Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

poetaporkedeusker

poetaporkedeusker

UM BLOG SOBRE SONETO CLÁSSICO

Da autoria de Maria João Brito de Sousa, sócia nº 88 da Associação Portuguesa de Poetas, Membro Efectivo da Academia Virtual Sala dos Poetas e Escritores - AVSPE -, Membro da Academia Virtual de Letras (AVL) , autora no Portal CEN, e membro da Associação Desenhando Sonhos, escrito num portátil gentilmente oferecido pelos seus leitores. ...porque os poemas nascem, alimentam-se, crescem, reproduzem-se e (por vezes...) não morrem.
04
Fev22

HOJE HÁ VAGAS! - Mª João Brito de Sousa e Laurinda Rodrigues

Maria João Brito de Sousa

aguarela naif.jpg

HOJE HÁ VAGAS!

*
Coroa de Sonetos
*

Mª João Brito de Sousa e Laurinda Rodrigues
*

1
*


No mundo dos versos nascidos de humanos

Descubro um poema que cheira a suor,

Que pode trincar-se, que fede a bolor,

Que treme de frio coberto de panos,
*

 

Que pinga das bicas, que escorre dos canos

De esgoto da casa de um trabalhador

Que ostenta as mazelas sem qualquer pudor,

Que geme de dor, que desmente os enganos...
*

 

No mundo dos versos dos homens reais

Se sonhos encontro, procuro bem mais

Do que fantasias com asas douradas
*

 

E se por achá-lo todos vós me achais

Inconveniente ou rebelde demais,

Replico,"hoje há vagas"; portas arrombadas!
*

 

Mª João Brito de Sousa

03.02.2022 - 15.45h
***

2.
*

"Replico "hoje há vagas", portas arrombadas!"

Eterno retorno: as salas vazias,

Paredes sem cor, janelas fechadas,

Imenso silêncio com palavras frias...
*


Procuro pelos cantos. Onde estão as fadas?

Ou apenas há monstros para nos inspirar?

Encontro-te a ti, cantando baladas

Que me fazem rir, depois de chorar.
*


Quero arrebatar-me da tua loucura

que atravessa o céu nesta noite escura

onde o chamamento é apenas som.
*


Se somos diferentes na mesma leitura,

Se tanto ganhamos na sorte mais escura,

A vida é um sonho mas um sonho bom!
*


Laurinda Rodrigues
***

3
*

"A vida é um sonho mas um sonho bom",

Quando se acredita, quando cá no fundo

Sabemos ter dedos pra moldar o mundo

E a vontade imensa de mudar-lhe o tom
*


Que asas têm penas, não só de "crepon"

Os meus versos cubro quando del`s me inundo;

Por vezes recuso, lanço um NÃO rotundo

Aos que me acenderem luzes de Néon
*

 

Quando um outro fogo me aquece as entranhas

E Simon dedica versos às montanhas

Enquanto Garfunkel faz vibrar as notas... *
*

 

Quem escuta o silêncio dos que não se atrevem

A afrontar os grandes que tudo lhes devem?

Sorrirão as fadas aos das roupas rotas?
*

 

Mª João Brito de Sousa

03.02.2022 - 18.25h
*

* The Sound of Silence - Paul Simon/Art Garfunkel
***

4.
*

"Sorrirão as fadas aos das roupas rotas"?

Por dentro de tudo, que estranha visão:

Crateras na carne como Aljubarrotas

Ou regresso, em sonho, D. Sebastião?
*


Me agarro às amarras que têm as frotas.

Navego sem norte. Regresso ao porão.

Aqui não te encontro nem sequer me notas

É o tal silêncio. Maga escuridão.
*


Quem quiser saber o mistério denso

Que se avulta em mim quando te pertenço

Envolta nas sombras de um gesto parado...
*


Pergunte aos desenhos escritos no lenço

Que vou oferecer-te e julgo que venço

Essa solidão que me evoca Fado.
*


Laurinda Rodrigues

***

5
*

"Essa solidão que me evoca Fado"

Mas Fado não sendo, pode ser trincheira

Onde habita a Musa minha companheira

E nela a encontro (se acaso lhe agrado)
*


Pois é caprichosa, há que ter cuidado!

Se vem de bom grado, toma a dianteira,

Escreve tão depressa que "vai de carreira"

C´o pouco que apenas tinha começado...
*


Ela é sempre jovem, nunca teve idade,

E eu vou tropeçando na velocidade

Que ela impõe aos versos de que mais gostar
*

 

Nem Aljubarrota nem Sebastião

Podem ser mais fortes do que as musas são

Quando se decidem a poetizar...
*

 

Mª João Brito de Sousa

03.02.2022 - 20.08h
***

6.
*

"Quando se decidem a poetisar",

Humanos caminham com outros p'la mão

Que, ao ser conscientes, fazem recordar

Como o sonho é vago e vaga a razão.
*


No espelho da alma retratam a mão

Com linhas dispersas, que dão p'ra pensar,

Sobre este destino que é o nosso chão

Onde, sem escolher, temos de pisar.
*


Cobertos de medo, preparam a fuga.

De olhos abertos (que o saber enxuga)

vão a caminhar para o fim da existência...
*


Conhecem a voz de longe, que os suga,

Mas o som dos versos, que o vento madruga,

Será, certamente, a sua referência.
*


Laurinda Rodrigues
***

7
*

"Será, certamente, a sua referência"

Tal como o será a vida que acolheram

E os passos que somam aos passos que deram,

Desde que esses passos marquem a cadência
*


Porque aos passos dados soma-se a consciência

Do que vão perder e do que já perderam

E ganharam força (toda a que puderam)

Nos sons que se esmeram nessa mesma urgência...
*


Se é velho, o guerreiro que andar não consegue,

Não será por isso que os passos renegue,

De outra forma avança pela mesma estrada
*


E vai-se esquecendo da dor que o persegue;

Se a velhice pesa, que a Musa a carregue,

Que ela bem mais pode não podendo nada.
*

 

Mª João Brito de Sousa

04.02.2022 - 11.15h
***

8
*

"Que ela bem mais pode não podendo nada"

Um nada que encobre o Todo da vida

Presa nos seus dedos na palma fechada

Que, em tempos de guerra, serve de guarida.
*


Nessa luta inglória onde já foi ferida

mas sempre cantou a sombra, encarnada

De palavras doces mas sempre temida

Por quem não conhece pr'além da fachada...
*


Retornemos ora, na luz e na paz!

