Maria João Brito de Sousa
Massacre dos Inocentes - Pieter Bruegel, O Velho
(Obrigada, Wikipédia!)
*
CUSTÓDIO MONTES e Mª JOÃO BRITO DE SOUSA * Coroa de Sonetos *
FELIZ NATAL * 2024 *
1. *
O brilho da noite dado por estrelas
Punha a manjedoura visível à frente
E por cada passo dado pela gente
Se viam palhinhas cada vez mais belas *
Vieram reis magos com prendas singelas Montando camelos desde o oriente Ver o Deus menino na palha jacente Um clarão mais forte do que muitas velas * É o nascimento que clareia a terra
Envolto em vida com paz e sem guerra
Só no bem pensando, combatendo o mal *
Venha a esperança e que tudo ao redor
Se abra em açucenas e laivos de amor
Cheios de blandícia com feliz Natal *
Custódio Montes 2.12.2024 ***
2. *
"Cheios de blandícia com Feliz Natal,"
Apesar dos mísseis que os fazem sofrer
Ainda há meninos jesus a nascer
Do solo queimado e coberto de sal *
E cada menino vê noutro um igual...
Bendita inocência, bendito poder
O destes meninos que mesmo a morrer
Não vêem, nos outros, crueza nem mal! *
Perdoe-me, amigo, se empresto aos seus versos
Dor e amargura em cambiantes diversos,
Mas sendo velhinha também sou menina *
E neste Natal sem Paz nem Perdão
Eu canto aos meninos que jazem no chão
Da terra assombrada que é a Palestina. *
Mª João Brito de Sousa
06.12.2024 - 12.00h ***
3. *
“Da terra assombrada que é a Palestina”
Minada com bombas caídas do céu
Para lá mandadas por mão dum judeu
Escroque maldito sem lei nem doutrina *
Não lembra o bandido o que a história ensina
Quando em crematórios seu povo morreu
Com a invasão o crédito perdeu
Na fúria maldita, na guerra assassina *
Ele é o herdeiro da turba de então
Que sem julgamento, numa multidão
Matou enforcado jovem peregrino *
Esqueceu as lágrimas dos antepassados
Em fornos metidos, mortos e cremados
E agora ele mata menina e menino *
Custódio Montes 6.12.2024 ***
4. *
"E agora ele mata menina e menino"
Sem qualquer remorso que el` disso não tem
Se os colhe e degola no ventre da mãe...
Quão fácil matar-se quem é pequenino! *
Ó monstro dos monstros, ó grande assassino,
Louco, genocida, pior que ninguém!
Ah, Natal sangrento! De novo em Belém
Morrem os meninos às mãos de um cretino *
Essa besta/fera, bicho desumano,
Esse irmão de Herodes, como ele um tirano,
Não trava o massacre destoutro Natal *
E aos poucos meninos que ainda estão vivos,
Sem braços, sem pernas e sem lenitivos
Só misseís oferta. Que horror sem igual! *
Mª João Brito de Sousa
06.12.2024- 21.00h ***
5. *
“Só mísseis oferta. Que horror sem igual”
Ver corpos caídos no meio do chão
Por bombas lançadas vindas de avião
Mandadas por ordem de vil animal *
O mundo calado sem se ver sinal
Que essa mortandade feita sem razão
Tenha um fim depressa e prender o vilão
Para que tenhamos um feliz natal *
O martírio infame para terminar
Impõe que a guerra tenha que acabar
Com os assassinos presos e julgados *
A paz restaurada, sim concórdia e paz
Que acontecerá sem pessoas más
Nas suas fronteiras e com dois estados *
Custódio Montes 6.12.2024 ***
6. *
"Nas suas fronteiras e com dois estados"
Ambos convivendo pacificamente
Porque é imp`rioso quebrar a corrente
Da guerra que brama por todos os lados *
Não mais pequeninos feitos em bocados
Quais peças de puzzles do que antes foi gente:
Que cesse esta guerra tão impenitente
Que impõe a meninos almas de soldados *
Se acaso não morrem no insano jogo
Da fuga constante do aço e do fogo
Que os mísseis, "amáveis", sobre el`s despejarem! *
Ó homem das guerras, pra quando essa Paz?
Pra quando a justiça, se dela és capaz?
Pra quando os sorrisos dos que se salvarem? *
Mª João Brito de Sousa
06.12.2024 - 22.30h ***
7. *
“Pra quando os sorrisos dos que se salvarem?”
Mesmo com concórdia haverá mazelas
Que a destruição traz sempre umas sequelas
Nos gritos ouvidos e que perdurarem *
Mesmo em quietude se as armas calarem
Virão as lembranças, firmes, às gabelas
Do seu sofrimento por ruas, ruelas
Que calcorrearam sem nunca pararem *
Mas assim paradas as armas e a guerra
Surgirá a luz a inundar a terra
Ir-se-á o horror e virá a harmonia *
O voo das aves será o sinal
Duma boa-nova dum feliz natal
Com brilho de luzes em paz e alegria *
Custódio Montes 7.12.2024 ***
8. *
"Com brilho de luzes em paz e alegria"
Se curam as chagas, se calam morteiros
E a vida renasce se os mísseis certeiros
Não mais provocarem morte e agonia *
Que voem as aves num hino à alegria,
Que a luz, num crescendo, vença os nevoeiros
Que cobrem as casas de bairros inteiros
De poeira espessa e de esp`rança vazia... *
Que assim seja, então! Mas... seremos ouvidos
Ou estas palavras serão, como os f`ridos
Que por mais que gritem acabam morrendo? *
Não sei, meu amigo, não sei se acredito:
A Paz está na mão de um tirano maldito
E eu, como Tomé, digo: - Vendo, só vendo! *
Mª João Brito de Sousa
07.12.2024 - 12.30h ***
9. *
“E eu como Tomé, digo:-vendo, só vendo”
Tomé era crente mas eu desconfio
De gente marvada, malvada a cotio
Mas pela esperança movido vou sendo *
A Guerra no mundo vai sempre crescendo
Metralha a metralha com metralha a fio
Corre pelo mundo como corre um rio
E o nosso desejo vai esmorecendo *
Não acreditando que termine o mal
Então cada ano pior o natal
E a paz almejada é só um ensejo *
Que haja bom senso que surja a bondade
E que acabe a guerra e a mortandade
Salvando-se vidas, é o meu desejo *
Custódio Montes 7.12.2024 ***
10. *
"Salvando-se vidas, é o meu desejo"
E também o meu que é bem entre os maiores
A vida que cresce sem medo ou rancores...
Mas se assim o quero, porque é que o não vejo? *
De ficar calada perdi belo ensejo:
Pela ingenuidade não peço louvores,
Não sou eu quem manda e os grandes senhores
Pensarão, decerto, que apenas gracejo... *
Consigo, porém, faço coro e sem medo
Exijo uma pomba por cada torpedo
Que foi concebido prá destruição! *
Que os vossos meninos Jesus estropiados
Possam ser, ao menos, da cruz resgatados
Pra que cresçam livres na Paz do seu chão. *
Mª João Brito de Sousa
07.12.2024 - 14.30h ***
11. * “Pra que cresçam livres na paz do seu chão”
É o meu desejo, também o espero
Oxalá que tenha tudo isso que quero
Para que a paz volte e se vá o vilão *
Com poemas destes nossa opinião
É dizer ao mundo, com ardor sincero
Que acabem as bombas, que fiquem a zero
Num mundo de paz e sempre em união *
Destroem as guerras esforços da vida
Sem eira nem beira, comida e dormida
Sem haver trabalho, só morte e desgraça *
O mundo é lindo, com muitos valores
Em vez de crateras que haja só flores
Para encantamento de quem nele passa *
Custódio Montes 7.12.2024 ***
12. *
"Para encantamento de quem nele passa"
Possa o louco Mundo escutar a Razão
Que pede Justiça, Amor e Compaixão
Em vez de cobiça, rancor, ameaça... *
Possa a Palestina sair da desgraça
Desta guerra imunda, da desolação:
Dos que sobrevivem, quem sairá são
Se a população qu`inda resta é escassa? *
Transformem-se os mísseis em medicamentos,
Em água potável e em alimentos
Que ao menos consolem os qu`inda lá estão *
Será tão difícil pró homem moderno
Construir um Mundo onde o duro Inferno
Seja só produto da imaginação? *
Mª João Brito de Sousa
07.12.2024 - 16.40h ***
13. *
“Seja só produto da imaginação?”
Não. Acho que o homem também pode ter
Ânsia de mudança para combater
Quem mata um povo e lhe rouba a nação *
Como a Cisjordânia a que deitam a mão
Para colonatos estabelecer
Mas essa atitude não pode vencer
Nem ter o apoio do juiz Sansão *
Por isso acredito que haja mudança
É o meu pensar, a minha esperança
O meu ser mo dita bem vejo ao redor *
Não somos só nós, há manifestações
Por vários lugares e às multidões
Que à paz se juntam com carinho e amor! *
Custódio Montes 7.12.2024 ***
14. *
"Que à paz se juntam com carinho e amor"
Pra que haja Justiça e termine o massacre,
Que os grandes assinem e selem com lacre,
Num novo tratado, o final deste horror *
Pra que das ruínas renasça uma flor
Em vez de estilhaços, em vez de pó acre...
Haja quem, ao vê-la, lhe toque e a sacre
No dia em que Paz renascer em esplendor *
Ó homens da guerra, não vedes, sequer,
Que sois genocidas? Dar-vos-á prazer
Matar quando há obras tão úteis, tão belas, *
À espera de braços que as saibam erguer?
