DE VIGIA - Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa
Imagem retirada daqui
DE VIGIA
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Coroa de Sonetos
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Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa
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1.
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Naquele fim de tarde olhei teu rosto
As mãos nas tuas mãos o peito a arfar
Pulava o coração e teu olhar
Brilhava como brilha o sol de agosto
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Enorme o nosso amor, origem mosto
De uvas que pisadas no lagar
Deitavam uma seiva que ao brotar
Que bem sabia ! Lembro ainda o gosto
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Ao longe vai o barco que te leva
E para que essa seiva ainda beba
Eu tento apanhá-lo onda a onda
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E vai-se pondo o sol e acaba o dia
Que venha a noite, fico de vigia
Enquanto ali à volta o barco ronda
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Custódio Montes
10.11.2021
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2.
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"Enquanto ali à volta o barco ronda"
A ilusão de um rasto de sereia,
Sobe o gajeiro ao mastro e avista areia
Por trás da branca espuma além da onda
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Grita então: Terra à vista!, enquanto sonda
O ansiado horizonte de uma ideia,
Porque areia não há, nem terra alheia,
Tão só vira a sereia em sua monda
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Colhendo o vivo visco dos sargaços
Que sorrindo aconchega nos seus braços
Como se filhos dela e do seu mar...
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E na gávea, de pé, fica o gajeiro,
Hora após hora, o dia todo inteiro,
Vigiando o que julga vislumbrar...
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Mª João Brito de Sousa
11.11.2021
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3.
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“Vigiando o que julga vislumbrar”
Sem olhar para a praia onde estou
Meu grito de amor alto soou
E ele distraído sem olhar
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Eu vou fazer sinal para avisar
Da minha ansiedade. Espera vou
Por aqui esperar….ah já olhou
E vê-me claramente a acenar
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Mas não sabe o motivo, a razão
Da mágoa que me invade o coração
E vai e torna a vir sempre ao redor
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Gajeiro, olha ao longe, olha outra vez
Sou eu, apaixonado, não me vês ?
Atraca o barco e traz-me o meu amor
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Custódio Montes
11.11.2021
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4.
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"Atraca o barco e traz-me o meu amor",
Pede a sereia com voz sedutora
E logo o bom gajeiro se enamora
Duma canção que o mar lhe quis compor
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Desce da gávea e ao leme se vai pôr
Pra, depois, dar aos remos que a demora
Muda cada segundo numa hora,
E a cada hora cresce o tal clamor
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Vindo do grande atol onde a sereia,
Serena e branca à luz da lua cheia,
Canta para o sargaço adormecido...
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Vai, humano gajeiro, ter com ela,
Mas tem muito cuidado, que ela é bela,
Mas se te lança às ondas `stás perdido!
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Mª João Brito de Sousa
11.11.2021 - 16.25h
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5.
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“Mas se te lança às ondas `stás perdido”
Que importa se eu andar nos braços dela
Apenas um segundo …é tão bela
Que sinto logo o amor correspondido
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E eu não sou gajeiro já vencido
E sei bem manobrar a caravela
Afago a sereia e junto a ela
Navego rumo à praia dirigido
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Então bem vejo ao longe aquela ânsia
Do pobre apaixonado que à distância
Anseia por rever sua paixão
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Em frente caravela a navegar
Sereia não me venhas afundar
Para salvar aquele coração!
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Custódio Montes
10.11.2021
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6.
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"Para salvar aquele coração"
Que me importa arriscar a própria vida?
- Naufragarás!, responde decidida
A voz que antes cantava uma canção.
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Mas o gajeiro, surdo de paixão,
Não escuta essa ameaça mal contida
E ouve ainda a canção que fora ouvida
Antes de ser lançada a maldição...
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Já se aproxima a barca do atol,
Já o dia rompeu, já brilha o sol
Sobre o vulto da ninfa dos sargaços
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E o pobre do gajeiro enfeitiçado
Saltando borda fora faz a nado
Os metros que o separam dos seus braços.
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Mª João Brito de Sousa
10.11.2021 - 20.00h
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7.
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“Os metros que o separam dos seus braços”
Gajeiro não vás, pára, volta atrás
Tu podes, anda lá, tu és capaz
Se fores vais passar por embaraços
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E também vais quebrar os fortes laços
Que me interligam já desde rapaz
Ao grande amor que o barco dentro traz
E para o ter passei grandes cansaços
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Não deixes esse barco à deriva
Deixa lá a sereia apelativa
E foge dela foge ao seu enredo
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E regressa ao comando do navio
Vira-te para trás em rodopio
Protege o meu amor tão belo e ledo
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Custódio Montes
10.11.2021
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8.
