DIALOGANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO - Glosas
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"A Morte de Safo" - Miguel Carbonell Selva
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DIALOGANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XXX
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Formosos olhos, que na idade nossa
Mostrais do Ceo certissimos signais,
Se quereis conhecer quanto possais,
Olhai-me a mim, que sou feitura vossa.
*
Vereis que do viver me desapossa
Aquelle riso com que a vida dais:
Vereis como de Amor não quero mais,
Por mais que o tempo corra, o damno possa.
*
E se ver-vos nesta alma, emfim, quizerdes,
Como em hum claro espelho, alli vereis
Tambem a vossa angelica e serena.
*
Mas eu cuido que, só por me não verdes,
Ver-vos em mim, Senhora, não quereis:
Tanto gôsto levais de minha pena!
*
Luís de Camões.
***
Tal como pelo Céu, por vós aspiro
Não tão serena quanto imaginais
Porquanto inda de vós não vi signais
E em minha solidão por vós suspiro
*
Tão queda estou, Senhor, neste retiro
Onde mal chega o canto dos pardais
Que não posso entender porque julgais
Que dessa vossa pena gôsto tiro
*
Não podendo fugir de penas tantas
Suplico-vos, Senhor: Não me julgueis
Sem que antes tenhais vindo confirmar
*
Que presa à terra vivo como as plantas
E só almejo o dia em que volteis
Para nos vossos olhos me mirar.
*
Mª João Brito de Sousa
03.05.2024 - 10.530h
***
O soneto de Camões foi transcrito do blog Sociedade Perfeita
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LAMIA AND THE KNIGHT
John William Waterhouse
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DIALOGANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO
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DIANA PRATEADA, ESCLARECIA
*
Diana prateada, esclarecia
com a luz que do claro Febo ardente,
por ser de natureza transparente,
em si, como em espelho, reluzia.
*
Cem mil milhões de graças lhe influía,
quando me apareceu o excelente
raio de vosso aspecto, diferente
em graça e em amor do que soía.
*
Eu, vendo-me tão cheio de favores
e tão propinco a ser de todo vosso,
louvei a hora clara, e a noite escura,
*
pois nela destes cor a meus amores;
donde colijo claro que não posso
de dia para vós já ter ventura.
*
Luís de Camões
***
Enganais-vos, Senhor. A qualquer hora
De um dia claro ou de uma noite escura,
Estou pronta a conceder-vos a ventura
Que em carícias se acende e se demora
*
Não vedes que o desejo me devora?
Aplacai-me esta sede, esta secura,
Que eu prometo levar-vos à loucura
Com a graça e o ardor que Diana ignora...
*
Que Febo e ela juntos se consolem
Enquanto vindes consolar-me a mim
Que mais sedenta estou que qualquer deus
*
Derramai sobre mim o vosso pólen,
Tomai-me toda inteira até que, enfim,
Vos jure que me haveis levado aos céus.
*
Mª João Brito de Sousa
30.04.2024 - 10.00h
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DIALOGANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XXVIII
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CHORAI, NINFAS, OS FADOS PODEROSOS
*
Chorai, Ninfas, os fados poderosos
Daquela soberana fermosura!
Onde foram parar ? Na sepultura?
Aqueles reais olhos graciosos?
*
Ó bens do mundo, falsos e enganosos!
Que mágoas para ouvir! Que tal figura
Jaza sem resplendor na terra dura,
Com tal rostro e cabelos tão fermosos!
*
Das outras que será, pois poder teve
A morte sobre cousa tanto bela
Que ela eclipsava a luz do claro dia?
*
Mas o mundo não era digno dela;
Por isso mais na terra não esteve:
Ao Céu subiu, que já se lhe devia.
*
Luíz de Camões
***
Chorando estamos. Nada nos consola
E se julgais infinda a vossa dor
A nossa é com certeza bem maior
Pois não só nos tortura como imola
*
Porque correis pra nós pedindo a esmola
De um choro que julgais consolador
Se somos meras nuvens de vapor
Suaves visões que a dor em vós empola?