Sereis todos cegos? Não sabereis ver
"O brilho da noite dado por estrelas"? ***
Mª João Brito de Sousa
07.12.2024 - 21.00h ***
publicado às 21:30
Maria João Brito de Sousa
Mais uma vez, por aqui, façam favor
publicado às 20:25
Maria João Brito de Sousa
O CRAVO *
Coroa de Sonetos *
Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa *
O cravo vai andar sempre comigo Bem posto, bem erguido a encantar
De dia com a luz a despertar
Sinal de liberdade, paz e abrigo *
Que o cravo nos liberte do perigo
De novas trevas virem apagar Os sons que trouxe abril no seu cantar
Mostrando em cada canto um amigo *
Cravo vermelho é essa a sua cor
Que o rubro cravo não seja esquecido
Ouvindo ao alto o rufo do tambor *
No cano da espingarda ao alto erguido Pleno de liberdade ao seu redor
Para que o povo não seja vencido *
Custódio Montes 30.4.2024 ***
2. *
"Para que o povo não seja vencido"
Neste claro atentado contra Abril
Há que arrancar a besta do covil
E que acordar quem ande distraído *
Não vá este país ser engolido
Depois de ter caído noutro ardil,
Reacendamos a chama viril
De um povo a que chamámos Povo Unido *
E se são nossos esses ideiais
De tecto, educação, saúde e Paz
Façamos por torná-los bem reais *
Que dizes, Portugal? Inda és capaz
De cumprir este Abril como esses tais
Que a lei da vida já deixou pra trás? *
Mª João Brito de Sousa
30.04.2024 - 14.00h ***
3. *
“Que a lei da vida já deixou pra trás”
Mas que são importantes para nós
Um povo unido, sim, e não a sós
Que só o povo unido é capaz *
Andemos com a força de rapaz
Com o ensinamento dos avós
Trazendo o nosso barco até à foz
E tudo o que em conjunto satisfaz *
Fascistas não…que vão para o covil
A pátria é nossa, a pátria é do povo
Assim o disse o cravo e o mês de abril *
Ao alto e a cantar todos de novo
Que a liberdade viva anos mil
Em poemas a canto e assim a trovo! *
Custódio Montes 30.4.2024 ***
4. *
"Em poemas a canto e assim a trovo!"
Estuando a liberdade conquistada,
Chorando e rindo quando a madrugada
Nasceu iluminando o nosso povo *
De frente para o mundo, o Homem Novo,
Que enchia cada rua e cada estrada
Nunca mais bateria em retirada
Que o que louvava então ainda eu louvo *
Posso hoje estar doente, enfraquecida,
Mas a vontade e a garra permanecem:
Acorda, ó Liberdade adormecida *
Que os venenos que agora te entorpecem
"O dia inteiro e limpo", a própria vida,
Hão-de morrer sem ti: Não te merecem! *
Mª João Brito de Sousa
30.04.2024 - 16.00h ***
.
5. *
“Hão-de morrer sem ti. Não te merecem”
Que é vaga a ideia deles na verdade
Por não terem lá dentro liberdade
E teias de maldade apenas tecem *
São horrendos vampiros que entristecem
Enganam toda a gente e a cidade
Recebe deles só ferocidade
E para governar se oferecem *
A nós não nos enganam que sabemos
Que a sua ditadura traz agravo
Como a do ditador que cá tivemos *
Mas acabou há muito….o povo bravo
Unido aos capitães que engrandecemos
Em vez da escravatura ergueu o cravo *
Custódio Montes 30.4.2024 ***
6. * "Em vez da escravatura ergueu o cravo"
Com o qual enfeitou as carabinas:
Basta de ditaduras assassinas,
Basta de humilhação e desagravo! *
Este, que mourejava como um escravo,
Olhando o que exibia roupas finas
Soube que lhe era igual. Dif`rentes sinas:
Tudo tem um, o outro, nem um chavo... *
Urgia eliminar estes abismos,
Urgia abrir as portas das prisões
E urgia erradicar os eufemismos *
Que designavam chibos e vilões:
Às ferramentas vivas dos fascismos
Não devemos chamar senão capões! *
Mª João Brito de Sousa
30.04.2024 - 21.00 ***
7. * “Não devemos chamar senão capões”
Capados, é o termo, mal cheirosos
Diferentes dos cravos tão formosos
Só querem o alheio os ladrões *
Andam sempre à procura de tostões
Atrás do que é dos outros, vergonhosos
Falam no bem do povo, mentirosos
Traidores, impostores, mandriões *
Mas não falemos deles que é só dor
O que causam ao povo por maldade
De elites se propagam com fervor *
Mas são gente maldosa na verdade
E a todos causam raiva e rancor
Por serem poço imundo de maldade *
Custodio Montes 30.4.2024 ***
8. *
"Por serem poço imundo de maldade"
Não nos merecem mais do que desdém:
Estrebucham mas jamais serão alguém
Nem terão corações dos de verdade... *
Pululam nos esgotos da cidade
Não sabendo o vigor que o cravo tem
Nas mãos do povo que lhe quer tão bem
Que o usa pr`adornar a Liberdade *
Celebra-se amanhã mais uma vez
O primeiro de Maio, outra conquista
Daquela brava gente que Abril fez *
E de vermelho cravo bem à vista
Afirmará o povo português
Que, disto, nunca esperem que desista! *
Mª João Brito de Sousa
30.04.2024 - 23.00h ***
9. *
“Que, disto, nunca esperem que desista”
Do primeiro de Maio nem pensar
É o trabalhador a assinalar
Mais um dia famoso em revista *
É um dia que aumenta essa lista
De comemoração a festejar
O cravo fica bem a enfeitar
Canos de espingarda bem à vista *
Andemos com o cravo na lapela
Que, além de ser bonito, também cheira
E torna a rua linda e tão bela *
Que junta muito povo à sua beira
Toalhas brancas presas à janela
E todo o amor e graça que se queira *
Custódio Montes 30.4.3024 ***
10. *
"E todo o amor e graça que se queira"
Encontrareis no cravo que ali está...
Diz um: Mas que bonita, Festa, pá!
Diz outro: Vem também prá nossa beira! *
Assim se junta o povo. Uma bandeira
Agita-se no ar, pra cá, pra lá...
E cravos são aquilo que mais há
Naquela inesquecível quarta-feira *
Eu, que sei ter um cravo enraizado
Dentro do peito e junto ao coração
Que pulsa ainda que descompassado, *
Estou e não estou na manifestação:
Fica-me o corpo inteiro aqui sentado,
Voa-me o cravo em sua direcção. *
Mª João Brito de Sousa
01.05.2024 - 12.00 ***
11. *
“Voa-me o cravo em sua direcção”
Voar voa o espírito e a cabeça
E nada há no mundo que me impeça
De o levar e mostrar na minha mão *
Para haver a presença, o coração
Sente mesmo que longe nos pareça
O consolo e a dor não têm meça
Conforme o lugar onde eles estão *
O cravo canta abril à desgarrada
Mas do cantar do cravo me distraio
Quando sigo de alma irmanada *
Não penso, sigo em frente, vou, não saio
Sou abril, liberdade, camarada
E assim faço também no mês de maio *
Custódio Montes 1.5.2024 ***
12. *
"E assim faço também no mês de Maio"
De coração em festa em casa fico
E a cantar este dia me dedico
Porque sair não posso, então não saio... *
Voa-me o pensamento como um raio
E num instante irá levar-me ao pico
Do verso que pretendo forte e rico:
Estou gasta mas o verso inda é catraio! *
De qualquer forma, esteja como esteja,
O cravo que reside no meu peito
Tem sempre a cor vermelha da cereja *
Sabe que será sempre o meu eleito,
Chama por mim tão só pra que eu o veja
E chega ao fim julgando estar perfeito... *
Mª João Brito de Sousa
01.05.2024 - 22.00h ***
13. *
“E chega ao fim julgando estar perfeito”
E bem bonitos cravo e portadora
Ambos juntos imagem criadora
Ele vermelho e ela sem defeito *
Vermelho é cor que fica bem ao peito
E com o cravo à mostra uma senhora
Fica mais linda mais encantadora
E o conjunto assim é o meu eleito *
Vermelho também é a rubra cor
Que nos alegra a vista e a claridade
Irrompe à nossa volta bem melhor *
Abril chega com maio, com vontade,
De dizer a cantar com mais calor
E com muito amor: viva a liberdade *
Custódio Montes 1.5.2024 ***
14. *
"E com muito amor: viva a liberdade"
Dizemos quantos nesse cravo vemos
O fim da repressão em que sofremos
Mais de quarenta anos de impiedade *
Foi em Abril que as ruas da cidade
Floresceram nos cravos que hoje erguemos
Pra celebrar o Maio em que acendemos
A inapagável chama da Verdade *
Por isso é que nos dias mais cinzentos,
Em vez de procurarmos um abrigo,
Não arredamos pé e muito atentos *
Aos primeiros sinais do mal antigo
Dizemos: Não mais dor, não mais tormentos,
"O cravo vai andar sempre comigo!" *
Mª João Brito de Sousa
02.05.2024 - 11.45 ***
publicado às 12:10
Maria João Brito de Sousa
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*
NO POEMA
Coroa de Sonetos
Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa *
1. *
No poema as palavras é que mandam
Nas vias que percorrem a cantar
Às vezes fogem, voam para o mar
Correndo pela areia e por lá andam *
Como aves voejam e cirandam
Baixinho, sobre as ondas, pelo ar
Entoam melodias de encantar
E nessas belas árias nos demandam *
Palavras entoadas, sol poente
Teu regaço, maresia envolvente,
E os teus olhos amados em redor *
Cantigas lá ao longe, melopeia
Enredo a surfar como sereia
Palavras só palavras só de amor *
Custódio Montes
(Do seu livro "Em Maio") ***
2. *
"Palavras só palavras só de amor"
Mas tantas formas há de amor sublime
Que às vezes esse amor em dor se exprime
Se o mundo grita e sangra em seu redor *
E pode lá haver amor maior
Do que o que nos perdoa e nos redime
Pois nem uma palavra nos suprime
Quando nos rebelamos contra a dor? *
Palavras revoltadas que explodindo
Fazem por acordar quem está dormindo
E dar ouvido ao surdo e vista ao cego, *
Que fazem eco sem mostrarem medo
De exporem a crueza e o degredo...