Porque toda a idade mostra que é capaz

De tecer a arte e criar do Nada.
*


E, em palcos humanos, em gesto tenaz,

Aceita o que é e não é capaz

Canta a despedida, cantando balada.
*


Laurinda Rodrigues
*

9
*

"Canta a despedida, cantando balada"

E sempre seguro, dando o seu melhor,

Quer, enquanto vivo, ver que dão valor

Ao que é construído na sua empreitada
*


E do pão cozido naquela fornada

Nascerão poemas com melhor sabor,

Que um travo de raiva traz outro de amor,

Fatia a fatia, dentada a dentada
*

 

E se o gás é caro, se o arroz escasseia,

Se o feijão não cabe onde o poema ateia

Chamas tão fugazes que se desvanecem,
*

 

Prefiro a modesta chama da candeia

Que, sendo real, toda me incendeia

Sempre que a aproximo dos fios que me tecem.
*

 

Mª João Brito de Sousa

04.02.2022 - 13.50h

***

10.
*

"Sempre que a aproximo dos fios que me tecem",

Deixo que essa vela me encha de calor...

E as almas alheias, nesse gesto, aquecem

Relaxando o corpo à espera do amor.
*


P'ra que tantos choros agora acontecem?

Não querem esperar que se acabe a dor?

Não sabes que a mente nossos erros tecem

Parecendo que são versos de amador?
*


Posso dar-te pão, cozido na aldeia

Onde há forno aceso, ao ser lua cheia

e os lobos pressentem o cheiro a comer...
*


Assim conjugadas em voz, numa teia,

Esperamos que alguém nos ouça ou nos leia,

Nos faça sentir, pensar ou viver.
*

Laurinda Rodrigues
***

11
*

"Nos faça sentir, pensar ou viver"

Quem nada sentindo em viver pensasse

E em ventos de proa que a barca enfrentasse,

Pudesse algum sonho tomar forma e ser
*


Já desmaia o dia num entardecer

Sem ter de aguardar por pintor que o pintasse

E o Sol que esmorece fica num impasse

Que a noite depressa virá resolver...
*

 

Vão cozendo os versos que amassámos juntas

Feitos de incertezas, cheios de perguntas

Que ou terão resposta, ou nunca a terão
*

 

Quando tudo pronto, será partilhado

Inteiro, um poema, bocado a bocado,

Que para poetas também isto é pão...
*

 

Mª João Brito de Sousa

04.02.2022 - 17.45h
***

12.
*

"Que para poetas também isto é pão"

Cheiroso, macio, para regalar

Os olhos, a boca e o coração

de quem nossos versos queira partilhar.
*


Depois, esvaídas com tanta paixão,

Olhamo-nos nuas sem véus a tapar

O que fez de nós um forte cordão

Que a força do tempo não pode quebrar.
*


Somos atrevidas, rebeldes, profundas

Quando assim tecemos nossos versos juntas

E, sem pretensões, abrimos caminhos...
*


Na estrada há veredas que são as perguntas

Mesmo que as respostas sejam desconjuntas

Ficamos felizes: criamos os ninhos.
*


Laurinda Rodrigues
*

13
*

"Ficamos felizes: criamos os ninhos"

Onde haverá vagas para toda a gente

Quando esse futuro se tornar presente,

Depois de um passado crivado de espinhos
*


Das mãos dos pisados, dos que estão sozinhos,

Dos muitos que lutam por algo diferente,

Nascerá um dia o que se pressente

Ser o mais humano dos nossos caminhos
*


E enquanto isto escrevo, porque mais não posso,

Vai-te preparando que o poema nosso

Veio arrombar portas que estavam fechadas...
*

 

Uma que arrombasse e que bom seria

Termos apostado nesta parceria

Que acolhe palavras rotas e suadas!
*

 

Mª João Brito de Sousa

04.02.2022 - 29.50h
***

14.
*

"Que acolhe palavras rotas e suadas"

Em vírgulas, pontos, em linhas e espaços

Onde cabem risos, choros e abraços

E a filosofia de sábias mimadas.
*


Tu teimas, insistes. Ficamos caladas.

Depois, só os gestos. Os gestos em traços

de provocações feitas de embaraços

que os outros perdoam por sermos aladas.
*


Memória do tempo liberto da vida

Agora suspensa, agora perdida

Pelos desencantos, pelos desenganos...
*


Por muito que esqueça nunca são esquecidas:

Todos são eternos, todas são queridas

"no mundo dos versos nascidos de humanos."
*


Laurinda Rodrigues
***

NOTA IMPORTANTE PARA A COMPREENSÃO DESTE LONGO TEXTO POÉTICO - O primeiro soneto desta Coroa foi inspirado no poema NÃO HÁ VAGAS, de Ferreira Gullar

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

08
Jun21

TELA - Coroa de Sonetos - Maria João Brito de Sousa e Laurinda Rodrigues

Maria João Brito de Sousa

MENINA EM MONOCROMIA VERDE - MJBS.jpg

TELA
*
Coroa de Sonetos
*

Maria João Brito de Sousa e Laurinda Rodrigues
***

1.
*


"Chama que a cada gesto espelha a alma"

Ou mesmo alma que em chamas se acendeu,

Assim seremos nós, pintor e eu,

Que em tal labor ninguém nos leva a palma
*


Numa exacerbação que nos acalma

Porquanto ao paradoxo se rendeu,

Nada se perde quando se aprendeu

A tudo ver, mesmo sem ver vivalma...
*


Pintei ideias que de mim nasciam

E é dessa mesma forma que hoje escrevo;

Não sei se via além do que outros viam,
*


Nem sei se digo mais do que o que devo...

Não vendo o que os meus olhos prometiam,

A pouco, ou nada mais, hoje me atrevo.
*

 

Maria João Brito de Sousa - 01.06.2021 - 15.40h

*

Soneto criado a partir do verso final do soneto PALETA de Gil Saraiva.

***

2.
*
"A pouco, ou nada mais, hoje me atrevo"

não sabendo se existe um amanhã...