*
E se entendeis que o Céu lhe era devido
Porque a chorais na Terra onde ora jaz?
Porque não exultais, se assim o credes?
*
Chorai, porém, se o choro vos apraz:
Pra vós, mortais, o choro faz sentido
Mas não sacia as nossas duras sedes.
*
Mª João Brito de Sousa
29.04.2024 - 13.00h
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DIALOGANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XXVII
*
DOCE CONTENTAMENTO JÁ PASSADO
*
Doce contentamento já passado,
em que todo o meu bem já consistia,
quem vos levou de minha companhia
e me deixou de vós tão apartado?
*
Quem cuidou que se visse neste estado
naquelas breves horas de alegria,
quando minha ventura consentia
que de enganos vivesse meu cuidado?
*
Fortuna minha foi cruel e dura
aquela, que causou meu perdimento,
com a qual ninguém pode ter cautela.
*
Nem se engane nenhüa criatura,
que não pode nenhum impedimento
fugir do que lhe ordena sua estrela.
*
Luís de Camões
***
Sobre os mandos de estrelas nada sei
Mas conheço as pulsões que, imperativas,
Chamo de musas e dão directivas
Aos versos que já fiz e aos que farei.
*
Chorais a que partiu, mas eu fiquei...
Nem sempre uso palavras assertivas,
Ou sinto as vergastadas punitivas
De quem cuidar dos passos que não dei
*
Apenas passo como tantos mais
Por essa vossa estrela e, se me invento
Dentro ou fora do Tempo, aqui estou eu
*
Na projecção de mim pra que saibais
Que vos devolvo à vida e que lamento
Que o Amor que chorais não seja o meu.
*
Mª João Brito de Sousa
26.04.2024 - 20.45h
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DIALOGANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XXVII
*
EL VASO RELUCIENTE Y CRISTALINO
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El vaso reluciente y cristalino,
de Ángeles agua clara y olorosa,
de blanca seda ornado y fresca rosa,
ligado con cabellos de oro fino,
*
bien claro parecía el don divino
labrado por la mano artificiosa
de aquella blanca Ninfa, graciosa
más que el rubio lucero matutino.
*
Nel vaso vuestro cuerpo se afigura,
raxado de los blancos miembros bellos,
y en el agua vuestra ánima pura.
*
La seda es la blancura, y los cabellos
son las prisiones y la ligadura
con que mi libertad fue asida dellos.
*
Luís de Camões
***
A mí, Señor, me habías prometido
Entero el corazón... Cómo creer-te
Si ahora oigo que vas a perder-te
¿Por otra, qué seguro te ha mentido?
*
Así me quedo sola, así te olvido
¡Sin lloros, que no quiero detener-te!
Solo palabras podré devolver-te
Y serán todas las que te he oído
*
Quédate con tu vaso reluciente
Que pronto quebrarás a puñetazos
Porque se te habrá vuelto indiferente
*
Ya no me embromarás con tus abrazos,
Ahora sé que puedo hacerte frente:
¡Jamás me romperás en mil pedazos!
***
Mª João Brito de Sousa
21.04.2024 - 15.00h
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DIALOGANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XXVI
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DOCES E CLARAS ÁGUAS DO MONDEGO
*
Doces e claras águas do Mondego,
Doce repouso de minha lembrança,
Onde a comprida e perfida esperança
Longo tempo apos si me trouxe cego,
*
De vós me aparto, si; porém não nego
Que inda a longa memoria, que me alcança,
Me não deixa de vós fazer mudança,
Mas quanto mais me alongo, mais me achego
*
Bem poderá a Fortuna este instrumento
Da alma levar por terra nova e estranha,
Offerecido ao mar remoto, ao vento.
*
Mas a alma, que de cá vos acompanha,
Nas azas do ligeiro pensamento
Para vós, águas, vôa, e em vós se banha.