Palavras? Mesmo amargas, nunca as nego! *
Mª João Brito de Sousa
30.12.2023 - 20.00h ***
3. * “Palavras? Mesmo amargas, nunca as nego!”
Que palavras são vida e salvação
Às vezes há palavras sem razão
E outras que, bem ditas, dão sossego *
Palavras no poema eu emprego
Que trazem o amor no coração
Às vezes de tristeza elas serão
Confesso tudo isso não o nego *
Mas sem uma palavra de conforto
Para levar a vida a um bom porto
De incentivo, de força, de coragem *
Que seria de nós e do viver?
Usar palavras certas tem que ser
E com elas mandar linda mensagem *
Custódio Montes 31.12.2023 ***
4. * "E com elas mandar linda mensagem"
Será sempre possível como quem
Saúda alegremente o que lá vem
Depois de regressar de uma viagem *
E ainda que só venha de passagem,
Seja parente ou seja um Zé-ninguém,
Uma palavra amiga cai tão bem
Como um voto de esp`rança e de coragem... *
Sim, há lugar pra tudo o que se sente:
Se todas as palavras são semente,
Até as mais singelas darão fruto *
Mas deste chão convulso e violento
Quem espera frutos de contentamento
Se meio mundo sofre e está de luto? *
Mª João Brito de Sousa
31.12.2023 - 14.15h ***
5. * “Se meio mundo sofre e está de luto"
O sofrimento existe em todo o lado
No bom, no mau, no triste e deserdado
Até no importante e resoluto *
Da árvore provém sempre o seu fruto
Mesmo com tempestade e com tornado
Depois vem a bonança e o verde prado
O tempo soalheiro, o tempo enxuto *
E tudo da palavra nos provém
Amor, contentamento, a nossa mãe
Raiz da nossa vida e nosso amor *
Contentes, descontentes ou risonhos?
No meio das palavras há os sonhos
As rosas, malmequeres, toda a flor *
Custódio Montes 31.12.2023 ***
6. * "As rosas, malmequeres, toda a flor"
Nos sugere um momento de alegria
E o poema surge em sinergia
Com tudo o que floresce em derredor *
Mas quando em vez da flor floresce a dor
De uma aflição, de um grito de agonia,
Pode o poema entrar em sintonia
Com esse sofrimento, esse clamor... *
No meu poema há espaço para o riso
E para o grito quando for preciso
Dizer: - Basta de guerra e de martírio! *
E às vezes chorarei - ninguém me impeça! -,
Pra saudar uma vida que começa
A abrir-se ao mundo como um branco lírio... *
Mª João Brito de Sousa
31.12.2023 - 19.20h ***
7. * “A abrir-se ao mundo como um branco lírio”
Que é vida o nascimento da criança
Um membro de família que se alcança
Um gosto, uma alegria, um delírio *
Uma cor que o ornamenta, cor porfirio
Que depois se normaliza com pujança
Pequeno mais crescido com mudança
Uma graça concedida, não martírio *
A palavra moldada é já normal
Não vai buscar a rima ornamental
Que a branca cor de lírio clareou *
E termina a fazer festas com mimo
À criança que gerei e muito estimo
Que afago com carinhos que lhe dou *
Custódio Montes 31.12.2023 ***
8. *
"Que afago com carinhos que lhe dou"
E eu sinto-me afagada só de olhá-la,
Que a voz pode tremer-me mas não cala,
Nem a palavra esconde o que a tocou *
E se o poema estático ficou,
Logo se transfigura e se ergue e fala,
Sobe em sonoridade e rompe a escala
A que a velha rotina o condenou... *
Uma visão terna e tão tocante
Confere eternidade ao breve instante
E fica-nos cá dentro a vida inteira *
Que uma vida que nasce e permanece
É um milagre que jamais se esquece
Se a palavra que o narra for certeira! *
Mª João Brito de Sousa
31.12.2023 - 23.39h ***
9. * “Se a palavra que o narra for certeira!”
Mas há imensas formas de o dizer
Porque se a rima certa se perder
O poema nasce torto e sem maneira *
É difícil apenas a primeira
Mas dando um toque logo a condizer
A palavra aparece com prazer
E a rima surge então à sua beira *
A palavra que deixo a final
É palavra escolhida e normal
Não palavra com muita raridade *
O poema sorri e agradece
Que a palavra final bem o merece
Porque à rima não traz dificuldade *
Custódio Montes 1.1.2024 (à entrada do ano) ***
10. * "Porque à rima não traz dificuldade"
A palavra final fica contente
E passa o testemunho antes que a gente
Ceda ao soninho bom que nos invade... *
O Novo Ano entrou sem novidade:
Quase não dei por el`, sinceramente!
Não se cobrisse o céu da incandescente
Luz dos eternos fogos, na cidade, *
E não se enchesse a casa de estrondosas
Crepitações sonoro/luminosas,
Talvez eu já dormisse a sono solto... *
Assim respondo embora tacteando
Cada letrinha que me vai fintando
E me afronta afirmando: - Já não volto! *
Mª João Brito de Sousa
01.01.2024 - 01.50h ***
11. * “E me afronta afirmando - já não volto!”
Mas isso é o que ela pensa porque a maga
O gesto que ela tenta lho embarga
E a obriga com jeito e amor envolto *
E a palavra que dorme a sono solto
Em sonhos vem de Oeiras até Braga
Sem dar conta que o sonho aqui a traga
Nem mostrar qualquer gesto ou ar revolto *
A grande poetisa faz a lavra
Para a ribalta traz cada palavra
E ela ao acordar e sem estorvo *
Até dança no chão sobre tapetes
Relembrando a festa e os foguetes
Na passagem do velho ao ano novo *
Custódio Montes 1.1.2024
***
12. *
"Na passagem do velho ao ano novo"
Tanto tossi, de tal forma espirrei,
Que ao próprio foguetório ultrapassei
Em decibéis, quase assustando o povo... *
Ao confessá-lo, aqui, não me promovo,
Pois na verdade até me envergonhei:
Espirrei, tossi, espirrei, tossi, espirrei...
A tão estrondosa gripe, eu não a aprovo! *
Agora ainda espirro, ainda tusso,
Tudo isto lhe confesso sem rebuço
Que a culpa é deste vírus traiçoeiro *
Que quis passar comigo o "réveillon"
Ainda que não seja de bom tom
Estragar-me este primeiro de Janeiro... *
Mª João Brito de Sousa
01.01.2024 - 13.30h *** 13.
* “Estragar-me este primeiro de Janeiro”
Bem queria mas isso eu não deixo
Posso ser preguiçoso com desleixo
Mas sou fixe e um belo companheiro *
Porém, agarrado, interesseiro,
Sou pensativo, atento, a mão no queixo
No meio das palavras eu me enfeixo
E um amigo seu a tempo inteiro *
Termino meu poema, não engano
Termino mas desejo um feliz ano
Para dar-lhe a palavra para o tema *
Fechará a coroa com certeza
Com arte, com encanto e com beleza
E porá mais palavras no poema *
Custódio Montes 1.1.2024 ***
14. *
"E porá mais palavras no poema"
Ficando este Ano Novo enriquecido
Por uma c`roa que o terá vestido
Co`a graça e a riqueza do fonema *
Que de ora avante será seu emblema
E também nosso, que havemos polido
Letra após letra o festim prometido
Onde a palavra brilhará qual gema *
Mas nós, os que a palavra trabalhamos,
Jamais destas palavras fomos amos:
Rebeldes, voam alto e nunca abrandam *
Fazendo-nos, aos dois, ir atrás delas
Pra, com cuidado, podermos colhê-las:
"No poema as palavras é que mandam" *
Mª João Brito de Sousa
01.01.2024 - 16.00h ***
publicado às 16:41
Maria João Brito de Sousa
Homem Vitruviano, Leonardo da Vinci
*
NEM PEIXE NEM AVE, QUERO SER HUMANO! * Coroa de Sonetos *
Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa *
1. *
Nem peixe nem ave, quero ser humano Andar pelas ruas, olhar, conversar Com os pés na terra, cabeça a pensar A cantar o fado com o qual me irmano *
Quero companhias leais sem engano Por perto ou ao longe que possa encontrar A fazer poemas ou a comentar No meu dia a dia cada mês e ano *
No poema voo e no canto nado A andar e a viver catarei o meu fado Seguindo esta senda sem qualquer entrave *
E como humano no meu pensamento Navego no mar e ondulo no vento Sem ser, como disse, nem peixe nem ave *
Custódio Montes 5.5.2023 * (Inspirado no soneto da Maria João de Sousa, intitulado:
“Fosse eu uma ave ou talvez um peixe”) ***
2. *
"Sem ser, como disse, nem peixe nem ave",
Assumo que gosto de ser como sou:
Humana e poeta, que isso me bastou,
Embora encontrando, faz tempo, um entrave *
Com fogo que aqueça e com água que lave
A roupa que trago, se o corpo suou,
Só me falta a Musa que se me negou
Por coisa de nada ou motivo mais grave... *
Mas só quando escrevo sou tudo o que quero,
Por isso nos versos redobro o meu esmero
Se a Musa, arredia, se afasta e só volta *
Quando bem entenda que deve voltar,
Mas se ela sou eu, em mim me hei-de encontrar,
Embora em mim mesma me perca, se à solta... *
Mª João Brito de Sousa
06.05.2023 - 15.15h ***
3. * “Embora em mim mesma me perca, se à solta” Mas nunca se perde será sempre a mesma Quem como uma nauta navega em poema E mesmo em mar alto nunca se revolta *
A musa coitada anda sempre à volta E nunca a alcança ou ao seu teorema Anda a vigiá-la mas que nunca a tema Que a força do verso lhe serve de escolta *
Mesmo sem ser ave sabe bem voar Melhor que a musa que a anda a gozar Quem lhe dera a ela ser inspiração! *
Escreva e levante aos céus a sua voz Que ela se ouvirá e, levada em trenós, Será sempre ouvida em poema-canção *
Custódio Montes 6.5.2023 ***
4. *
"Será sempre ouvida em poema-canção"
A voz, meu amigo, que traz no seu peito
Que o meu, estropiado, nada faz de jeito,
Está rouco e cansado como o coração *
Contudo inda remo e não largo este arpão
Com que arpôo um verso que, mesmo imperfeito,
É melhor que nada e por isso o aceito
E o trago à mesa e o reparto, qual pão... *
Estou fraca, cansada e tão desinspirada
Que temo, por vezes, não servir pra nada:
O pouco que faço não paga o que gasto *
Em ar, alimento e até nos cuidados
Que todos os dias vão sendo prestados
À minha pessoa que, a mim, me não basto. *
Mª João Brito de Sousa
06.05.2023 - 19.10h ***
5. *
“À minha pessoa que, a mim, me não basto.”