Mas é aqui e agora que me enlevo

jogando ao claro-escuro com afã.
*


Pinturas ou palavras, as que levo

em vibrações da minha mente sã,

são as pétalas de uma flor de trevo

que desflorei numa atitude vã...
*


Procurava a resposta: "muito ou pouco"

que faz da minha vida um mundo louco

que nem eu sei porque caminho assim...
*


Badaladas de sinos, som já oco

que repõe a música do ronco

que a minha voz ecoa sem ter fim.
*

Laurinda Rodrigues
***

3.
*

"Que a minha voz ecoa sem ter fim"

Por vales e montanhas sem começo

E sendo exactamente o que pareço,

Sou quem regula a chama acesa em mim,
*


Grata, talvez, por ter nascido assim,

Mas menos grata quando pago o preço

De cada queimadura que não peço

Aos deuses que expulsei do meu jardim.
*


Do muito, passo ao pouco... ao quase nada...

De quase nada, muito e pouco faço;

Se me desgraço, torno-me engraçada
*


E se amorosamente aqui te abraço,

Podes sentir-te, ou não, tão enredada

Quanto as fiadas em que me embaraço...
*

 

Maria João Brito de Sousa - 03.06.2021 - 17.14h
***

4.
*

"Quanto as fiadas em que me embaraço"

eu quero partilhar os fios desse novelo

e seja só em verso que há o abraço

sinto o deslumbramento de tecê-lo.
*


E pondo mais enredo nesse elo

que é apenas da história mais um passo

vai soneto mutar romance e, ao lê-lo,

percebe-se que é tudo tempo e espaço.
*


Sofridas - não doridas - mas libertas

de escolher estar fechadas ou abertas

num mundo que nos lê ou nos ignora,
*


Glorifico as paisagens, já desertas

de medos e lamentos, como alertas

de quem caminha em frente enquanto chora.
*

Laurinda Rodrigues
***

5.
*

"De quem caminha em frente enquanto chora"

Deixando atrás de si um mar de sal,

Vejo, longínquo, o vulto no final

Da estrada em que o seu choro se demora.
*


Olhando um mar que é céu naquela hora,

Esboço num breve impulso gestual

O voejar modesto de um pardal

E o de uma exuberante ave canora.
*


Junto a uma paleta, a minha a tela

Jaz, por falta de espaço, à beira tempo

E já não vivo eu no mundo dela
*


Que é outro o universo em que me invento;

Mudou-se-me esta casa em caravela

E em leme esta cadeira em que me sento.
*

 

Maria João Brito de Sousa - 04.06.2021 - 10.04h
***

6.
*

"E em leme esta cadeira em que me sento"

onde flutua a minha inspiração

navegando naquele rio que invento

para, de vez, curar meu coração.
*


Gritar bem alto como grita o vento

os temas da alegria e da paixão...

Sendo mais uma a sofrer tormento

acabando os tormentos sem razão.
*


Se estou febril, a febre é o sinal

de que todo o meu Ser percorre o mal

de uma humanidade em insanidade...
*


Somos a fruta da estação estival

que pode apodrecer sendo real

o sabor de uma luta pela verdade.
*


Laurinda Rodrigues
***

7.
*

"O sabor de uma luta pela verdade"

É doce como o mel mas de repente

A ssume uma acidez quase adstringente

Que surpreende pela intensidade
*


Mas mais nos alimenta essa vontade

De encontrar a verdade em quem nos mente...

Amadurece o fruto inda recente

Da nossa muito humana identidade,
*


Veste-se a tela nua à nossa frente

De quanto houver de criatividade

- porque essa nunca morre, é ponto assente -
*


E, enfim, se entende a transitoriedade

Daquilo que se pensa e que se sente,

Quando se sente e pensa em liberdade.
*

 

Maria João Brito de Sousa - 04.06.2021 - 12.21h

***

8.

"Quando se sente e pensa em liberdade"

cresce o deslumbramento de existir

de ter nascido Gente de verdade

e não ter de lutar para fugir.
*


Porque ter de fugir cria ansiedade

que destrói aquele sonho de partir

p'lo prazer de encontrar noutra cidade

apenas um lugar para divertir.
*


Fomos tão nacionais pela raiz

reconhecendo em nós essa matriz

de descobrir, sem ser um navegante...
*


E olhamos este mar que apenas diz:

já nada corresponde aquilo que quis!

Estou presa de mim mesma a cada instante.
*

Laurinda Rodrigues
***
9.
*

"Estou presa de mim mesma a cada instante"

Em que tentar deixar de ser quem sou,

Que a liberdade só me conquistou

Por ser rebelde, utópica e distante...
*


De mim, serei eterna navegante

Porque o tempo das fugas já passou;

Mal esta minha tela naufragou

Passei a navegar no verso errante.
*


No verso sempre encontro o que procuro

E mais que o que procuro encontrarei

Assim que colha um fruto mais maduro
*


Dentre os que ainda agora semeei;

Onde cada colheita for futuro,

Há-de haver espaço para o que eu criei.
*

 

Maria João Brito de Sousa - 05.06.2021 - 20.37h

***

10.
*

"Há-de haver espaço para o que eu criei"

pois espaço é relação de mim com alguém...

O tempo não existe: eu o sonhei

sempre presente, agora, aqui e além.
*


Vivo comigo, sabendo aquilo que sei.

Quem me visita só virá por bem

alertando para um mundo que deixei

ficar lá fora, a rodar num trem,
*


Onde já não viajo há muitos anos

porque viajam nele os muito insanos

que usam os milhões por vestimenta,
*


escondendo, no porão, os muitos danos

que são esquecidos, depois de muitos anos

sem ninguém lhes ter dado reprimenda.
*

Laurinda Rodrigues
***

11.
*
"Sem ninguém lhes ter dado reprimenda"

Vivem os amos/servos da riqueza

Vestindo a "caridade" e a "nobreza"

Que num vídeo viral põem à venda
*


E assim prosseguem nessa sua senda

De conquistar as graças da pobreza;

Mentiras são anzóis cuja agudeza

Escapa a quem de vileza pouco entenda...
*


Assim tornei concreta a tela abstracta;

Mais pincelada, menos pincelada,

Nesta estância da tela se delata
*


A grande, a gigantesca mascarada

Em que o capitalismo se retrata;

Todos o servem e nem dão por nada!
*

 

Maria João Brito de Sousa - 06.06.2021 - 11.21h

***

12.

"Todos o servem e não dão por nada"

porque, no seu inconsciente cultural,

resguardam o segredo da montada

num cavalo feito em pérolas e cristal
*


Expõem-se então à fúria da nortada

que os submete ao medo de animal

simbolizando o grande camarada

que veio salvá-los da desgraça e mal.
*


Esqueceram que são a trilogia

que podem alcançar no dia-a-dia

sem ter de denegar a sua crença...
*


Será esse o motivo da poesia

quando deixa de lado a alegoria

que não é sua a voz que a si pertença.
*

Laurinda Rodrigues
***

13.
*

"Que não é sua a voz que a si pertença"...

