Maria João Brito de Sousa
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QUE FAREI QUANDO TUDO ARDE? *
* Desarrezoado amor, dentro em meu peito,
tem guerra com a razão. Amor, que jaz
i já de muitos dias, manda e faz
tudo o que quer, a torto e a direito. *
Não espera razões, tudo é despeito,
tudo soberba e força; faz, desfaz,
sem respeito nenhum; e quando em paz
cuidais que sois, então tudo é desfeito. *
Doutra parte, a Razão tempos espia,
espia ocasiões de tarde em tarde,
que ajunta o tempo; enfim vem o seu dia: *
Então não tem lugar certo onde aguarde
Amor; trata traições, que não confia
nem dos seus. Que farei quando tudo arde? *
Sá de Miranda
in 'Antologia Poética' ***
QUE MAIS PRETENDES TU, SE TUDO ARDE? *
Sempre que em chamas arde este meu peito,
É certo que um poema irá nascer
Qual cavalo de fogo a percorrer
Um novo espaço que eu tão só aceito *
Da razão não me aparto e estou sujeito
À tentação de nela me perder
Se acaso o fogo não parar de arder
E eu me consumir nesse ígneo leito *
Mas Amor e Razão vivem em paz,
Jamais os vi, sequer, fazer alarde
E qualquer um dos dois é bem capaz *
De ao parceiro pedir que se resguarde
Enquanto indaga a chama mais voraz:
- Que mais pretendes tu, se tudo arde? *
Mª João Brito de Sousa
03.01.2025 - 22.00h ***
publicado às 23:34
Maria João Brito de Sousa
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MÃOS III *
Ó mãos hábeis, vadias, mãos sem dono,
velhas mãos condenadas cuja pena
será a sina ingrata e não pequena
de despertardes mal vos chegue o sono... *
Mãos que encontrais um verso ao abandono
numa outra mão que pára e vos acena
com mel e vinho e hastes de verbena
nas mansas tardes de um qualquer Outono *
Ó mãos rudes, gretadas de tão frias,
imprudentes, inquietas, fugidias,
que sempre que sois voz a não calais *
Parai e reparai que estais vazias!
Quem vos roubou o sonho e as alegrias
e assim vos despojou de tudo o mais? *
Mª João Brito de Sousa
10.03.2024 - 21.00h ***
publicado às 21:31
Maria João Brito de Sousa
NUVEM
Lá longe, aonde a vida me começa
- sorria por engano um sol de Inverno -
Não sei que deus me fez sua promessa
E fui outro menino, ávido e terno.
Mas a infância passou, nua e depressa
- subira o Sol como um clarão de inferno -
E fiquei-me neste ar de quem ingressa;
Grotesco, trivial, falso e moderno.
- Número sete, um passo em frente! - Pronto!
(A voz que me chamava, certa e calma,
Não viu que eu avançava cego e tonto...)
Achou-me assim, o tal que me perdeu!
- Ó nuvem! - tarde triste da minh`alma,
Quem por seus sonhos sofre como eu?
António de Sousa
In "Livro de Bordo" (2ª edição) Editorial Inquérito
PÓDIO
"Lá longe, aonde a vida me começa",
O Tempo é bem mais lento do que eu sou;
Corro, passo-lhe à frente a toda a pressa,
Sou quem ao próprio Tempo ultrapassou!
"Mas a infância passou, nua e depressa"
E a vida, quando os passos me travou,
Provou-me que, vivendo, se tropeça
Onde jamais o Tempo tropeçou...
"- Número sete, um passo em frente! - Pronto!"
Eis-me que mal avanço... o Tempo, esse,
Nunca envelhece, nem me dá desconto;
"Achou-me assim, o tal que me perdeu!"
(Mas como não esperar que me perdesse,
Se quis roubar-lhe o seu maior troféu?)
Maria João Brito de Sousa - 19.11.2016 - 21.36h
publicado às 11:20