É verdade, somos tudo e somos nada
Mas enquanto andarmos nós à desgarrada
Porque esse alimento é o melhor repasto *
Se ter sofrimento é um viver nefasto
Saiamos à luta, luta conquistada
Com a poesia ao alto embandeirada
Pensemos no amor com vigor mesmo casto *
A vida é dura mas muito nos diz
Agora e quando se era mais feliz
Vivamos a vida com muita alegria *
É melhor assim que andarmos a sofrer
Porque o sofrimento faz-nos padecer
Alegre-se a alma, sem melancolia *
Custódio Montes
6.5.2023 ***
6. *
"Alegre-se a alma sem melancolia"...
Mas, melancolia, raramente a sinto
Porque riso a riso quase sempre a finto
E, à tristeza, troco-a por muita alegria *
Já à dor do corpo, que em mim faz razia,
Não será tão fácil esquecê-la, e não minto
Se afirmar que a venço quase por instinto
A menos que em força me vergue a agonia... *
Quanto à reclusão, a que foi e vai sendo
O meu dia a dia, com essa eu aprendo
Tanto ou mais do que outros que andam viajando *
Pois pouco me basta pra ficar contente
Que estas desgarradas, muito cá da gente,
São sempre uma festa! Estou comemorando! *
Mª João Brito de Sousa
06.05.2023 - 21.15h *** 7. *
“São sempre uma festa! Estou comemorando…”
Também comemoro com a companhia
Da grande poeta, com muita alegria
Pois muito me agrada e vai inspirando *
Às vezes parado só se escreve quando
Se vai na viagem com o melhor guia
Não se anda com medo, cresce a fantasia
E mesmo sem estro lá se vai andando *
Poema é carinho, tem muita elegância
Aparece ao mundo cheio de fragrância
E a gente não lembra nem mágoa nem dor *
Melhor esquecer o nosso sofrimento
Rir com alegria por todo o momento
E o que dizemos terá mais calor *
Custódio Montes
6.5.2023 ***
8. *
"E o que dizemos terá mais calor"
Se quanto dissermos for verdade pura
E vier temp`rado de alguma candura
Ou de outros afectos do mesmo teor *
Escrevo, sou sincera, sem fazer favor,
Só porque me encanta tudo o que perdura:
Dar e receber sem pagar a factura,
Nem fazer leitura lá, no contador, *
Será do melhor que aqui vamos tendo
E se algo eu ensino, muito mais aprendo,
Que é lendo e escrevendo que aprendo o que sei *
Não será leitura para toda a gente,
Mas pode - quem sabe? - deixar a semente
De uma nova C`roa, sem rainha ou rei... *
Mª João Brito de Sousa
06.05.2023 - 22.05h ***
9. *
“De uma nova C’roa, sem rainha ou rei…”
Que as dadas em Londres se são como estrelas
As que aqui compomos, embora singelas,
Perduram no tempo e agradam à grei *
Enfeitam o tema, na forma são lei
Bem emalhetadas, são lindas, são belas
Fazem um circuito, gozam também elas
Gabar mais não posso que isso já não sei *
Mas sendo ajudado vou ao infinito
E fica a coroa com mais gabarito
No seu conteúdo e também ao ser vista *
À roda balança toda enfeitada
Todos que a virem acham-na engraçada
E dirão em coro: vem de mãos de artista! *
Custódio Montes
6.5.2023 ***
10. *
"E dirão em coro: vem de mãos de artista!"
Pois não sendo de ouro nem tendo diamantes,
É toda tecida do valor de instantes
Que de tão sentidos vos saltam à vista *
Se acaso se queixa, nunca é derrotista
Que aponta caminhos que são importantes
E que rasga estradas que embora distantes
Quando percorridas, garantem conquista! *
São coisas de humanos, danças de poetas
Que às vezes correndo parecem estafetas
Levando mensagens para o mundo inteiro *
Por vezes complexas, por vezes singelas,
Mas todas visíveis que tal como estrelas
Desenham no espaço um perfeito luzeiro *
Mª João Brito de Sousa
07.05.2023 - 00.02h *** 11. *
“Desenham no espaço um perfeito luzeiro”
E pelas estradas as tornam floridas
Enfeitam os campos dão graça às ermidas
Com passos gigantes à frente em primeiro *
Descrevem searas um morro um outeiro
Com a aura certa como a do rei Midas
De ouro enfeitado antenas erguidas
A singrar no mar ao timão dum veleiro *
Os poemas voam vão a grande altura
São pombos à solta, sinais de cultura
Que dão luz ao mundo e à volta o enfeitam *
Quem os vir voando até o sol se pôr
Fica tão alegre e com tanto amor
Que na cama os leem enquanto se deitam *
Custódio Montes
7.5.2023 - (ao romper da aurora) ***
12. *
"Que na cama os leem enquanto se deitam"
E assim que o Sol nasça, acorrem bem despertos,
Ao verso que acorda de braços abertos
E de sonhos, outros, os poemas se enfeitam *
Poeta e poema, ambos se deleitam
Quando se aventuram por espaços incertos,
E ao cantar a Vida nos seus desconcertos
Descobrem sentido no que os mais rejeitam... *
Desta simbiose, sempre musicada,
Vai nascendo a C`roa sem jóias, sem nada:
Somente as palavras saberão tecê-la *
E assim, fio a fio, caminha em beleza,
Esta humilde C`roa, sem que a realeza
Saiba que ela existe e também queira tê-la... *
Mª João Brito de Sousa
07.05.2023 - 11.45h ***
13. *
“Saiba que ela existe e também queira tê-la"
Mas nós não deixamos que a C’roa aqui feita
É muito mais linda, linda e perfeita
Que a da realeza que é outra e não ela *
O ouro que ostenta torna-a mais bela,
Ouro de palavras que bem mais enfeita
Que a que é trabalhada conforme a receita
Pra pôr na cabeça e agradar à favela *
Pelo ar voamos, vogamos no mar
E peixe não somos nem ave a voar
Andamos na terra mas o pensamento *
Usa as suas asas, voa sem que tema
Perigos e medos e tece o poema
Que no mar ondula, voa e amaina o vento *
Custódio Montes
7.5.2023 ***
14. *
"Que no mar ondula, voa e amaina o vento"
Acalmando a dor se uma dor nos domina
E que tantas vezes a noite ilumina
Ou vem aquecer-nos no frio do relento... *
Está nela imbuído o nobílimo intento
De nos elevar enquanto nos fascina
E quanto mais velha, tanto mais menina
Que tudo o que exige é compasso e talento... *
Ah, quando a fechamos, ainda é mais bela,
Mais jovem, mais fresca, mais suave e singela
Que o verso que a sela jamais causou dano *
E em boa verdade vos posso afirmar
Que pelo prazer de a tecer e fiar,
"Nem ave nem peixe, quero ser humano"! *
Mª João Brito de Sousa
07.05.2023 - 13.40h ***
publicado às 23:03
Maria João Brito de Sousa
NA ONDA - Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa *
Coroa de Sonetos * 1. *
No alto da onda deu-se a explosão Do ventre saído, com luz, com amor Livre de pecado, criado sem dor Que do mar emana, mar da criação *
Ao mundo lançado à procura de pão E com alegria, garra e destemor Andei pelo campo, cidade e ao redor Em tempos passados, tempos que lá vão *
Agora na onda deste tempo aurido Procuro que o tempo me forneça tema Para que o meu tempo fique enriquecido *
Paro e olho em frente e então por sistema Vou à biblioteca e depois de ter lido Ocupo o meu tempo escrevendo um poema *
Custódio Montes 27.4.2023 *** 2. *
"Ocupo o meu tempo escrevendo um poema"
Que brota da rocha que sou quando em rocha
Transformo a papoila que em mim desabrocha
Que às vezes é louco e bem louco, este esquema *
No qual me aventuro sem leme e sem lema
De dia ou de noite e à luz de uma tocha,
Que acendo no escuro que de mim debocha
Tentando cegar-me, que o faz por sistema... *
Porém nos provectos setenta que ostento
Em cabelos brancos até à cintura,
Rio-me do escuro que me observa atento *
Tentando fazer-me fazer má figura
Crendo que me assusto ou até me atormento
Por ter de o pagar quando chega a... factura. *
Mª João Brito de Sousa
27.04.2023 - 16.15h *** 3. *
“Por ter de o pagar quando chega a factura” Mas lá vou andando percorrendo a estrada É demais o custo mas não deixo nada Levo tudo avante de forma segura *
Na crista da onda quando se procura Encontra-se forma, por mais complicada, De pagar a pronto conta debitada Mas não pago nada quando vejo usura *
Fui assim criado mas andei à rasca Na borga em Coimbra e por lá a cantar À noite passava as horas na tasca *
Pagava aos amigos e sempre a gastar Era inocente sem sair da casca Mas não vale a pena andar a lamentar *
Custódio Montes 27.4.2023 ***
4. *
"Mas não vale a pena andar a lamentar"
Pequeninos erros do nosso passado
Senão o presente passa-nos ao lado
E o futuro avança sem nos dar lugar... *
Antes memoremos, pra comemorar,
Desses belos tempos, cada beijo dado,
Furtivo que fosse, de acordo ou roubado
À semi recusa de ocasional par... *
Da borga não soube mais do que o que lia
E bem pouco ou nada gastava comigo
Que eu, por ser "menina", nem sequer saía *
E sair à noite era, então, um p`rigo,
Um tremendo risco que eu nunca corria
Pois ficava em casa... sem ser de castigo. *
Mª João Brito de Sousa
27.04.2023 - 21.10h ***
5. * “Pois ficava em casa…sem ser de castigo” Mas isso era apenas quando combinado Sem os pais saberem ficava fechado Para brincadeiras com algum amigo *