Mas agora é só minha a decisão;

Camaradas não são o "grande irmão"

E a minha ideologia não é crença
*


Que me assegure privilégio ou tença...

Trago-a na mente e diz-me o coração

Que ao nascer filha da revolução

Me compete cantá-la até que vença
*


E, vez por outra, a minha branca tela

Pode encher-se dos traços realistas

De quem morreu lutando, não por ela,
*


Mas pelos objectivos humanistas

Cuja memória, morta numa cela,

Ainda me sussurra; "Não desistas!"
*

 

Maria João Brito de Sousa - 07.06.2021 - 12.04h
***

14.
*

"Ainda me sussurra: "Não desistas"

porque tudo na vida é transição

e mesmo o mais fatal nos mostra pistas

p'ro reencontro com o nosso coração.
*


Ouço falar em histórias de revistas

cheias de sentimentos e emoção...

São, afinal, desfiles em que vistas

o melhor para mostrar à multidão.
*


Somos trapos caídos a um canto

onde não chega o riso, nem o pranto,

que dê o privilégio de ter calma?
*


Aos chutos, pontapés do desencanto

acendemos o fogo como um manto,

"chama que, a cada gesto, espelha a alma".
*

Laurinda Rodrigues
***

(Reservados os direitos autorais)

08
Mai21

QUANDO VIERES POR MIM - Coroa de Sonetos - Maria João Brito de Sousa e Laurinda Rodrigues

Maria João Brito de Sousa

o último anjo.jpg

QUANDO VIERES POR MIM
*
Coroa de Sonetos
*

Maria João Brito de Sousa e Laurinda Rodrigues
*
1.
*


Quando vieres por mim, logo à noitinha,

Com o teu negro manto aveludado,

O teu trágico ceptro de rainha

Não me acharás tremendo ajoelhado;
*

 

Estarei escrevendo a derradeira linha

Do terceto final deste meu fado

Que mais ninguém lerá. Quem adivinha

O futuro de um verso assim negado?
*

 

- Volta num outro dia... ou mês, ou ano!

Olhar-me-ás atónita, bem sei,

Pois nada disto estava no teu plano...
*


Pressuporás que também eu sou rei

E partirás pra não causar-me dano;

Se dano houve, eu próprio o provoquei.
*

 


Maria João Brito de Sousa - 05.05.2021 - 13.12h

***

2.

"Se dano houve, eu próprio o provoquei"

morbidamente quase, quase louca...

Que sensação perversa que inventei

quando, em vez de beijar, mordi a boca.
*

E, com os lábios fechados, intentei

dizer palavras que tem eco a ôca

porque, sem ter pincel, assim pintei

as telas que da vida são já pouca.
*


Se querem ver-me apenas na roupagem

no corte de um cabelo, estilo pagem

e na curva da anca desnudada,
*


Recomendo que venham de passagem

porque eu sou vento, nunca fui aragem:

Voo sem asas seja bruxa ou fada.
*

Laurinda Rodrigues
***

3.
*

"Voo sem asas seja bruxa ou fada",

Far-te-ei levitar quando eu quiser

E quando me trespassa a tua espada,

Só por instantes me verás sofrer;
*


Terei morrido um pouco, um quase nada,

Pra noutro quase nada reviver...

Sei bem que voltarás, que é denodada

A tua força e enorme o teu poder.
*


Venci-te quatro vezes, mas sei lá

Qual de nós vence a próxima batalha...

Sei bem que não és boa nem és má,
*


Que, ao matar, não cometes uma falha,

A menos que te encontres com quem vá

Tecendo a própria Vida, malha a malha.
*

 

Maria João Brito de Sousa - 05.05.2021 - 15.50h
***

4.
*

"Tecendo a própria Vida, malha a malha"

é o que fazemos todos, distraídos...

Às vezes, serenidade é que nos falha

para saudar a morte, divertidos.
*


Tratam a morte como fora tralha

porque acabou o gozo dos sentidos;

mas afinal o corpo é que atrapalha:

o corpo é o centro dos gemidos.
*

 

Glorifiquemos, pois, a nossa alma

que tem, em si, potencial da calma

que atravessou o medo de morrer...
*


Não tratemos o medo como um trauma!

Olha a linha da vida em tua palma

e vais contar os anos para viver!
*


Laurinda Rodrigues
***
5.
*

"E vais contar os anos pra viver(!)"

Embora esteja, a minha, retalhada

E tão sumida que a mal posso ver,

Se bem que já não veja quase nada...
*


Só nestes dedos meus posso inda crer

Já que, encontrando a tecla procurada,

Vão imprimindo o verso que nascer

Da minha mente sempre apaixonada
*


Por palavra plasmada numa ideia

Cuja sonoridade ecoe em mim,

Depois... de novo a chama me incendeia
*


E tudo ocorre exactamente assim;

Qual borboleta em torno de candeia,

Vou viver deslumbrada até ao fim!
*


Maria João Brito de Sousa - 05.05.2021 - 20.53h

***

6.
*

"Vou viver deslumbrada até ao fim":

O caminho é tão belo, que antevejo

reencontrar, bem perto de mim,

aqueles a quem quisera dar um beijo.
*


E, numa dança nua, sem que o pejo

venha repudiar-me ser assim,

eu, a deslumbrada, só desejo

ter o perfume doce de um jasmim.
*


E, perfumada a flor, mesmo distante,

irão reconhecer-me nesse instante

porque a morte não mata a identidade.
*

 

Medo? Afinal, é medo de um mutante

que percorreu a vida como errante

sem saber até hoje O QUE É VERDADE.
*

Laurinda Rodrigues
***

7.
*

"Sem saber até hoje o que é VERDADE"

Vivemos todos nós, ó morte certa;

É, na verdade, eterna a descoberta

Desta nossa infinita insaciedade.
*


Quanto mais se procura mais se evade

Por uma porta que está sempre aberta;

Tentar segui-la é viver sempre alerta

E conquistá-la é dar-lhe liberdade.
*


Morta, a identidade é transmutada

No bolo alimentar da própria vida;

Só a memória fica, ou não, plasmada
*


Nos que vão adiando essa partida

Pró reino da matéria inanimada

Que, tarde ou cedo, é coisa garantida.
*

 

Maria João Brito de Sousa - 06.05.2021 - 11.02h

***

8.
*

"Que, tarde ou cedo, é coisa garantida"

pois, antes de nascer, quem perguntou

se eu queria ser um Ser no seio da vida

com forma do humano que é que sou!
*


Terei sido uma forma consentida

que qualquer outro Ser encomendou

e, de repente, viu-se de partida

para um ventre materno que o gerou?
*


Quero saber! Exijo que alguém diga:

tenho direitos que este mundo obriga

e o pensamento apenas não me basta!
*


Ouço uma voz, sem nexo, que desliga

entre ser uma águia ou ser formiga

como um` alma imortal que, em terra, pasta.
*

Laurinda Rodrigues
***

9.
*

"Como um` alma imortal que, em terra, pasta"?

