Maria João Brito de Sousa
"Pensando nos secamos e perdemos Esta força selvagem e secreta Esta semente agreste que trazemos E gera heróis, homens e poetas"
Ary dos Santos
Glosa
"Deuses somos nós!"
"Pensando nos secamos e perdemos"
Mas, não pensando, iremos na colecta
Do que outrem, mais astuto, nos prometa
E que, no fundo e sem saber, já temos;
"Esta força selvagem e secreta"
Em que, hora a hora, nos reacendemos
Já que concretamente a concebemos
Abstracta, de aparência, mas concreta,
"Esta semente agreste que trazemos"
Nesta barca de espanto, em seus dois remos,
Na vela que reclama hastes erectas
"E gera heróis,(e) homens e poetas"...
Eis quanto nos define. O que seremos?
Dessa mesma matéria o talharemos!
Maria João Brito de Sousa - 22.06.2017 – 16.48h
In “ERA UMA VEZ UM POETA...
ARY DOS SANTOS, UM POETA ORIGINAL”
Antologia Horizontes da Poesia, 2017, Euedito
publicado às 19:34
Maria João Brito de Sousa
NA PENUMBRA PINTADA PELA LUA
É teu corpo um soneto que imagino
Que escrevo tantas vezes e, adormeço
No verso que o percorre peregrino
Por curvas e caminhos que conheço
Outros versos me levam ao destino
Quando as horas me acordam e te peço
Que completes um tal verso ladino
E dês ao meu poema recomeço
Na penumbra pintada pela lua
Crescem versos da rima quente e nua
Que fazem a beleza dessa escrita
Sem haver da manhã sequer vislumbre
Declamo cada verso com deslumbre
Quando de mim se abeiram em visita
MEA
23/10/2017
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NUM RECANTO QUALQUER DO MEU PASSADO
“É teu corpo um soneto que imagino”
Recolhido num berço, eternizado
Pela minha memória, meu menino,
Num recanto qualquer do meu passado.
“Outros versos me levam ao destino”
Desse bercinho em mim cristalizado,
Mas sempre que te evoque, pequenino,
Estarás presente, embora em tempo errado;
“Na penumbra pintada pela lua”,
Abres porta e sais comigo à rua
Num gesto rotineiro e natural.
“Sem haver da manhã sequer vislumbre”,
Espero que o sono volte e me deslumbre,
Passando, em vez de sonho, a ser real...
Maria João Brito de Sousa – 23.10.2017 – 17.05h
Imagem - "Le Berceau", Berthe Morisot
publicado às 17:14
Maria João Brito de Sousa
SONHO SOLTO
Sento-me, só, no colo das ideias
Do verso branco que não sei parar…
Sinto o dilatar de todas as veias
Que pulsam em mim, sem me sossegar
Todos os elos, todas as cadeias,
Todas as ondas me vão navegar
E desaguar nas mesmas areias
Do mesmo sol-pôr, do mesmo luar
Cavalgo as marés da tua ternura
Nas dunas de pele que quero sorver…
Saciando a sede na tua candura
O sonho só solto ao anoitecer
No amanhecer da minha loucura
No verso de amor que não vou escrever
João Moutinho
POR ELA
“Sento-me, só, no colo das ideias”,
Enlaço-me nos braços da Razão
E, apagada a chama das candeias,
Confronto a minha humana condição;
“Todos os elos, todas as cadeias”,
Todas as formas de escravização,
São coisas que não sabes, mas premeias,
Não por palavras, mas por omissão.
“Cavalgo as marés da tua ternura”
Quando descanso e sempre que puder,
Mas assim que a Razão sonda e perfura
“O sonho só solto ao anoitecer”,
É por ela que aceito esta ruptura
E, por ela, só dela passo a ser.