Porque normalmente seguia comigo A ladrar a fusca pelo povoado Ia para o monte de pastor do gado Nadava no rio sem qualquer perigo *
Que na minha terra quando era pequeno Só havia o campo e mais nada ao redor Os montes ao alto, o rio e tempo ameno *
Os lameiros verdes, espalhada a flor Um cheiro aprazível ondulante o feno Os nabais frondosos, recantos de amor *
Custódio Montes 27.4.2023 ***
6. *
"Os nabais frondosos, recantos de amor"
Compunham o grande temor dos meus pais:
- Se não sais comigo, de casa não sais,
Senão, minha filha, quando for`s maior! *
Se eu ia à piscina e nadava a primor,
Logo a minha mãe se sentava entre os mais
E ou me vigiava ou fazia sinais
Pra que me sentasse a seu lado. Um horror! *
Porém o destino pregou-lhe a partida
E foi na piscina que um dia encontrei
O amor que haveria de ser para a vida *
Ou, melhor dizendo, alguém que eu amei
Com quem me casei sem ter sido pedida
E ao fim de trinta anos, ou quase, deixei. *
Mª João Brito de Sousa
27.04.2023 - 22.35h ***
7. * “E ao fim de trinta anos, ou quase, deixei” Quando se abandona é porque não se quer Nosso companheiro - homem ou mulher- Fica-se sozinho como é de lei *
Vidas dessas nunca eu experimentei A minha família sabe-me acolher Vou andar com ela sempre que puder E abandonado nunca estarei *
Fui hoje a Amarante e a Sara de dois anos Virou-me os seus olhos e a brandir a mão Avô vais morrer. Eu fiquei sem enganos *
Nessa circunstância ficarei então Logo abandonado nos mundos insanos Fico só - adeus - e sem contemplação *
Custódio Montes 27.4.2023 ***
8. *
"Fico só - adeus - e sem contemplação"
Mas nas brincadeiras dos mais pequeninos,
Tudo tem a graça de angelicais hinos
Que da morte/morte nem têm noção *
E se nela falam por qualquer razão,
Da mesma maneira pulam, fazem pinos,
Se entregam, audazes, a tais desatinos
Que nos perguntamos como aguentarão... *
Quanto a nós, adultos no Outono da vida,
Bem sabendo quanto nada é linear
E que, a dor que mate, nem uma partida, *
Ainda que ajude, poderá salvar,
Não espanta uma vida que foi destruída
Por dor que, de horrenda, prefiro calar. *
Mª João Brito de Sousa
28.04.2023 - 01.05h ***
9. *
“Por dor que, de horrenda, prefiro calar” Calar, sim, calemos que é muito melhor Falemos do dia até o sol se pôr E da natureza, das ondas do mar *
Não sobre a tristeza, temos de a arredar E pô-la de lado. Falemos de amor E de coisas boas ao nosso dispor E já não da morte até ela chegar *
As flores do campo, ou o nascer da aurora Risos de alegria, sonhos de criança Há tanta beleza pelo mundo fora *
E até recordarmos - que boa a lembrança !!! Deixemos as mágoas… que se vão embora E que a vida traga ventos de mudança *
Custódio Montes 28.4.2023 ***
10. *
"E que a vida traga ventos de mudança"
Que soprem nas velas das barcas da Vida
Pra que a Paz sonhada seja conseguida
E que em nós ressurja, renovada, a esp`rança *
Sabemos que a barca desta Vida avança
Por entre borrascas qual guerreira f`rida
Que às vezes naufraga se for atingida
Por vaga que a exceda em vigor e pujança *
Façamos, portanto, tudo o que pudermos
Pra que as tempestades sejam passageiras
Ou só se enfureçam sobre espaços ermos *
Dos quais nossas barcas se afastem ligeiras
Se nós, marinheiros, amansar soubermos
Outras ameaças de ondas altaneiras. *
Mª João Brito de Sousa
28.04.2023 - 10.30h ***
11.
*
“Outras ameaças de ondas altaneiras” Como é o naufrágio que nos ameaça Fiquemos na margem enquanto ele passa E não arrisquemos a fazer asneiras
*
Na vida que corre há imensas maneiras De afastar perigo que ao vir nos enlaça Nos tira a saúde e nos deixa sem graça Perturbando o sonho, causando canseiras
*
Que a vida nos corra sem melancolia Porque ela é difícil e temos de ter A clarividência e também a mestria
*
De em cada momento sabermos viver Que os minutos passem com muita alegria Assim tem que ser e querer é poder
*
Custódio Montes 28.4.2023 *
12. *
"Assim tem que ser e querer é poder"
Embora nem sempre nos baste a vontade...
Mas acreditemos que é pura verdade
E algum benefício havemos de obter *
Mas se de algum erro inocente eu estiver
Basta-me esse trunfo pra que a tempestade
Recue vencida p`la temeridade
De cada verdade que eu possa dizer? *
Voltemos às ondas revoltas do mar,
Ao vento que sopra, ao trovão que reboa
E à mão sobre a roda do leme a teimar *
Em salvar a Barca e levá-la a Lisboa:
Já passou a Barra e está quase a chegar
Ao porto que abriga a canção que ela entoa! *
Mª João Brito de Sousa
28.04.2023 - 13.45h ***
13. *
“Ao porto que abriga a canção que ela entoa” Do alto da onda até praia segura A barca descansa depois da procura De posição firme à ré e à proa *
Se se vir ao largo pequena canoa A virar de lado como uma tontura Volta lá a barca, logo lhe assegura O seu salvamento, sem andar à toa *
Mas neste começo ao em onda falar Andou-me outro assunto no meu pensamento Descrevi o modo de eu germinar *
E de ter chegado sem padecimento Ao mundo dos vivos sem dor nem chorar Falei do início, do meu nascimento *
Custódio Montes 28.4.2023 *** 14. *
"Falei do início, do meu nascimento"
Dos tempos primevos, do espanto à candura,
De mim, nascituro, e de mim, criatura
Que agora madura voa em pensamento *
E tenta, e consegue esbanjar-se em talento
E poemas que alcançam tal envergadura
Que em todos se encontra quando se procura
Na onda em que escolha nadar contra o tempo... *
De inícios falemos, assim, versejando
No entardecer deste dia de V`rão,
Quando a noite espreita e nos vai impregnando *
De um luar que evoca uma outra dimensão,
Neste mar de assombro e de vagas quebrando,
"No alto da onda deu-se a explosão"! *
Mª João Brito de Sousa
28.04.2023 - 21.25h ***
publicado às 13:39
Maria João Brito de Sousa
Tela de Paul Cézzane
NOITE * Coroa de Sonetos * Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa *
1. *
A noite tem mistérios e encantos
Encontram-se os amigos e as amigas
Dança-se a par e ouvem-se cantigas
Encobrem-se os amores nos seus mantos *
Escondem-se na sombra muitos prantos
Indómitos valentes sem fadigas
Tecem-se muitos contos e intrigas
Há demónios que fingem ser uns santos *
De dia vê-se ao longe a claridade
De noite vê-se bem mas só ao perto
Encobre-se a fraqueza e a idade *
Embala-nos o sonho que, desperto,
Enfeita tudo à volta. A mocidade
Anda durante a noite a céu aberto *
Custódio Montes *
30.11.2022 ***
2. *
"Anda durante a noite a céu aberto"
Um velho e anquilosado sem abrigo
Tão gasto quanto um móvel muito antigo
Pla pátina do tempo hoje coberto *
Pra esse a noite é um local deserto
P`rigoso para quem não sente o p`rigo,
Mas suave se encontrar um velho amigo
Que caminhe ao acaso ali por perto *
E caminhando juntos, juntos olham
O céu cheios de estrelas. Que os não tolham
Os muitos anos que ambos já viveram *
Que ao menos as memórias sejam belas
Já que, hoje, nada têm senão estrelas
E os sonhos que tiveram já morreram. *
Mª João Brito de Sousa
30.11.2022 - 14.00h ***
3. *
“E os sonhos que tiveram já morreram”
Mas mesmo assim à noite a conversar
Recordaram momentos e ao lembrar
Outras enormes gestas prometeram *
Cantaram e dançaram, não temeram
As vagas já passadas do azar
Que foram e não mais iam voltar
E em novos afazeres se entenderam *
Prometeram plantar cravos e rosas
Bem-me-queres floridos e jasmins
Tudo à volta as flores mais formosas *
Vestirem-se de roupas com cetins
Andarem com sorrisos glamorosos
Em festas ao ar livre e em jardins *
Custódio Montes
30.11.2022 ***
4. *
"Em festas ao ar livre e em jardins"
Ressuscitaram os seus sonhos mortos:
Se no asfalto plantaram seus hortos,
No céu soltaram bandos de chapins *
E esculpiram, nos becos, querubins
- que importa se perfeitos ou se tortos
eram os traços seus se tão absortos
estavam os dois em alcançar seus fins? - *
E nessa noite aqui reinventada,
Foram jovens os dois. Talvez crianças
Fazendo traquinices na calçada, *
Coreografando juntos novas danças,
Criando o que quiseram desse nada
Que nada deve ao banco ou às finanças. *
Mª João Brito de Sousa
30.11.2022 - 16.35h *** 5. *
“Que nada deve ao banco ou às finanças”
Nem pedir emprestado, tudo a pronto
Que misérias de empréstimos nem conto
Com juros usurários nas cobranças *
Que quem se for meter nessas andanças
Vive sem paz e em guerra nesse ponto
A ganhar para o banco e em confronto
Sem ter no seu futuro esperanças *
Para se viver bem, para sonhar