Se é essa a tua busca, já foi minha

Quando era tão, mas tão pequenininha

Que mal recordo a minha imagem gasta...
*

 

Era uma cria humana, ingénua e casta

Filosofando como quem gatinha;

Não perguntava, lia! Quem detinha

Uma mente a quem nunca a crença basta?
*


Bem cedo o descobri; tudo é mudança!

Tudo é passagem, transitoriedade,

E apesar de ser uma criança
*


Abracei logo a relatividade,

Na evolução pus toda a confiança

E entendi que há um fim prá identidade.
*

 

Maria João Brito de Sousa - 06.05.2021 - 13.17h
***

10.
*

"E entendi que há um fim prá identidade"...

Mas que fim? que razão? onde a encontraste?

É só por seres diferente da unidade

que, em tantos outros tempos, reclamaste?
*


Olhando os demais seres que já olhaste

e aceitando a reciprocidade,

em que parte de ti tu validaste

que és um Ser diferente na verdade?
*


Pergunto tantas vezes o que somos

De onde viemos e porque nos impomos

o ver nos outros o que somos nós,
*


Que já nem sei se só seremos gnomos

ou, pior!, seremos tão só momos

de extra-terrestres com a nossa voz.
*

Laurinda Rodrigues
***
11.
*

"De extra-terrestres com a nossa voz",

Talvez irmãos da Fada-dos-Dentinhos,

Primos do Quebra-Nozes que, sem noz,

Desistiu de dançar pr` assaltar ninhos...
*

 

Podemos até crer em rios sem foz,

No Lobo Mau e até nos três porquinhos,

Mas eu prefiro crer que somos nós

Feitos de nervo e carne sobre ossinhos.
*


Nunca te impus aquilo que aprendi;

Crerás em quanto entendas poder crer

E eu crerei naquilo que escolhi.
*


Extra-terreste? Não, não posso ser!

Foi no planeta Terra que nasci,

Sou, portanto, terrestre até morrer.
*

 

Maria João Brito de Sousa - 06.05.2021 - 20.38h
***

12.
*

"Sou, portanto, terrestre até morrer"

mas sempre interligada com o luar

que me inspirou a Musa acontecer

sem que deixe de amar a luz solar.
*


Não faço caminhadas a correr

porque o meu corpo desistiu de andar:

estou aqui a cantar e a escrever

até deslumbramento terminar.
*

E, então, deixo invadir serenidade

no espaço do vazio dessa verdade

de ter amado tanto e ser amada...
*


Não tenho nem desejo, nem saudade:

sou toda uma expressão da eternidade

que, depois de se abrir, ficou calada.
*

Laurinda Rodrigues
***

13.
*


"Que, depois de se abrir, ficou calada"

Porque a morte é silêncio e paz imensa,

Mas, quando viva, deixaste pegada,

Como outro qualquer ser que sente e pensa
*

 

E nada disto é coisa imaginada

Que essa pegada é muito mais intensa

Do que o vôo ideal de qualquer fada

E nem o Tempo a torna menos densa...
*

 

Vês as marcas do Tempo no teu rosto?

Tal como a ti os anos te moldaram,

Também moldaste tu. Foi-te isso imposto.
*

 

Sem que o sonhasses, teus rastos ficaram;

Perduram, na alegria e no desgosto,

Os traços que os teu pés e mãos gravaram.
*

 


Maria João Brito de Sousa - 06.05.2021 - 22.32h
***


14.
*

"Os traços que os teus pés e mãos gravaram"

no chão imaginário da poesia,

mesmo depois de Ti no chão ficaram

porque de Ti ficou toda a energia.
*


Uma energia que os dias não contaram

porque não tem relógio a fantasia

nem há tempo para os traços que traçaram

a rede mágica, que ficou vazia.
*


Não há rosto com rugas no Outro Eu

que te acompanha como fosse céu

onde uma lua enorme se avizinha...
*

 

Olhas para mim? Para este corpo meu?

Achas que alguma coisa se perdeu

"quando vieres por mim, logo à noitinha"?
*


Laurinda Rodrigues
***

 

Trabalho em  pré-edição 

Reservados os direitos autorais

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

22
Nov20

VIAGEM - COROA DE SONETOS

Maria João Brito de Sousa

viagem.jpg

VIAGEM
*

COROA DE SONETOS

*

 

Laurinda Rodrigues e Maria João Brito de Sousa

*
1
*

Desço ao fundo de mim, ao inconsciente
onde dormem vivências esquecidas.
Sei que naquilo que sou já fui diferente
e que hei-de ser diferente noutras vidas.
*

Sou toda um Uni-verso entrelaçado
de peças materiais que vão expandindo.
Fico parada a olhar o céu alado,
sentindo uma pulsão que está abrindo.
*

Meu outro Ser perdurará na luz
que me envolveu na terra feita em cruz
que não pode fugir ao seu destino...
*

Mas é aqui e agora que me afirmo:
mesmo que o corpo caia no abismo  
a alma cantará, convosco, um Hino.
*

Laurinda Rodrigues
*

2
*

"A alma cantará, convosco, um hino"

Até depois da vida anoitecer

Enquanto se souber que fui menino,

Enquanto alguém lembrar que fui mulher
*

Na memória persiste o tal destino

Que bem longo será se alguém me ler;

Assim o vejo há muito, assim defino

Viagem, vida e espanto de viver.
*

De mim, da minha própria identidade,

Terá sobrado o verso que se evade

À decomposição inexorável
*

Do que foi o meu corpo passageiro;