*
Luís de Camões
***
Também pra mim, Senhor, esse Mondego
Tem tantas graças, tão doces mistérios
Que o ouço a marulhar nos céus etéreos
Nos quais passeio o meu desassossego
*
Ó rio que és de meu pai, nada te nego
E, se os tivesse, dar-te-ia impérios
Dos que, feitos de amor, são deletérios
Pra todo o que ao amor se mostre cego...
*
Ponho-te ao lado do meu Tejo manso
E se recordo, agreste, o velho Douro,
Três sois, se está correcto o meu balanço:
*
Tu, meu Tejo moreno, és o meu mouro,
Tu, Douro, a minha garra e o seu remanso
E tu, Mondego, o meu gentil calouro.
*
Mª João Brito de Sousa
20.04.2024 - 10.00h
***
Memorando o poeta António de Sousa, por Vitorino Nemésio apodado de "poeta dos três rios" por ter nascido no Porto, estudado e casado em Coimbra onde o meu pai nasceu, e vivido os seus últimos anos junto ao Tejo, no Concelho de Oeiras.
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DIALOGANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XXV
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DOCE SONHO, SUAVE E SOBERANO
*
Doce sonho, suave e soberano,
se por mais longo tempo me durara!
Ah! quem de sonho tal nunca acordara,
Pois havia de ver tal desengano!
*
Ah! deleitoso bem! ah! doce engano,
se por mais largo espaço me enganara!
Se então a vida mísera acabara,
de alegria e prazer morrera ufano.
*
Ditoso, não estando em mim, pois tive,
dormindo, o que acordado ter quisera.
Olhai com que me paga meu destino!
*
Enfim, fora de mim, ditoso estive.
Em mentiras ter dita razão era,
pois sempre nas verdades fui mofino.
*
Luís de Camões
***
Que haveis sido mofino nas verdades
Sempre eu o soube e sempre o perdoei
Que embora resmungasse, bem o sei,
Nunca vos quis ter preso atrás de grades
*
Pra mim, ora o ciúme, ora as saudades
Ditaram penas que por vós penei,
Mas vós nem destes conta, reparei,
De haverdes cometido atrocidades...
*
Amai damas ou deusas, mas calai-vos
Antes de me mentirdes novamente:
Esquecei-me de uma vez, deixai-me em paz!
*
Tem a mentira da verdade uns laivos
Que me traem, às vezes, corpo e mente
E eu de escapar-vos já não sou capaz...
*
Mª João Brito de Sousa
17.04.2024 - 13.30h
***
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*
DIALOGANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XXIV
*
MUDAM-SE OS TEMPOS, MUDAM-SE AS VONTADES
*
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
*
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
*
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E enfim converte em choro o doce canto.
*
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
*
Luís Vaz de Camões
In "Sonetos"
***
"Que não se muda já como soía"
Tudo quanto é mudado e permanece
Na extrema rapidez em que se tece
Qual fio sempre a brotar da mão que o fia
*
E tão depressa o gesto se abrevia
Que a mão exausta toda se entorpece
E faz nascer o mal de que padece
Do que antes fora o bem de que fruía...
*
O que ontem era novo, hoje é passado,
Ninguém vê nele alguma utilidade,
Fatalmente é esquecido, abandonado
*
Porque mal se fareje a novidade
Todos porão de lado o bom trocado
Plo espaventoso e fraco em qualidade.
*
Mª João Brito de Sousa
17.04.2024 - 01.20h
***
Eu, fotografada por Rogério V. Pereira
*
DIVERSOS DÕES REPARTE O CÉU BENINO
*
Diversos dões reparte o Ceo benino,
E quer que cada huma alma hum só possua;
Por isso ornou de casto peito a Lua,
Que o primeiro orbe illustra crystallino;
*
De graça a Mãe formosa do Menino,
Que nessa vista tẽe perdido a sua;
Pallas de sciencia não maior que a tua:
Tẽe Juno da nobreza o imperio dino.