Devemos entre nós ter por cultura
Não andar a pedir nem a roubar *
Encher os nossos bolsos com usura
De quem anda na vida a trabalhar
Com toda a honestidade, com lisura *
Custódio Montes
30.11.2022 ***
6. *
"Com toda a honestidade, com lisura",
Partilharam a noite até ser dia
E de manhã nenhum dos dois sabia
Distinguir sanidade de loucura *
Ambos haviam feito a mesma jura
De não perder o sonho e a alegria,
Como se por milagre ou por magia
Uma tristeza não tivesse cura... *
De novo a noite escura vai tombando
Sobre esses dois mendigos. No veludo
Do céu imenso, estrelas vão brilhando... *
Nem um nem outro têm espada ou escudo
Mas como cavaleiros batalhando
Combatem fome e frio, vencendo tudo. *
Mª João Brito de Sousa
30.11.2022 - 19.25h ***
7. *
“Combatem fome e frio, vencendo tudo”
Pois são dois bons amigos, combatentes
Que lutam contra ventos inclementes
Com o corpo sem vestes e desnudo *
Tivessem eles mais algum estudo
E teriam empregos competentes
Ou com outras acções inteligentes
Teriam um futuro mais sortudo *
Já não são moços, pesa-lhes a idade
Mas a noite passaram-na a cantar
Lembrando o seu passado, a mocidade *
Os tempos de alegria, o namorar
Com mais atrevimento ou castidade
E noites que tiveram a sonhar *
Custódio Montes
30.11.2022 ***
8. *
"E noites que tiveram a sonhar"
Partilham-nas também, feitas memórias
Que vão narrando como se vitórias
Sobre o que antes tiveram que penar *
Sob um céu todo estrelas e luar
Vão um e outro desfiando histórias
E as mais pequenas coisas são já glórias
Que convencem o Tempo a recuar... *
Do pão amanhecido que um trazia
Ao outro é of`recida uma metade
E assim jantaram nessa noite fria *
Em que ambos celebraram a amizade:
Se o amanhã traz sempre um novo dia,
Trouxe-lhes, essa noite, a eternidade. *
Mª João Brito de Sousa
30.11.2022 - 22.15h ***
9. *
“Trouxe-lhes, essa noite, a eternidade”
Mas só em pensamento que a viver
Continuaram mais e a conviver
Lembrando toda a sua mocidade *
De noite só se vê pela metade
Mas eles viram bem no seu dizer
Tudo aquilo que andaram a fazer
Chegando mesmo até à hilaridade *
Um lembrou as amigas e conquistas
O outro suas fases do namoro
Aquele disse até as longas listas *
De moças que beijou sem ter decoro
Este também lhe deu algumas pistas
E riram riram riram ambos em coro *
Custódio Montes
30.11.2022 ***
10.
* "E riram riram riram ambos em coro"
Do seu passado e até das suas dores,
Das suas ambições, dos seus amores,
De forma tal que desaguava em choro *
Todo esse riso, como um meteoro
Rasgando a noite com as suas cores...
E foi a melhor cura, entre as melhores,
Valendo tanto ou mais do que um tesouro! *
Dissessem-lhes que a vida são dois dias
E rir-se-iam de quem tal dissesse:
Não crêem nessas vãs filosofias, *
Sabem que nada é o que parece
E se a noite lhes traz tais alegrias,
Que não se apresse o dia que amanhece. *
Mª João Brito de Sousa
01.11.2022 - 11.00h ***
11. *
“Que não se apresse o dia que amanhece”
Para gozar a vida e a mais valia
De voltar ao passado e à alegria
Que tanto nos recorda e engrandece *
Nestas recordações a gente tece
A manta que nos cobre de euforia
E busca-se aí toda essa magia
Que no-la traz de volta e oferece *
Que continue o sonho e a alvorada
Demore que ao voltar de novo a vir
Havemos de cantar à desgarrada *
Voltando-nos de novo a divertir
Da nossa vida bela, vida airada
Que nessa altura era um elixir *
Custódio Montes
1.12.2022 ***
12. *
"Que nessa altura era um elixir"
E continua a sê-lo noite afora
Porque hoje é numa noite que se escora
A c´roa que se está a construir *
Na qual dois velhos tentam redimir
Os muitos pecadilhos desse outrora
Que ambos recriarão antes que a aurora
Radiosa comece a ressurgir *
Mesmo as falsas memórias são bem vindas
À noite que em coroa entretecemos
E que, antes de fechar, toda se alinda *
Com os sons e silêncios que lhe demos...
Mas dois sonetos vão faltando ainda
Pra que feche em beleza, bem sabemos. *
Mª João Brito de Sousa
01.12.2022 - 14.40h ***
13. *
“Pra que feche em beleza, bem sabemos “
E ao fechar abriu-se o coração
Por ter voltado a ter recordação
De tudo o que amamos e vivemos *
De noite, nas estrelas, tudo vemos
Lampeja à nossa volta um clarão
Que nos recorda os anos que se vão
E voltamos atrás e tudo temos *
Na noite giram muitos impropérios
Mas também flui a luz e a claridade
E são sonhados tantos desidérios *
Que se emaranha em nós gosto e vontade
De sondarmos amores e mistérios
Que trazem à memória a nossa idade *
Custódio Montes
1.12.2022 ***
14. *
"Que trazem à memória a nossa idade"
E as muitas ilusões de antigamente
Que a vida derrubou tão lentamente
Quão depressa cresceu esta amizade *
Que à noite, numa rua da cidade,
Nasceu de uma conversa frente a frente...
Quase no fecho, sinto-me impotente
Pra prolongar toda esta f`licidade *
Prossigo porque tudo tem um fim
E engendrámos dois homens, não dois santos
Desses que são talhados em marfim, *
Que (en)cobrem a nudez com longos mantos
E que jamais virão dizer-me assim:
"A noite tem mistérios e encantos"... *
Mª João Brito de Sousa
01.12.2022 - 17.45h ***
publicado às 10:28
Maria João Brito de Sousa
DE MADRUGADA *
Coroa de Sonetos *
Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa ***
1. *
De madrugada acordo no escuro
Mas vejo com clareza alvorecer
A ideia nasce logo a florescer
Como fruto nascido e já maduro *
Depois escalo a árvore e apuro
Aquele que aos olhos parecer
Mais belo. Lanço a mão a escolher
E pronto, agarro o fruto bem seguro *
A ideia sabe bem e alimenta
O ego agiganta a fantasia
É como alimento que sustenta *
O poder que nos leva à magia
Nos mantém a alegria e nos aumenta
O gosto que nos dá a poesia *
Custódio Montes
24.10.2022 ***
2. *
"O gosto que nos dá a poesia"
É um fruto carnudo e agridoce
Que assim que nasce de mim toma posse
E toda me transforma em melodia... *
A madrugada dá lugar ao dia
- e mal de todos nós se assim não fosse -
Para que o novo fruto nos remoce
Em talento, em vontade e harmonia *
Por vezes sou tão lenta a (re)colhê-lo
Que tropeço, me enredo e me atropelo
Longe do fruto com que mato a sede *
Mas não desisto! Mesmo desastrada
Porque vacilo desequilibrada,
Alcanço o fruto que a Musa me pede. *
Mª João Brito de Sousa
24.10.2022 - 12. 53h ***
3. *
“Alcanço o fruto que a musa me pede”
E bem gulosa é que muito come
Pois cada fruto a mais que assim consome
Aumenta-nos a luz que nos concede *
Não é qualquer doença que a impede
De nos trazer poemas em seu nome
Que saciam e matam nossa fome
E em troca nada exige e nada pede *
Por isso, obrigado minha amiga
Que quero os seus poemas e prossiga
Nessa arte que tem a poetar *
Embora o corpo não nos obedeça
Importa é que a ideia e a cabeça
Nos traga a fantasia e o sonhar *
Custódio Montes
24.10.2022 ***
4. *
"Nos traga a fantasia e o sonhar"
Que o sonho é também fruto, dá semente
E estará sempre à mão de toda a gente
Colhê-lo pra depois o semear *
Obrigada por sempre me aturar,
Inda que estando a minha Musa ausente
Eu escreva muito, muito lentamente
E possa nalgum verso coxear... *
Para fugir à dor, fiquei sem Musa,
Porque ela, caprichosa, se recusa
A aceitar esta minha lentidão *
E mal aclara um pouco a madrugada
Ei-la que parte triste e amuada
Porque - diz-me ela - falta-lhe a paixão... *
Mª João Brito de Sousa
24.10.2022 - 15.50h ***
5. *
“Porque - diz-me ela - falta-lhe a paixão”
Mas ela é mentirosa e trato-a mal
Porque a musa ao saber que é maioral
Devia ter na língua contenção *
Devia até meter-se na prisão
Depois de condenada em tribunal
Como difamadora, tal e qual
Com custas do processo e punição *
Por esta passa, amiga, estou a ver
Que lhe vai perdoar sem merecer
Que ela bem merecia até cadeia *
Concordo, que o poeta, na verdade,
Dá à musa tamanho à vontade
Com que ela muitas vezes nos cerceia *
Custódio Montes
24.10.2022 ***
6. *
"Com que ela muitas vezes nos cerceia"
Porque embora insubmissa, se se entrega,
Dá o melhor de si quebrando a regra
Que impõe limites à humana ideia *
Sim, eu perdôo sempre a quem anseia,
- mesmo sabendo que hoje se me nega -
Por estar comigo sempre que a refrega
Se mostra mais agreste e dura e feia... *
Mas também na bonança me acompanha
Essa que é tão pequena quão tamanha
E a quem só por graça chamo Musa *
Se a condenasse, a mim me condenava,
Que ela é parte de mim, não minha escrava,
E eu que faria ao ver-me, assim, reclusa? *
Mª João Brito de Sousa
24.10.2022 - 21.10h ***
7. *
“E eu que faria ao ver-me, assim, reclusa?”