Cigarro aceso à beira de um cinzeiro

De porcelana breve e descartável.
*

 

Maria João Brito de Sousa - 19.10.2020 - 13.43h

*

3
*

"De porcelana breve e descartável"

ouço cair estilhaços pelo chão

e um riso perverso insaciável

atravessou o espaço da Razão.
*

Talvez seja o diabo em sintonia

com a nossa condição de ser mortais

ele é sempre julgado à revelia

no tribunal dos loucos amorais.
*

Mas não se iludam! Esse demo existe

bem no fundo de nós, onde persiste

uma história de erros, frustrações...
*

Afinal, a loucura pouco importa

se é, com ela, que o poeta exorta

o mundo turbulento das paixões.
*

Laurinda Rodrigues
*

4
*

"O mundo turbulento das paixões"

Faz do Olimpo um nada, uma sequela;

No palco dos heróis e dos vilões

Desta realidade paralela
*

Há gigantes que fogem dos anões

E a Fera é perseguida pela Bela

Enquanto os anjos brincam com dragões

E a bruxa se transmuta em Cinderela.
*

No mais fundo de mim, se o demo existe,

Procuro descobrir-lhe o vulto triste

Mas não lhe encontro rasto e nem o faro
*

Me dá qualquer sinal de outra presença

Que de mim mesma não seja pertença;

Será a sua ausência um caso raro?
*


Maria João Brito de Sousa - 19.11.2020 - 16.22 h
*

5
*

"Será a sua ausência um caso raro?"

ou o transporte ao Olimpo é de avião

e não viu lá de cima o exemplo claro

da luta do gigante com o anão?
*

É preciso esperar pousar na pista

sem muita turbulência na aterragem

para que o piloto hábil lhe resista

sem medo de entrar em derrapagem.
*

Porque isto de emoções tão reprimidas

que fogem ao arbítrio do Rei Midas

na decisão de ser um demo ou anjo
*

é, mesmo, o velho tema do destino

(porque nasceu mulher e não menino)

porque toca piano em vez de banjo?
*

Laurinda Rodrigues
*

6
*

"Porque toca piano em vez de banjo"

Quem no trompete ou na guitarra é ás?

Quem lhe imporá tamanho desarranjo

Ao afastá-lo do que mais lhe apraz?
*

Nestas perguntas, mais tempo não esbanjo;

Não quero incomodar, sendo tenaz,

Quem disto saiba mais que quanto abranjo

E, em coisas destas, nunca fui sagaz...
*

Às emoções, porém, nunca reprimo

Que a toda a hora as rondo, sondo e esgrimo

Com grande habilidade e destemor
*

E aos temas nunca escolho. O meu escolhido

É sempre um som que aflora ao meu ouvido

E me enfeitiça e se me sabe impor.
*


Maria João Brito de Sousa - 20.11.2020 - 11.18h

*
7

"E me enfeitiça e se me sabe impor"

como uma vaga que cresce sem aviso

alerta o marinheiro para compor

o sentido que o leva ao paraíso...
*

Ele não está preparado mas aceita

deixar a onda desfazer na praia...

Não tem sabedoria nem receita:

o instrumento toca aquilo que ensaia.
*

Mas não esqueceu o tema desta vida:

"em frente camarada" destemida!

não há razão que te perturbe o Ser.
*

Músico ou poeta ou marinheiro

o canto das estrelas cabe inteiro

na mutação que vai acontecer.
*

 

Laurinda Rodrigues
*

8
*

"Na mutação que vai acontecer"

E vai acontecendo a cada instante

Do que a mãe-tecelã está a tecer

No seu velho tear desconcertante.
*

Decerto nos irá surpreender

A criatividade galopante

Que esse velho tear demonstra ter

Na sua actividade que é constante.
*

Viaja a tecelã no fio que fia

E viajamos nós em sintonia

Com trama fiada e por fiar,
*

Que é porfiando que tudo se cria

E a trama é tal qual uma melodia

Quer nasça de um piano ou de um tear.
*


Maria João Brito de Sousa - 20.11.2020 - 15.02h

*
9
*

"Quer nasça de um piano ou de um tear",

a mão, que tece, é sempre a mão que cria,

na inspiração do eterno respirar

de uma alma tremendo em fantasia.
*

Fantasia de fada ou de duende,

de uma ave canora ou imitação...

Aquele, que comunica, fogo acende

seja de amor sublime ou perversão.
*

Não é ardil nem sonho camuflado

de palavras subtis de um Ego inflado

pela competição de seus iguais...
*

O papagaio repete aquilo que ouviu

mas, se for transcendente, conseguiu

despertar o segredo dos mortais.
*

Laurinda Rodrigues
*

10
*

"Despertar o segredo dos mortais"

É dar-lhes um lugar nesta viagem

Na qual sempre há lugar pra muitos mais,

Ainda que alguns pensem ser miragem
*

Viajar-se nas lonjuras dos murais,

Nunca tentando agir como outros agem,

Perdendo o Norte aos pontos cardeais

E levando a Garcia outra mensagem.
*

O guia é sempre um ponto de partida

E nem sempre a viagem concebida

Naufraga em perfeição, tendo sucesso.
*

O que importa é cantar, que um hino à vida

Vem de uma voz que é tanto mais ouvida

Quão mais se perca durante o processo.
*

 

Maria João Brito de Sousa - 21.11.2020 - 13.51h

*

11.
*

"Quão mais se perca durante o (seu) processo"

em conexão com outros peregrinos

que atravessam o mar do insucesso

por nunca recusarem seus destinos,
*

será uma montanha de ilusões

ascendendo no ar, quando nascer,

mas, quando o sol se esconde nos porões,

vai deitar-se na proa para morrer.
*

Reavalia, então, o ofuscamento

que fez da sua vida esse tormento

de tanto querer e ter como pessoa
*

E vê pontos de luz que vão chegando

à sua consciência, decifrando

o mal que tanto fez e não perdoa.
*

Laurinda Rodrigues
*

12
*

"O mal que tanto fez e não perdoa",

Porque não nasce, o mal, pra perdoar,

Mas pr`aumentar a dor do que já doa

Mesmo antes desse mal se anunciar.
*

Mal fica quem viaja e fica à toa,

Mas pior ficará quem nunca ousar

Seguir o tal tal apelo que destoa

Do que é tido por norma ou por vulgar.
*

Só não se atreve quem de si não gosta

Ou quem é surdo e cego e tudo aposta

Numa rota alheada e comedida;
*

Esse, que à tempestade sempre arrosta,

Pode - quem sabe? - nem chegar à costa,

Mas até no naufrágio encontra vida.
*


Maria João Brito de Sousa - 21.11.2020 - 15.53h
*

13
*

"Mas até no naufrágio encontra vida"