Maria João Brito de Sousa – 28.08.2017 – 11.58h
Desenho de Júlio (irmão do poeta José Régio)
publicado às 07:30
Maria João Brito de Sousa
QUERIA SER POEMA
Queria ser poema, não poeta
Poema que espalhasse afecto e amor
Por todos os recantos do planeta
Onde se dita a guerra, se faz dor
Poema que escorresse da caneta
De qualquer presidente ou ditador
Que ao assinar metesse na gaveta
Tal decreto com fim exterminador
Queria ser poema no luar
Para poder à noite iluminar
Quem nada tendo dorme na calçada
Poema só com versos de amizade
De alegria, prazer felicidade
Lidos em cada triste madrugada
MEA
14/08/2017
UNOS, AINDA QUE SÓS
“Queria ser poema, não poeta”,
E tantas, tantas vezes o sonhei
Que acabou por ser essa a minha meta
Quando, ao último verso, enfim cheguei.
“Poema que escorresse da caneta”
Como sangue da carne em que o gerei,
Que me deixasse grávida e repleta
Do tanto que perdi quando me dei.
“Queria ser poema no luar”,
Ou verso apenas, sob a luz solar,
Mas sempre sob um sol de todos nós.
“Poema só com versos de amizade”
Que nunca nos negasse a liberdade
De sermos unos, mesmo estando sós.
Maria João Brito de Sousa – 23.08.2017 – 10.21h
(Imagem retirada do Google)
publicado às 13:41
Maria João Brito de Sousa
UM BARQUITO NO TEJO
Lá ao longe nas águas cor de prata
Onde o sol se refresca ao fim do dia
E onde o Tejo convida uma fragata
Vai um barquito, só...sem companhia
Vai sereno na sua passeata
Deslizando em reflexos de poesia
Sob a ponte onde a água é mais pacata
Quando a tarde é já cor de fantasia
Parece quedo ali ao meio do rio...
Somente o balouçar lento e macio
Denota que ele vai a navegar
De vela içada segue o seu destino
E ao leme leva um sonho de menino
Feito de sol de brisas e de mar
MEA 20/08/2017
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JANGADA DE SONHOS
“Lá ao longe, nas águas cor de prata”,
Flutua uma jangada aventureira
Humilde, porque toda se recata,
Sem âncora, sem rumo e sem fronteira.
“Vai sereno/a na sua passeata”,
Ao sabor das marés voga ligeira;
Só nas cristas das ondas se retrata
E só no azul do céu se espelha inteira.
“Parece quedo/a, ali, ao meio do rio”,
Onde não passa mais nenhum navio;
O mar que a espera é seu, de mais ninguém!
“De vela içada segue o seu destino”
Deixando atrás de si o rasto fino
Do sonho com que ousou deixar Belém.
Maria João Brito de Sousa – 21.08.2017 – 10.44h
publicado às 10:57
Maria João Brito de Sousa
SONETO
Por que me descobriste no abandono Com que tortura me arrancaste um beijo Por que me incendiaste de desejo Quando eu estava bem, morta de sono? Com que mentira abriste meu segredo De que romance antigo me roubaste Com que raio de luz me iluminaste Quando eu estava bem, morta de medo? Por que não me deixaste adormecida E me indicaste o mar, com que navio E me deixaste só, com que saída? Por que desceste ao meu porão sombrio Com que direito me ensinaste a vida Quando eu estava bem, morta de frio?
Chico Buarque
SONETO II
Porque vieste assim, louco e sem dono,
Falar-me de mil coisas nunca ouvidas
E me afagaste com mãos decididas,
“Quando eu estava bem, morta de sono?”
Porque bateste à porta, manhã cedo,
E me ofuscaste em luz, na luz que entrava
Por essa mesma porta que eu fechava,
“Quando eu estava bem, morta de medo?”
Porque é que me quiseste dividida,
Se inteiro preencheste este meu rio
“E me deixaste só, com que saída?”
Porque foi que sorveste cada fio
Duma água que jamais fora bebida,
“Quando eu estava bem, morta de frio?”
Maria João Brito de Sousa – 18.08.2017 – 19.41h
(Neste segundo soneto, todos os versos que se encontram entre aspas são da autoria de Chico Buarque)
"Menina Sentada" - Portinari
publicado às 07:33
Maria João Brito de Sousa
TEMPO INSENSÍVEL
Soneto em versos de 11 sílabas (os meus preferidos)
A noite caíra encobrindo a cidade E as poças que a chuva da tarde fizera! Da minha janela soprava-me a espera Enquanto embalava, no colo, a saudade
Inspirei, absorto, a fria humidade Soltei o soluço que em mim retivera Pensando que bom, oh meu Deus quem me dera Ter hoje e agora quinze anos de idade
Mas sendo insensível o tempo não trava A louca corrida que o relógio grava E segue somando minutos e anos
Indif’rente a sonhos desejos e planos Lá vai me lembrando que ele ao ir passando De mim vai também minha vida levando.