*
Mas junto agora o largo Ceo derrama
Em ti o mais que tinha, e foi o menos
Em respeito do Autor da natureza.
*
Que a seu pezar te dão, formosa dama,
Seu peito a Lua, sua graça Venos,
Sua sciencia Pallas, Juno sua nobreza
*
Luís de Camões
***
Eu que formosa fui em tempos idos
Mas despojada estou dessoutros dões,
Não sei por que converso com Camões
Se o grande vate não quer dar-me ouvidos...
*
Ainda que me cubra de vestidos,
De jóias de quilate e de galões,
Este corpo é tão falho em atracções,
Quão fértil em maleitas e pruridos!
*
De infindos dões, contudo, fui dotada
P`lo já citado Autor da natureza
Que mui pródigo foi para comigo
*
Ao dar-me a voz que deu, pra ser cantada,
Ao deixar-me morrer voltando ilesa
E ao ceder-me um tal Mestre enquanto amigo.
*
Mª João Brito de Sousa
16.04.2024 - 11.00h
***
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DIALOGANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XXIII
*
COMO QUANDO DO MAR TEMPESTUOSO
*
Como quando do mar tempestuoso
O marinheiro todo trabalhado,
De hum naufragio cruel sahindo a nado,
Só de ouvir fallar nelle está medroso:
*
Firme jura que o vê-lo bonançoso
Do seu lar o não tire socegado;
Mas esquecido ja do horror passado,
Delle a fiar se torna cobiçoso:
*
Assi, Senhora, eu que da tormenta
De vossa vista fujo, por salvar-me,
Jurando de não mais em outra ver-me;
*
Com a alma que de vós nunca se ausenta,
Me tórno, por cobiça de ganhar-me,
Onde estive tão perto de perder-me.
*
Luíz de Camões
***
Se vos haveis ganhado onde perdido
Estivestes quase, quase, em fúria tanta,
Cuidai de vos cuidar que se alevanta
Tormenta bem maior que a que heis sentido
*
Imensa em força, doble em arruído
E capaz de vergar mesmo Atalanta,
Esta a todas as outras as suplanta
Pois mais de mil borrascas há vencido
*
Fugi então de ouvir novas de mim:
Se da fúria primeira vos salvastes,
Quiçá duma segunda o não possais...
*
Fugi com vosso frágil bergantim
Da extrema indignação que provocastes
Conquanto de inocência vos cubrais!
*
Mª João Brito de Sousa
28.03.2024 -11.00h
***
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DIALOGANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XXII
*
CANTANDO ESTAVA UM DIA BEM SEGURO
*
Cantando estava um dia bem seguro,
Quando passava Silvio, e me dizia:
(Silvio, pastor antiguo que sabia
Por o canto das aves o futuro)
*
"Méries, quando quizer o Fado escuro,
A oprimir-te virão em um só dia
Dois lobos; logo a voz e a melodia
Te fugirão, e o som suave e puro."
*
Bem foi assi; porque hum me degolou
Quanto gado vacum pastava e tinha,
De que grandes soldadas esperava.
*
E, por mais dano, o outro me matou
A cordeira gentil, que eu tanto amava,
Perpétua saudade da alma minha!
*
Luíz de Camões
***
Se dura foi de Sílvio a profecia,
Imaginai quão mais dura será
A isenta narrativa de quem está
Hoje a quinhentos anos desse dia...
*
Plo nome que escolheis vos chamaria
E assim vos chamarei se tal vos dá
Prazer... Ah, que prazer inda haverá
Pra quem, morto, não chore nem se ria?
*
Sílvio não sou. Tampouco sou profeta,
Mas sei que na miséria haveis morrido,
De pouco vos valeu serdes poeta
*
Que, enquanto vivo, tudo haveis perdido!
Haveis cantado a Pátria como um esteta
Mas só depois de morto fostes lido.
*
Mª João Brito de Sousa
24.03.2024 - 14.00h
***
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