.
*

“Recuei no tempo, parei para os ter”

E tal como outrora vivi os momentos

Como se hoje fosse, tantos sentimentos,

Paixão e carinho que nos fez viver.
*

Vivemos um amor que não é p’ra esquecer

Ambos percorremos um longo caminho,

Com altos e baixos, mas muito carinho

E que hoje num sonho voltei a rever.
*

E junto à janela eu vejo, sem fim,

Uma longa ‘strada onde esperas por mim

Quando um dia partir, quando? Pouco importa!
*

 

Só sei que acordei desta minha apatia

Que a ti me juntou… mas já vai longe o dia…

“Sento-me à janela e olho para a porta”.
*

 

Lourdes Mourinho Henriques

03.11.2021

***

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FÁBRICA DE HISTÓRIAS

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