Abgalvão (in Palavras com Alma)
BAIXOS-RELEVOS
(em versos de onze sílabas métricas)
“A noite caíra encobrindo a cidade”
Que em sombras desvenda seus becos, vielas,
Seus prédios mais altos e suas capelas
Que, de alvas, brilhavam sob a claridade.
“Inspirei absorta a fria humidade”,
Chorei sob um céu sem lua, nem estrelas,
Onde nada brilha... nem um rasto delas
No intenso negrume que agora me invade,
“Mas sendo insensível, o tempo não trava”
A lágrima em fuga que escorre e que lava
Memórias doridas, doridos enganos,
“Indif`rente a sonhos, desejos e planos”,
Prossegue incansável nas marcas que grava
E nem se dá conta de ter-me por escrava...
Maria João Brito de Sousa – 26.07.2017 – 14.45h
Imagem retirada do Google
publicado às 13:00
Maria João Brito de Sousa
COLHI CACHOS DE SOL
Colhi cachos de sol já à tardinha
E juntei-lhe uma fruta bem madura
Com água, gelo e gim. Fiz caipirinha
Que fui bebendo em copos de ternura
No olhar ficou em jeito de adivinha
O fulgor que o sol pôs nesta mistura
Senti-me ao fim da tarde uma rainha
Dourada como a mais bela escultura
Já a lua vestia de cambraia
Descalça entrei nas ondas duma praia
E apanhei nelas véus de renda fina
Cobri o rosto e andei sem rumo exacto
Pensamento vazio olhar abstracto
Nos pés descalços asas de menina
MEA
22/07/2017
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FAMILIAR(IDADES)...
“Colhi cachos de sol já à tardinha”,
Gomos de lua cheia e reluzentes
Bagos, desses que brotam duma vinha
De que outros se embebedam, desistentes...
“No olhar ficou um jeito de adivinha”;
Sabes, de saber feito, ou só pressentes,
De mim, quanto era meu? Que me mantinha
Assim, perseverante, entre indif`rentes?
“Já a lua vestia de cambraia”
Quando, no horizonte, o sol desmaia
E, fascinada, então, pelo poente,
“Cobri o rosto e andei sem rumo exacto”
Encontrando um irmão em cada gato
E, em cada cão sem dono, outro parente...
Maria João Brito de Sousa – 26.07.2017 – 11.25h
publicado às 11:47
Maria João Brito de Sousa
RENÚNCIA
A minha mocidade há muito pus No tranquilo convento da tristeza; Lá passa dias, noites, sempre presa, Olhos fechados, magras mãos em cruz... Lá fora, a Noite, Satanás, seduz! Desdobra-se em requintes de Beleza... E como um beijo ardente a Natureza... A minha cela é como um rio de luz... Fecha os teus olhos bem! Não vejas nada! Empalidece mais! E, resignada, Prende os teus braços a uma cruz maior! Gela ainda a mortalha que te encerra! Enche a boca de cinzas e de terra Ó minha mocidade toda em flor! Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade"
AFIRMAÇÃO
“A minha mocidade há muito pus”
No cantinho das coisas já passadas
Que guardo, dia a dia acumuladas,
Porque só a memória as reproduz...
“Lá fora, a noite, Satanás seduz!”
Mas eu que, renegando almas penadas,
Observo as gentes tristes e cansadas,
Deduzo cada medo que as traduz;
“Fecha os teus olhos bem! Não vejas nada!”
- Só fecho os olhos quando, atordoada,
Possa o sono nublar-me a lucidez!
“Gela ainda a mortalha que te encerra!”
- E eu quero lá saber de quem me enterra,
Se morro por chegar a minha vez?!