escolhendo livremente naufragar

sem nunca desejar contrapartida

por ter salvo outro ser de se afogar.
*

Com humildade, enfrenta a turbulência

desse vento feroz, que não esperava

destruísse o sentido da existência

a quem só na matéria acreditava.
*

E aporta o barco no porto criador

escondendo na rocha a sua dor

pela dor de outro Eu sobrevivente.
*

E, apelando à coragem e à união,

deixa no mar os restos da ilusão

que possa a humanidade ser diferente.
*

Laurinda Rodrigues
*

14
*

"Que possa a humanidade ser diferente",

Mais justa, igualitária, equilibrada

Do que a que hoje se curva ao prepotente

E que despreza quem já não tem nada.
*


Mas há que navegar, seguir em frente,

Fazer um esforço, dar outra braçada...

Enquanto um sopro houver, há vida, há gente,

Há a luta, há a esp`rança renovada.
*


Homem que navegando naufragaste

Mas que a qualquer destroço te agarraste

Tentando retardar o teu poente,
*


Não há eternidade que nos baste;

No breve instante que à morte roubaste

"Desço ao fundo de mim, ao inconsciente".
*

 

Maria João Brito de Sousa - 21.11.2020 - 21.37h

 

 

 

 

 

13
Nov20

ARTIMANHA - Coroa de Sonetos

Maria João Brito de Sousa

L`IMPORTANT C´EST LA ROSE.jpeg

ARTIMANHA
*

Coroa de Sonetos
*

Laurinda Rodrigues e Maria João Brito de Sousa
*


1
*

O mal faz-se sempre anunciar.

Às vezes, disfarçado, nem se nota.

Poeira venenosa envolve o ar

e um cheiro nauseabundo fica à solta.
*

Não há palavras, gestos ou imagens

que emudeçam, na alma, o medo insano

São sendas de pavor como paisagens

que atravessam a terra e o oceano.
*

Impõe-se a solidão. Ficarmos presos.

É essa a solução para estar ilesos

de um ataque fortuito que nos espreita...
*

Não vale a pena dizer "sim" ou "não":

tudo aquilo que se diz é sempre em vão,

se a confusão lançada é tão perfeita.
*

Laurinda Rodrigues
*

2
*

"Se a confusão lançada é tão perfeita"

Que aos mais sábios confunde e desatina,

Cremos, então, que o Mal está sempre à espreita

Atrás de cada porta, em cada esquina
*

São coisas de que a Manha se aproveita;

Bem sabemos que a Manha, essa ladina,

Se quer fazer passar por insuspeita

E aquilo que prescreve, nunca assina.
*

Mas passe a Arte a bem ou passe a mal,

Contorna os riscos e enfrenta o medo

Que a ameaça de forma desleal;
*

Abre as janelas de manhã bem cedo

Bebe do Sol a força universal,

Reduz o Mal a peças de brinquedo.

*

Maria João Brito de Sousa - 09.11.2020 - 12.29h

*

3
*

"Reduz o Mal a peças de brinquedo"

mas - cuidado! - que o sol é enganador:

faz de conta que é Pai e mete medo

quando os filhos lhe estragam o fulgor.
*

Mas, afinal, o sol é apenas estrela

entre tantas estrelas que há no céu

e, quando esta verdade se revela,

uma outra dimensão aconteceu.
*

Juntando as peças, que temos na memória,

vemos que "chefes-sóis" fizeram história

que lhes servem a eles, sem discussão...
*

E, usando o globalismo como lema,

garantem, no poder, o seu sistema,

impondo, sem destrinça, esse padrão.
*

Laurinda Rodrigues
*

4
*

"Impondo, sem destrinça, esse padrão"

Que a Maga-lua acorre a transformar;

Assim que o Sol se rende à escuridão

Impõe-lhe ela o seu manto de luar
*

E assim concede ao mundo a sedução

Que o Chefe-sol se nem lembrou de dar,

Quem sabe se por pura distracção,

Se por puro capricho de mandar...
*

Amo o Sol e concedo-lhe o perdão

(ou penso que o consigo perdoar...)

Porque me acende a imaginação,
*

Porque a todos se entrega sem cobrar,

Porque - confesso! - me enche de paixão

E porque, enfim, assumo; sou solar!
*

 

Maria João Brito de Sousa .
*

5.
*

"E porque, enfim, assumo; sou solar"

presa na rota do ciclo de estações,

mesmo, sem canto, encanto à luz lunar,

esquecendo que há, na lua, mutações.
*

Cresce a lua no céu, depois de prenhe

que o sol, na fase "nova", engravidou,

para correr o "quarto" e se despenhe

na "cheia" exibição que a culminou.
*

Podemos ser solares enquanto humanos

mas é como lunares que cultivamos

o caminho perfeito da união...
*

Nada no cosmo existe sem sentido

e é o olhar do poeta, destemido,

que faz, da lua e sol, inspiração.
*

Laurinda Rodrigues
*
6
*

"Que faz, da lua e sol, inspiração"

E que com Arte e Manha lhes dá voz

Porque Arte quer dizer rebelião

E Manha há sempre um pouco em todos nós.
*

Rebeldes, inventamos a paixão,

Manhosos, transformamos algo atroz

Num enredo ideal cuja ilusão

Nasce purpúrea da explosão de uns pós...

