Maria João Brito de Sousa
PERSIGO A VIDA NUM CAVALO À SOLTA *
Corro de mim pra ti, de ti pra mim,
Corro conquanto imóvel e sentada,
Por estranho que pareça ser que assim
Eu corra tanto mais quão mais parada *
Vivo a correr e, do princípio ao fim,
Mais veloz do que a luz - quando apagada -
Semeio os versos meus no teu jardim
E colho os teus, aos quais durmo abraçada. *
Sinto que corro, mas... será que corro?
Será que se me calo paro e morro
E que só porque o digo sobrevivo *
À desistência, quando sou revolta?
Persigo a vida num cavalo à solta
Que se fartou de se sentir cativo! *
Mª João Brito de Sousa
10.04.2023 - 00.15h ***
publicado às 00:21
Maria João Brito de Sousa
DE AMAR E DE SENTIR, NÃO TENHO MEDO! *
De amar e de sentir, não tenho medo|
Pode lá ser cobarde o/a sonetista
Que nada finge e nunca faz segredo
Daquilo que é, porquanto o deixa à vista? *
Amo os poemas todos a que acedo
E saboreio tudo a quanto assista
Que amo também, se bem que seja enredo
Tecido pelas mãos de um outro artista *
Amo as pessoas, amo a natureza
E até num cardo encontro a tal beleza
Que me encanta e consegue seduzir-me *
Mas, a tudo o que amar, é com pureza
Que o trago aqui, que o sento à minha mesa
E o transformo no pão que há-de nutrir-me. *
Mª João Brito de Sousa
24.03.2023 - 12.39h ***
Soneto inspirado nesta publicação
publicado às 08:56
Maria João Brito de Sousa
VERSOS DO DESENGANO *
O Mundo não me vê. Sou invisível
Como as teimosas ervas dos caminhos
E estes meus versos frágeis, comezinhos,
Não passam de um rumor quase inaudível... *
Não fosse eu tão humana, perecível
E eterna escrava dos meus desalinhos...
Mas os astros também morrem sozinhos
E nem esse teu deus foi infalível! *
O que é o Mundo, amor que um dia amei,
Se não a rocha astral em que me sei
Até que um dia deixe de saber-me *
E se os infindos beijos que deixei
Nos versos dos poemas que engendrei,
Não me tornam maior que um simples verme? *
Mª João Brito de Sousa
16.04.2022 - 11.45h ***
Memorando o soneto VERSOS DE ORGULHO de Florbela Espanca *
publicado às 12:27
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em decassílabo heróico)
O céu não tem limites, nem fronteiras
E, tanto quanto sei, nem tecto tem,
Mas nem por isso é pobre e verdadeiras
Serão sempre as estrelas, mais além,
Brilhando como tiaras ou pulseiras
Nas frontes e nos pulsos de ninguém,
Pulsando até às vistas derradeiras,
Iluminando tudo e mais alguém...
No céu, hás-de ver estrelas que estão extintas
E nunca as que estão hoje a começar,
Portanto, mundo meu, nunca me mintas;
Não passarei de um raio de luar,
Mas sei avaliar coisas distintas
E tenho estrelas pr`a me iluminar!
Maria João Brito de Sousa – 16.11.2017 – 16.05h
publicado às 16:15
Maria João Brito de Sousa
Neste silêncio triste embalo os mortos
Entre asas fracas, flácidas, pendentes,
E sobre este regaço, os mesmos hortos
De onde ervas emanavam, persistentes,
Cobrem-se já de caules secos, tortos,
Negros, mirrados, quase transparentes,
Quais longos mastros nos distantes portos
Da rota imaginária dos ausentes...
É outra, no entanto, a minha rota,
E se hoje reavivo a estranha frota,
Razões bem fortes tenho pr`a fazê-lo,
Pois muito se assemelha ao que descrevo
A angústia de não ter para o que devo,
Embora eu mude o esboço a cada apelo.
Maria João Brito de Sousa - 06.02.2017 - 13.23h
publicado às 19:10
Maria João Brito de Sousa
SONETO A UM VERSO "EM BRUTO"
Gosto-te, ó verso brusco, asselvajado,
Na força em que, apressado, mal respiras
E fumegas no cano, enquanto as miras
Nem foram necessárias. Disparado,
Saído num rompante, alvoroçado,
Sem que pedisses contas, nem às liras
Que quase sempre escutas quando admiras
Requintes de outro irmão mais demorado...
Que esta "embalagem" não te fica bem?
Quem to ousa dizer? Afinal, quem
Te poderia impor tempos dif`rentes?
E sorrindo, apesar de não ter dentes,
Sei que engendrar-te, não me tornou mãe,
Mas em quem te entendeu como ninguém...
Maria João Brito de Sousa - 31.01.2017 - 11.05h
NOTA - Por favor, não se assustem com a imagem que é meramente ilustrativa da metáfora do disparo...
publicado às 11:36
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em decassílabo heróico)
Noutro dia qualquer talvez vos diga
Das razões de um poema aprisionado
Na trincheira do sonho em que se abriga
Quando se sente vão, velho e cansado...
Mistérios do poema. Quem lhes liga?
