Maria João Brito de Sousa
(Soneto em verso hendecassilábico)
-Dos lírios do campo que viste há bocado,
Nenhum foi plantado. Repara que além,
Já do outro lado, verdinho e doirado,
Aos olhos, um prado florido nos vem...
-São giestas bravas! Quero ir ver o prado!
Vem vê-lo comigo! Vamos vê-lo, mãe!
-Vamos! Não te esqueças, tens de ter cuidado,
Não estragues as flores, que cheiram tão bem!
-Ainda por cima, vê-se ao longe o gado!
Ver coisas tão novas deixou-me encantado...
Prometo cuidado e vou vê-lo também!
-Vai, filho, vai vê-lo, não fiques parado!
Eu fico sentada neste descampado
Que a todos pertence e não é de ninguém...
Maria João Brito de Sousa – 10.09.2017 – 16.05h
Imagem retirada da net, via Google
publicado às 16:17
Maria João Brito de Sousa
A MINHA DOR
*
A minha Dor é um convento ideal,
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.
*
Os sinos têm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal...
E todos têm sons de funeral
Ao bater horas no correr dos dias...
*
A minha Dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!
*
Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve... ninguém vê... ninguém...
*
Florbela Espanca
In "Livro de Mágoas"
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MINHA DOR, MINHA MUSA
*
A minha Dor, se às vezes me domina,
As mais das vezes bate em retirada;
Diante de um poema, vale um nada
Do que me vale o verso que a fascina!
*
Minh`alma - minha carne e minha sina -
Quando por tanta dor desencantada,
Consuma-se em soneto e, consumada,
Torna-se a dor, menor, mais pequenina
*
E se, em verdade, a Dor molda o meu mundo,
Também a ela a moldo, se a confundo
Com tão frontal estratégia e, já confusa,
*
Envergonha-se e tenta-se esconder...
Quanto daria a Dor para entender
Como é que dela faço a minha Musa?
*
Maria João Brito de Sousa - 11.12.2016 - 10.10h
IMAGEM - "Fábula e Verdade" , José de Brito (meu bisavô)
publicado às 23:30
Maria João Brito de Sousa
SONETO PRESENTE
Não me digam mais nada senão morro aqui neste lugar dentro de mim a terra de onde venho é onde moro o lugar de que sou é estar aqui. Não me digam mais nada senão falo e eu não posso dizer eu estou de pé. De pé como um poeta ou um cavalo de pé como quem deve estar quem é. Aqui ninguém me diz quando me vendo a não ser os que eu amo os que eu entendo os que podem ser tanto como eu. Aqui ninguém me põe a pata em cima porque é de baixo que me vem acima a força do lugar que fôr o meu José Carlos Ary dos Santos, in "Resumo"
SONETO DE "ANTES QUEBRAR QUE TORCER"
E que posso dizer-te que não saibas
Melhor dizer do que eu jamais direi?
Poeta, não há sonho em que não caibas,
Nos sonhos infindáveis que eu sonhei,
Nem há garra maior, mais ternas raivas,
Nem palavras, das tantas que engendrei,
Nem unhas com que as laive como as laivas,
Nem dedos, nem paixão, nem regra, ou lei,
Mas, vender-me? Isso não, nunca o faria!
Como tu, mais depressa quebraria
Do que me vergaria à adulação
E pata que me pise é pata morta,
Que eu mesmo sendo fraca, sei ser "torta"
E sei, tal como tu, dizer que não!
Maria João Brito de Sousa - 24.11.2016 - 18.29h
publicado às 09:24
Maria João Brito de Sousa
E POR VEZES
E por vezes as noites duram meses E por vezes os meses oceanos E por vezes os braços que apertamos nunca mais são os mesmos E por vezes encontramos de nós em poucos meses o que a noite nos fez em muitos anos E por vezes fingimos que lembramos E por vezes lembramos que por vezes ao tomarmos o gosto aos oceanos só o sarro das noites não dos meses lá no fundo dos copos encontramos E por vezes sorrimos ou choramos E por vezes por vezes ah por vezes num segundo se evolam tantos anos
David Mourão-Ferreira, in 'Matura Idade'
PORÉM...
Noutras vezes, porém, os dias voam
E as noites são parcelas de segundos
No ciclo biológico dos mundos
Que aos sonhos dos humanos não perdoam
E, passando a voar, nos atordoam
O estremunhado sono em espasmos fundos,
A nós que aqui provamos ser fecundos
Na esp`rança de que uns deuses se condoam...
Passageiros da vida, é no naufrágio
Que temos cais seguro e prometido,
Votado e assegurado por sufrágio
Da própria natureza que nos gera...
(pois não! Não nos foi nunca garantido
mais tempo do que o tempo desta espera)
Maria João Brito de Sousa - 24.11.2016 - 14.36h
publicado às 09:45