Clamava por justiça e piedade
Afirmaria então sua bondade
E talvez o juiz lhe desse escusa *
Quando se é uma só e mais a musa
Se condenarmos esta, na verdade,
Iriam pró aljube em irmandade
Ficando junto a ela lá reclusa *
Por isso volto atrás e escondo a mão
Já não lhe meto a musa na prisão
Porque prendo-a a si prendendo ela *
Deixemo-la voar que vá embora
De madrugada volta a qualquer hora
Que já se sente ao longe a barca bela *
Custódio Montes
25.10.2022 ***
8. *
"Que já se sente ao longe a barca bela"
Em que as musas embarcam pra voltar
Quando cansadas já de olhar o mar
Decidem, finalmente, içar a vela *
Enquanto debruçado/a na janela
O/A poeta tudo faz para a avistar
E em avistando, corre pr`abraçar
Esse tanto de si que embarcou nela *
Da madrugada é que renasce o dia
Que às vezes traz as vestes da harmonia
E que, outras vezes, veste plúmbeos mantos... *
Hoje, porém, só penso na alegria
Que o retorno da Musa me traria
Caso ela me emprestasse os seus encantos. *
Mª João Brito de Sousa
25.10.2022 - 10.35h ***
9. *
“Caso ela me emprestasse os seus encantos”
E empresta bem se vê a sua mão
Porque quem ela habita em união
Fá-la cobrir e andar sob seus mantos *
Não vem desafinando nos seus cantos
Que vão de onda em onda em amplidão
Ouvidos com amor e admiração
Adorados até por tantos, tantos … *
Por isso não desdiga a sua sorte
Que até com a doença é muito forte
E se é tão forte assim não se lamente *
A matéria esvai-se e modifica
E o que interessa ao mundo e nele fica
É o poder da alma e sua mente *
Custódio Montes
25.10.2022 ***
10. *
"É o poder da alma e sua mente"...
Ah, não desdenhe a carne, que fraqueja,
Mas que obedece à mente enquanto esteja
Capaz de pôr em verso o que ela sente *
E que, em falhando, bem pouco consente
A quanto essa pobre alma tanto almeja:
Se o corpo, entorpecido, só boceja,
Não gera a mente fruto nem semente! *
Por mais que o sol nascente ouse tentá-la
E a evadida Musa volte à sala
Em que a carne tombara adormecida, *
Não os vê o/a poeta que sucumbe
Ao poder de Morfeu quando o/a incumbe
De ressonar dois dias de seguida. *
Mª João Brito de Sousa
26.10.2022 - 12. 25h ***
11. *
“De ressonar dois dias de seguida….”
Mas se ressona, dorme e também sonha
Com coisa linda, não coisa medonha
Mas se medonha for só na dormida *
Porque sendo poeta e já crescida
Nada lhe mete medo ou que se oponha
Ao seu dom aguerrido ou que suponha
Que não é heroína destemida *
Ressone que depois vai descansar
Que o corpo relaxado junto ao mar
Vai ficar como novo, em sanidade *
Depois ao acordar, de madrugada,
Vai ver que ficará mais descansada
E até quase a voltar à mocidade *
Custódio Montes
26.10.2022 ***
12. *
"E até quase voltar à mocidade"
Brincarei, que em verdade não ressono
(ou não me ouço, que é pesado o sono
e eu não acordo com facilidade...) *
Também hoje Morfeu toda me invade,
Mas eu, rebelde como cão sem dono,
Resisto como posso ao abandono:
Vigil, lutei contra aquela deidade! *
Pra colher tantos frutos quanto pude,
Reinava ainda um céu negro de crude,
Já eu escapava ao seu sereno enlevo *
E antecipava o alvor da madrugada...
De pouco me valeu, ou quase nada,
Que bem depressa esqueço o que não escrevo. *
Mª João Brito de Sousa
26.10.2022 - 17.45h ***
13. *
“Que bem depressa esqueço o que não escrevo”
Então se acordar de madrugada
Escreva o que pensou numa penada
E vai ver logo a ideia em relevo *
Ao vir a ideia penso e eu me enlevo
E mesmo com a luz meio apagada
Penso, componho e assim organizada
À forma de poema então a levo *
Assim escrevo muita poesia
O que me dá prazer e alegria
Sobre qualquer assunto que interesse *
Ali apanho um fruto ou uma flor
Trato todo o jardim com muito amor
E ando sempre a ver como floresce *
Custódio Montes 26.10.2022 ***
14. *
"E ando sempre a ver como floresce"
O jardim que recebe as madrugadas
Tal qual conclama estrelas afastadas
Que o seu olhar profundo coalesce *
Depois, de madrugada, a Musa cresce,
Vai-se pintando o céu de auras rosadas,
Recolhe-se a coruja nas arcadas
E, por breves instantes, nada mexe... *
Tudo parece estático, impassível,
Nesse momento mágico, (in)tangível,
Etéreo mas tão espesso quanto um muro *
Que separasse a luz da escuridão...
No espanto desse instante escrevo então:
"De madrugada acordo no escuro"! *
Mª João Brito de Sousa
26.10.2022 - 20.50h ***
publicado às 10:22
Maria João Brito de Sousa
Varina e Pescador, 1918, óleo sobre madeira
de José de Brito (1855–1946). Coleção particular
***
CONVERSA ENTRE DOIS SONETISTAS *
Coroa de Sonetos *
Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa *
1. *
O barco vai ao largo a navegar
Leva dentro os seus sonhos em viagem
Mostra-nos a beleza da paisagem
Que circunda esta praia junto ao mar *
Espero que ele volte que ao chegar
Vou sondar qual o sonho e a mensagem
Que deixou ou que teve na passagem
Para nele a seguir eu embarcar *
Hei-de ir onde ele for…à ré me ponho
Sigo a rota que teve no seu sonho
Indo além nessa rota outra vez *
Para quê? Vou dizer: assim abarco
Os sonhos que na rota teve o barco
E terei esses sonhos eu talvez *
Custódio Montes
10.8.2022
***
2. *
"E terei esses sonhos eu talvez",
Ou guardarei os meus noutro porão
Que um bote a remos, feito galeão,
Aguarda nesse porto a sua vez *
De ir ao mar e voltar, mês após mês,
E há nesse bote a absurda compulsão
De enfrentar e vencer um furacão
Apesar dessa sua pequenez... *
Quisera eu ir aos remos desse bote
Inda que só glosando alheio mote
E embora alheada e já sem garra *
Não pudesse movê-lo um metro, não...