*

Triangulamos Terra, Sol e Lua,

Num passe de magia. A Arte, nua,

Por um momento veste os nossos mantos
*

Para, logo a seguir, mostrar-se crua;

Despindo os astros, muda-se em falua

E faz-se ao Mar, explorando outros encantos.
*

 

Maria João Brito de Sousa - 10.11.2020 - 12.54h

*
7
*

"E faz-se ao Mar, explorando outros encantos"

porque, se a Arte é arte, é a expressão

seja em poesia, dança, sons ou cantos

do tempo, que traduz a mutação.
*

E a mutação prevê-se nas estrelas

no para além deste planeta terra,

mesmo que tentem colocar-nos trelas

na desculpa de que Isto é uma guerra.
*

Seremos sábios, mas sábios disfarçados

de humildes servidores desnaturados,

que aceitaram nascer para mendigar...
*

E, enquanto os Reis solares clamam razão,

os pobres servidores vão dando a mão

prosseguindo a arte e manha de os calar.
*

Laurinda Rodrigues
*

 

8
*

"Prosseguindo a arte e manha de os calar"

Sempre que as ordens se tornam brutais,

Semeamos a flor que há-de brotar

Nos prados, nos canteiros, nos quintais
*

 

Da Terra inteira, do céu ou do mar

No qual nadam os peixes e os corais

Proliferam, ainda, sem parar;

Nada, pra si, será longe demais
*

 

Porque a Arte não cuida de barreiras

E há-de passar por todas as fronteiras

Mais forte a cada palmo que conquista.
*

 

Escapar-se-á por fendas e soleiras

Mimetizando as coisas costumeiras;

Ninguém pode impedir que ela subsista!
*

 


Maria João Brito de Sousa - 11.11.2020 - 19.24h
*

9
*

"Ninguém pode impedir que ela subsista"

mesmo vendo que a arte é maltratada

e não é com protestos que resista

a tanta confusão já instalada.
*

Na solidão imposta, versejamos

criando a ilusão que vale a pena...

Mas se, por mero acaso, fraquejamos

as imagens cruéis voltam à cena.
*

Atados ao visor dos aparelhos

que são agora os nossos novos espelhos

retratando o olhar da rendição,
*

talvez ainda sobreviva o sonho

de que este pesadelo tão medonho

se transforme num sonho de paixão.
*

Laurinda Rodrigues
*

10
*

"Se transforme num sonho de paixão"

O que hoje nos parece uma utopia

E a mais que condenada aspiração

De algum idealista em distonia
*

 

E surdo, face a esta distorção,

Ou cego, face a esta pandemia...

É o sonho, contudo, evolução

E a essa nenhum vírus contraria.
*

 

Com Arte e Manha enfim se concretiza

O sonho que ninguém desenraíza

Do ser humano que em si próprio o traz
*

 

E que de quase nada se improvisa

Quando sobre si mesmo profetisa

E acerta, pois de tudo ele é capaz!
*

 


Maria João Brito de Sousa - 11.11.2020 - 22.53h

*

11
*

"E acerta, pois de tudo ele é capaz":

salta barreiras com a mente adormecida

porque, na noite, o sonho dorme em paz

diferente da vigília consentida.
*

Das trevas do profundo inconsciente

compõe lembranças do aqui e agora

e, às vezes, quando o corpo está doente

a alma criadora ri e chora.
*

A confusão, que alastra, não entrava

que faças com teu sonho a tua lavra

numa terra de fértil energia...
*

Não fiques agarrada à voz macabra!

talvez seja o silêncio que nos abra

os sonhos mais proféticos da poesia.
*

Laurinda Rodrigues
*

12
*

"Os sonhos mais proféticos da poesia"

Nascem-me assim que acordo e fico alerta;

A Manha é pouca, mas a Arte cria

A partir de uma mente bem desperta
*

Que a toda a voz macabra repudia,

Nem a ouvindo que outra é descoberta

Nos tons cantantes de uma melodia

Que sobre mundo e vida se concerta.
*

É dum sossego desassossegado,

Talvez silêncio de pronto quebrado,

Que o verso nasce e depois se compõe.
*

Mas só em força nasce se acordado;

Se dorme, nasce tão desafinado

Que nem percebe ao certo o que propõe.
*

 

Maria João Brito de Sousa - 12.11.2020 - 11.35h

*

13.

"Que nem percebe ao certo o que propõe"

seguindo em linha a voz dos ditadores

que a todos nós a submissão impõe

para, depois, nos tratar como traidores.
*

Antigamente três "fs" suportavam

a perda, raiva, medo e frustração;

mas, agora, nem "fs" aguentavam

os espaços vazios da solidão.
*

Todos falam. Ninguém percebe nada.

Fazem-se regras apenas para fachada.

Mais tarde se verá quem vai mandar.
*

Pobre consolação em grande estilo!

Cantam melhor o galo, o melro, o grilo

que a gente entende, mesmo sem escutar.
*

Laurinda Rodrigues
*

14
*

"Que a gente entende, mesmo sem escutar"

Porque esses sabem sempre como e quando

E até entendem que comunicar

É bem mais que dar ordens de comando
*

Pois também será forma de exaltar

A própria vida que lhes vai pulsando

Nos pequeninos corpos, a vibrar,

Enquanto a Terra inteira vai girando
*

E eu, aqui sentada, vou glosando,

Apesar de uma mão me estar sangrando,

Os versos que me deste pra glosar.
*

Enquanto alguns de nós vão acordando,

Outros, sem Arte e Manha, vão tombando;

"O Mal faz-se sempre anunciar".
*

 

Maria João Brito de Sousa - 12.11.2020- 15.26h

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Em livro

DICIONÁRIO DE RIMAS

DICIONÁRIO DE RIMAS

Links

O MEU SEBO LITERÁRIO - Portal CEN

OS MEUS OUTROS BLOGS

SONETÁRIO

OUTROS POETAS

AVSPE

OUTROS POETAS II

AJUDAR O FÁBIO

OUTROS POETAS III

GALERIA DE TELAS

QUINTA DO SOL

COISAS DOCES...

AO SERVIÇO DA PAZ E DA ÉTICA, PELO PLANETA

ANIMAL

PRENDINHAS

EVOLUÇÃO DAS ESPÉCIES

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE POETAS

ESCULTURA

CENTRO PAROQUIAL

NOVA ÁGUIA

CENTRO SOCIAL PAROQUIAL

SABER +

CEM PALAVRAS

TEOLOGIZAR

TEATRO

Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2024
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2023
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2022
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2021
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2020
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2019
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2018
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2017
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2016
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2015
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2014
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2013
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2012
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2011
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2010
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D
  209. 2009
  210. J
  211. F
  212. M
  213. A
  214. M
  215. J
  216. J
  217. A
  218. S
  219. O
  220. N
  221. D
  222. 2008
  223. J
  224. F
  225. M
  226. A
  227. M
  228. J
  229. J
  230. A
  231. S
  232. O
  233. N
  234. D

FÁBRICA DE HISTÓRIAS

Autores Editora

A AUTORA DESTE BLOG NÃO ACEITA, NEM ACEITARÁ NUNCA, O AO90

AO 90? Não, nem obrigada!