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"Protege o meu amor tão belo e ledo"
Da Barca lhe suplica a sua amada
Que chora e se debruça da amurada
Por seu gajeiro perdida de medo...
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Ouve-a o gajeiro e trepa a um rochedo
Para vê-la melhor, mas não vê nada;
Ao longe, a voz da ninfa ecoa irada
Que o pobre é para ela outro brinquedo
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E não o quer perder para a mortal
Que assim derrama um sal que é do seu sal
E tanto implora a volta do gajeiro...
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Vem ter comigo - diz- serás um rei!
- Que sei eu, bela ninfa? Eu nada sei
Se não que amo a mulher que amei primeiro!
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Mª João Brito de Sousa
10.11.2021 - 22.00h
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9.
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“Se não que amo a mulher que amei primeiro”
Tu que queres de mim, algum traidor ?
Que vai abandonar o seu amor
Para deixar de ser um timoneiro?
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Conduzo a barca, levo-a ao roteiro
Fui eu o escolhido, o condutor
Por ter tanto empenho no labor
E queres tu que eu seja traiçoeiro?
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Não deixo a minha barca noite e dia
Sou o seu timoneiro, o seu guia
E tenho que a levar direita ao cais
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Vai dentro dela a prenda, a rosa, a flor
Que tem à sua espera um grande amor
E eu conduzo a barca sou arrais
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Custódio Montes
11.11.2021
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10.
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"E eu conduzo a barca sou arrais",
Verás que te resisto, ó feiticeira,
E volto para a minha companheira;
Depois de ouvi-la, não me tentas mais!
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Que seja a minha Barca eterno cais
E seja a minha amada eterna obreira
De um cais que me preencha a vida inteira
Não de beijos fictícios, mas reais...
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Portanto, bela ninfa dos sargaços,
Renegarei teus beijos, teus abraços
E até o teu castigo ignorarei!
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Volto prá minha humilde e velha Barca,
Prà minha amada de amor`s nada parca;
Teu brinquedo, sereia, não serei!
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Mª João Brito de Sousa
11.11.2021 - 10.00h
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11.
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“Teu brinquedo, sereia, não serei”
Que o que queres, bem sei, é enganar
Simulas um amor de muito amar
Que quem tu és, sereia, bem eu sei
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Por este mar já muito naveguei
E tenho visto coisas de pasmar
É gente nos teus braços a gritar
Que todos sabem disso, toda a grei
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Por isso vai ao largo, onde cantas
Que vou seguir viagem, não me encantas
Bem sei o que me queres vai embora
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Bem vejo junto à praia quem espera
Por este amor há muito e desespera
Adeus que vou levar-lho mesmo agora
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Custódio Montes
11.11.2021
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12.
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"Adeus que vou levar-lho mesmo agora",
Te juro que jamais me impedirás
De renegar-te e de voltar pra trás,
Prós braços da mortal que por mim chora!
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Amor assim fruído, hora após hora,
É um amor que já ninguém desfaz...
De resistir-te julgas-me incapaz,
Mas sei que nunca amaste, ó impostora!
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Podes tentar-me tanto quanto entendas,
Podes cobrir-te de jóias e rendas
E prometer-me impérios que não quero!
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Prá Barca em que me aguarda a minha amada,
Vou nadando, braçada após braçada,
Que um Amor verdadeiro é quanto espero!
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Mª João Brito de Sousa
11.11.2021 - 13.35h
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13.
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“Um verdadeiro amor é quanto espero”
E vou já refrescar na fresca aragem
Ao leme que oriento na viagem
Sou eu que escolho o rumo que bem quero
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Não sigo já, vou ser muito sincero,
Ainda vou levar ali à margem
O doce amor que espera aquele pagem
Que acena com vigor e desespero
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Está sempre a olhar e de vigia
De noite, sem dormir dia após dia
À chuva, ao vento, ao frio, ao calor
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O barco já lá vem em direcção
À praia e traz lá dentro o coração,
Que tive e volto a ter, do meu amor
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Custódio Montes
11.11.2021
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14.
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"Que tive e volto a ter, do meu amor"
Carinhos tantos e tão verdadeiros
Que nunca esses teus olhos feiticeiros
Poderão igualar em seu fulgor
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Rói-te de inveja, engasga-te em furor,
Invoca os teus trovões e aguaceiros,
Recorre aos grandes deuses, teus parceiros,
Que, de mim, não terás qualquer favor!
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Adeus, ó criadora de ilusões
Que de vigia ao mar das aflições
Tão poderosa és nesse alto posto,
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Não ficarei jamais sob o comando
Da beleza ilusória que vi quando
"Naquele fim de tarde olhei teu rosto"!
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Mª João Brito de Sousa
11.11.2021 - 16.45h
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