Quem pode convencê-lo a ser cantado
Se em silêncio se escapa da cantiga
E teima em se manter distanciado?
Mas, duma fresta aberta em musa antiga,
Sempre posso espreitá-lo e, com cuidado,
Confessar-lhe esta inércia a que me obriga,
Mostrar-lhe que escolheu caminho errado
(neste vislumbre, aquilo que me intriga,
é vê-lo, embora vivo, assim, calado...)
Maria João Brito de Sousa – 03.10.2014 – 21.21h
Imagem - Azenhas, Amadeo de Sousa Cardoso
publicado às 21:51
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em decassílabo heróico)
Existe ainda um mar que, em tempo incerto,
Transpondo quanto dique eu lhe impuser,
Me galvaniza e vai, sempre a crescer
Por dentro de mim mesma, a descoberto,
Submergindo o que exista lá por perto,
Subindo o que é suposto, em mim, descer
Nessa vaga incontida do meu ser
Que, ao quebrar, se transforma em livro aberto.
Mole infinita de ondas e marés
Nas quais, liberta a escrava das galés,
Vaga a vaga, me afundo em vaga alheia
De um mar que podes ser, que também és,
Se à praia desces e, molhando os pés,
A espuma ascende em nós, galgando a areia.
Maria João Brito de Sousa – 01.04.2011- 09.16
NOTA DA AUTORA - Soneto em decassílabo heróico, trabalhado a partir do soneto original “Havia um Mar”, in PEQUENAS UTOPIAS -
CORPOS EDITORA, Maio de 2012.
publicado às 02:53
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em decassílabo heróico)
Poema que vieste e me abraçaste
E logo, sem pedir, te deste inteiro,
Não saberei dizer se me és primeiro,
Ou se, depois de eu ser, de mim brotaste
Porque, se em mim, crescendo te firmaste,
Por ti me fiz, mais tarde, o teu estaleiro,
Ou mão que lança a rede e marinheiro
Das vagas que, incansável, navegaste,
E sei que no momento derradeiro
Desta nossa odisseia, companheiro,
Depois do breve porto a que aportaste,
No mar que me abraçar, serei ribeiro
Que em tua foz se extingue, ó meu veleiro
Que tão perfeitamente naufragaste.
Maria João Brito de Sousa – 18.05.2014 – 21.24h
publicado às 22:55
Maria João Brito de Sousa
(Em decassílabo heróico)
Mudas de espanto e sem fazer sentido
Nascem palavras, brotam tentações
Que se entrechocam num ponto perdido,
Gerando prados, montanhas, vulcões,
Trocando as voltas ao que foi pedido,
Emudecendo a voz de outras questões
Com que se tenham já comprometido,
Muito senhoras das suas razões!
Como ecos fundos, chegam sons distantes
Que, cá por dentro, fazem ressoar
Roucos murmúrios de ideias constantes,
Músicas loucas, vibráteis, pulsantes
Em que o desejo se ousa decifrar
Na pauta inglória duns versos cantantes.
Maria João Brito de Sousa – 16.05.2014 – 16.54h
publicado às 17:41
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em decassílabo heróico)
Se isso viesse, assim, de mão beijada,
Tempr`ar-nos desse sal com que o escreveste
E fosse ouvido, sem dizer mais nada,
Significando o mais que nele escondeste…
Depois, se ultrapassada a longa estrada
De quanto humano passo nunca deste,
Se erguesse e se lançasse em revoada,
Determinado, urgente, irado, agreste,
Sobre a bruta injustiça alicerçada
Por quem aceita a “capa” e logo a veste
Só porque foi por tantos cobiçada,
Melhor fora eu ficar muda e calada
A “soprar-te” que sei que não esqueceste
Os tais que a vestem gasta e já rasgada.
Maria João Brito de Sousa – 07.09.2013 – 20.25h
NOTA – A um texto publicado por Alexandra Freitas Moreira, no seu mural, em 07.09.2013
IMAGEM - Diego Rivera - "Gloriosa Vitória"
publicado às 21:59
Maria João Brito de Sousa
Aos operários das fábricas e aos trabalhadores de todo o tipo de serviços. Aos trabalhadores da terra e do mar. Aos operários da palavra, da voz, do gesto e da cor. A todos os silenciados e explorados.
SONETO DO PRODUTOR EXPLORADO
* (Em decassílabo heróico)
*
Eu, que injectei nas veias das cidades Sentinelas de pedra e de aço puro, Que conquistei a pulso as liberdades, Que asfaltei com suor cada futuro,
*
Eu, que paguei com sangue as veleidades Registadas na pedra, em cada muro, E sigo em frente e moldo eternidades A partir do que engendro e não descuro,
*
Não mais hei-de evocar forças ausentes! Liberto o grito preso entre os meus dentes Que irrompe deste barro em que me sou
*
E arrancarei de mim quantas correntes Me prendam à mentira, ó prepotentes Donos do que julgais que vos não dou!
*
Maria João Brito de Sousa – 30.07.2013 – 18.58h
IMAGEM- "Força" , José Viana, óleo sobre tela
Imagem retirada da página URBANO TAVARES RODRIGUES - Escritor
NOTA DA AUTORA – Um soneto que nasceu porque “tinha de ser”…
publicado às 14:32