Maria João Brito de Sousa – 12.07.2017 - 16.26h
publicado às 16:48
Maria João Brito de Sousa
AGORA II
Agora, diz-me tudo o que quiseres
Agora, é o momento de sentir
Agora, não desfolho malmequeres
Agora, é o instante de sorrir
Agora, é uma pressa que tu queres
Agora, é outro passo no porvir
Agora, é outra seta que desferes
Agora, nem me chegas a ferir
Agora, já passou, já é futuro
Agora, foi o tempo que perdi
Agora, se quiser, posso ser puro
Agora, não importa o que vivi
Agora, já não posso ser mais duro
Agora, já não sei viver sem ti
João Moutinho
MORDENDO O ALHEIO FRUTO
“Agora, diz-me tudo o que quiseres”,
Agora, e não depois, te glosarei,
Agora, bem sabendo que preferes
Que apenas prove e diga que gostei.
“Agora, é uma pressa que tu queres”
E foi precisamente onde eu parei,
Agora, vou esquecer quanto opuseres
Aos versos que, na pressa, te roubei.
“Agora, já passou, já é futuro”
Agora, sem pedir - nada pedi... -,
Tomo posse daquilo que capturo.
“Agora, não importa o que vivi”,
Mordo o poema urgente e já maduro
Que sem pedir licença aqui colhi.
Maria João Brito de Sousa – 24.06.2017 - 09.15h
publicado às 10:13
Maria João Brito de Sousa
FANTASIA, SONHOS E BRINQUEDOS
Há fantasia, sonhos e brinquedos
Fundidos com amor e esperança
Alegria aventuras e segredos
Nos olhos inocentes da criança
E quando chora e grita com os medos
Nos seus olhos há gotas numa dança
Translúcida, que brotam quais torpedos
Até sentir de novo ar de bonança
Se na água do rio se vê espelhada
Tem nos olhos uma estrela desenhada
Que cintila nos risos que declama
Como sendo poemas, esses risos
Mágicos, que se fazem de improvisos
Quando os seus olhos vêm quem ama
MEA
1/06/2017
A CURIOSIDADE INFANTIL
"Há fantasia, sonhos e brinquedos"
E essa curiosidade natural
Que, ao fervilhar nas pontas dos seus dedos,
Desvenda do complexo ao mais banal
"E quando chora e grita com os medos",
São esses choros coisa ocasional,
Porque logo se apagam nos folguedos
Que engendra pela casa, ou no quintal...
"Se na água do rio se vê espelhada",
Sobre ela se debruça extasiada,
Fantasiando sobre o que ali viu...
"Como sendo poemas, esses risos",
São seus? Serão reflexos imprecisos?
Foi ela ou foi a água quem sorriu?
Maria João Brito de Sousa -02.06.2016 - 10.36h
publicado às 10:50
Maria João Brito de Sousa
PERDI-ME
Perdi-me nos abraços da saudade
Nos passos que me esquecem no caminho
Na escuridão que ensombra de verdade
O que restou do lar que era meu ninho...
Perdi-me nesta noite de ansiedade
Neste tempo desfeito, tão sozinho...
Sentindo a cada passo a realidade
Deste meu mundo triste...que adivinho.
Mas tento inda encontrar essa vontade
De vencer a tristeza que me invade
E luto no final do meu caminho...
Perdi-me nos abraços da saudade
Nesta triste e cruel realidade
Sentindo que por vezes já definho...
Helena Fragoso
ULTRAPASSAGEM
“Perdi-me nos abraços da saudade”,
Mas mesmo que a saudade me faltasse,
Ter-me-ia bastado a liberdade
Pedir-me que fosse eu quem a abraçasse…
“Perdi-me nesta noite de ansiedade”
E embora em minha cama pernoitasse,
Sonhei ser uma escrava que se evade
Das masmorras de fel que outrem criasse…
“Mas tento inda encontrar essa vontade”;
Onde hoje encontro só contrariedade,
Enfrento, dia e noite, o mesmo impasse…
“Perdi-me nos abraços da saudade”
Mas sobra-me esta dura realidade
E a esp`rança de que um sonho me ultrapasse.
Maria João Brito de Sousa – 25.05.2017 – 09.34h
publicado às 12:15