Faltam-me, agora, a força e a paixão
E assim não sou formiga... nem cigarra! *
Mª João Brito de Sousa
20.08.2022 - 12.50h ***
3. *
“E assim não sou formiga …nem cigarra”
Mas terei meu trabalho a fazer
No barco o meu ego a crescer
Desde o mar largo até chegar à barra *
Vestido bem de leve, de cimarra,
Na praia a ver o barco aparecer
E à volta nuvens brancas - que prazer-
Ouvindo o som nas cordas da guitarra *
Areia branca, luz pela chegada
Nos braços que me estende a minha amada
Na hora em que aporto do meu mar *
Tormentas lá se foram já passaram
Os sonhos que eu tive e que ficaram
Aumentam o meu gosto de a amar *
Custodio Montes
20.08.2022 ***
4. *
"Aumentam o meu gosto de a amar"
Enquanto eu me procuro em desespero
Que já mal sei quem sou ou o que quero
Da bela barca em que me faço ao mar... *
Não estou dorida mas prefiro estar
Bem mais magoada mantendo o meu esmero
A estar assim sem dor, nem destempero,
Nem Musa que me valha onde eu falhar... *
Entro e saio da Barca, feita tonta
E nestas voltas nunca mais `tou pronta
Pra me fazer ao mar que em mim havia: *
Não sei onde perdi os velhos remos,
Nem onde fica o mar que ambos sabemos
Que à Musa e só à Musa pertencia... *
Mª João Brito de Sousa
20.08.2022 - 16.19h *** 5. *
“Que à musa e só à musa pertencia”
Mas que eu igualmente procurava
Para ver se lá dentro encontrava
O sonho que a pensar tanto queria *
Então ondas saltei que o mar fazia
E no redemoinho que ondulava
A musa para mim de lá olhava
Fiquei cheio de amor e de alegria *
E disse: musa amiga, anda cá
Inspira-me, agora, anda lá
Permite que eu acabe só mais esta *
Modesta poesia que eu prometo
Que quando acabar este soneto
Descansas porque eu tenho uma festa *
Custódio Montes
20.8.2022 ***
6. *
"Descansas porque eu tenho uma festa"
Maior que qualquer outra que conheças,
Que acaba exactamente onde começas
E só se esgota quando nada resta *
Das mil e uma coisas que lhe empresta
Esta (ir)realidade em que tropeças
Quando nós duas andamos a meças
Enquanto equilibradas numa aresta... *
Sendo eu um pouco tu, tu serás eu,
Trarás contigo um pouco do que é meu
E, vice-versa, também de teu trago *
Este dom de escrever como quem canta,
De tecer mantos, de "pintar a manta"
E de compor soneto em verso mago. *
Mª João Brito de Sousa
20.08.2022 - 20.35h ***
7. *
“E de compor soneto em verso mago”
Que encanta a ave rara que esvoaça
E que admirada olha e com graça
Enquanto esse poema aqui eu trago *
A seca transformou quase em lago
Esta grande albufeira de água escassa
Que era a inspiração de quem cá passa
E agora trouxe à musa grande estrago *
O barco passa lento e até encalha
Mas lá se vai remando e não me falha
O remo que me ajuda até à foz *
A festa terminou e vou dormir
Ao acordar então hei-de aqui vir
Para que este soneto ganhe voz *
Custódio Montes
21.8.2022 ***
8. *
"Para que este soneto ganhe voz"
E a Musa não se vá de novo embora
Também a minha voz lhe empresto agora,
Voz que foi feiticeira, há tempo, em Oz *
E que agora se foi, deixando a sós
Aquela em que morou, mas já não mora...
Tentei reinventá-la na demora,
Mas não me resta dela mais que uns pós... *
Contudo, a Barca espera e faz-se tarde
E eu que nunca fora assim, cobarde,
Salto para o convés, pego nos remos *
E consigo avançar um palmo ou dois...
O resto ficará para depois
Que, por ora, isto é tudo quanto temos. *
Mª João Brito de Sousa
21.08.2022 - 11.35h
*** 9. *
“Que, por ora, isto é tudo quanto temos”
E muito é o que leva já o bote
Com ricas prendas idas no seu lote
E outras que hão-de ir pelo que lemos *
A musa por lá anda que bem vemos
Só quem não queira ver e que não note
Poemas com beleza e alto dote
É que em vez de ver musa vê somenos *
O barco ao fazer esta viagem
Voltará com mais força e coragem
E ao chegar ao cais volta a partir *
Com estes viajantes sem ter medo
O seu percurso encanta por tão ledo
E vai querer andar a ir e vir *
Custódio Montes
21.8.2022 ***
10. *
"E vai querer andar a ir e vir"
Que é esse o seu destino, a sua sorte,
Que ora rumando a Sul, ora pra Norte
Levará no porão quanto eu sentir *
Menos do que isto não lhe irei pedir
E ainda que sem Musa menos forte,
Eu própria me encarrego do transporte
De alguns dos versos prontos pra florir *
A Barca avança agora livremente,
Sem grande esforço, ao sabor da corrente,
Quase como se a Musa fosse ao leme *
E, no entanto, a Musa continua
Escondida em parte incerta, muda e crua:
A ninguém obedece e a nada teme. *
Mª João Brito de Sousa
21.08.2022 - 15.00h ***
11. *
“A ninguém obedece e nada teme”
Isso é porque ninguém lhe mete medo
Mas talvez alguém saiba um segredo
Para a obrigar mesmo a ir ao leme *
E digo mais, talvez ela até reme
Se se vir envolvida num enredo
Que a faça ver perigo que bem cedo
Lançará mão ao remo em caso extreme *
Não pode ela fazer só o que quer
Tem que dar ao poeta o que fazer
E perder esse jeito, essa mania *
A musa para ter nossa atenção
Tem que nos dar a força, a inspiração
Porque sem musa acaba a poesia *
Custódio Montes
21.8.2022 ***
12. *
"Porque sem musa acaba a poesia"
E sem ela decerto morrerei,
Terei de impor à Musa a minha lei
Se não quiser morrer triste e vazia... *
Ela é, porém, rebelde e tão vadia
Que juro que não posso - ou que não sei -
Mantê-la no cantinho onde a guardei
Ao dar-lhe o coração por garantia *
Sei que ela existe e que é parte de mim,
Que vai viver comigo até ao fim,
Mas que só faz aquilo que ela quer *
E se o resto de mim estiver doente
Ela se afasta triste e descontente
Pra mostrar que deixou de em mim caber. *
Mª João Brito de Sousa
21.08.2022 - 22.13h ***
13. *
“Pra mostrar que deixou de em mim caber”
E abandona o meu barco a navegar
Sem sonhos em que possa divagar
Nem sequer os do barco conhecer *
Ó musa não me traias, anda ver
Os segredos que andam neste mar
Vem comigo, anda lá, vamos zarpar
Sobre as ondas para sonhos poder ter *
Eu e tu muita coisa realizamos
Abraçados enquanto navegamos
E vais ver que escolhemos lindo tema *
Tu inspiras-me a mim e eu escrevo
Uma coisa bem linda e de relevo
Eu e tu só nós dois e um poema *
Custódio Montes
22.8.2022 ***
14. *
"Eu e tu só nós dois e um poema"
Pra que o naufrágio seja protelado
E deixe o barco de estar encalhado
Na mais deserta praia do fonema *
Que o teu barco de versos jamais tema
A vastidão de um mar nunca explorado
Porquanto navegá-lo é o seu fado,
E num fado não cabe um só dilema *
Vá, barco, faz-te ao mar tempestuoso:
Não temas o Inverno rigoroso,
Nem o mais forte vento que soprar! *
Isto lhe digo, prevendo a recusa
Mas, a dado momento, diz-me a Musa:
"O barco vai ao largo a navegar"! *
Mª João Brito de Sousa
22.08.2022 - 10.40h ***
Imagem - Trabalho de meu bisavô, José de Brito, retirado do blogue A Matéria do Tempo
publicado às 11:32
Maria João Brito de Sousa
Tela de Pablo Picasso (1881/1973)
ÉS O SOL *
Coroa de Sonetos *
Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa *
1. *
És o sol que me aquece dia a dia
Na caverna que arrefece o meu viver
Sem ti o que seria do meu ser
Sem o amor que me dá tanta alegria *
Amar-te até ao fim é uma fatia
Do que mereces tu para te ter
E muito mais farei até morrer
Ao colo do frescor dessa magia *
À volta do teu seio e remanso
Reclino a cabeça e descanso
Estarei sempre alegre ao teu redor *
Que é meu esse ambiente essa frescura
Que me leva ao céu e à loucura
De ter no teu regaço o meu amor *
Custódio Montes
5.8.2022
***
2. *
"De ter no teu regaço o meu amor",
Lembro-me bem de em tempos tê-lo dito,
Mas essa é frase que não mais repito
Porque perdeu há muito o seu fulgor *
E esse meu sol deixou de dar calor,
Tornou-se, para mim, astro proscrito
Que se perdeu, talvez, no infinito
Que é, das grandes lonjuras, a maior... *
Mas pudesse eu no tempo recuar
E porque me conheço vou jurar
Que o mesmo sol de então me atrairia *
Sorrio e nem sequer penso em tentar
Andar pra trás, voltando a orbitar
Um astro que entender-me não sabia. *
Mª João Brito de Sousa
05.08.2022 - 14.50h ***
3. *
“Um astro que entender-me não sabia”
Mas voou pelo estro do meu ser
E me fez prisioneiro e renascer
Dum grande amor que eu já não conhecia *
E a cada hora mais ele se abria
A ponto de por ele me perder
Não pôde o coração se defender
E seguir outro rumo ou outra via *
Agora já nem sei se me conheço
Que tudo o que eu tenho lhe ofereço
O que tenho cá dentro e fora a pele *
Mas vivo tão contente e satisfeito
Que esse amor que lhe tenho tão perfeito
Me confunde: sou eu ou serei ele ? *
Custódio Montes
5.8.2022 ***
4. *
"Me confunde: sou eu ou serei ele?"
E exactamente o mesmo se passou
Comigo, quando o sol me deslumbrou
E me cegou até tornar-me dele... *
Porém, astro não há que não revele
O lado obscuro que antes não mostrou
E até eu fui aquilo que não sou
Enquanto ao sol queimava a minha pele *
Agora, enquanto leio o que me diz,
Lembro-me que dizia ser feliz,
Embora cada vez mais me anulasse *
E lá no fundo, muito lá no fundo,
Uma voz sussurrasse - a voz do mundo? -
Que era pura loucura, aquele impasse. *
Mª João Brito de Sousa
05.08.2022 - 16.00h ***
5. *
“Que era pura loucura, aquele impasse”
Mesmo assim prosseguiu o seu intento
Lançando o coração de asas ao vento
Pensando que ele ao céu fosse e o levasse *
Que a gente quando ama segue a face
Do belo imaginado e o pensamento
Sente tanta alegria a seu contento
Que segue irresistível esse enlace *
E nunca se arrepende o coração
Sem saber o motivo ou a razão
De seguir esse rumo e caminhar *
Nunca sente a tortura que o aflige
E todo o amor que tem ele o dirige
A quem quis para sempre ter e amar *
Custódio Montes
5.8.2022 ***
6. *
"A quem quis para sempre ter e amar"
Tive e amei enquanto foi possível,
Mas quando a tempestade mais temível
Rebentou sobre nós a ribombar *
Nenhum de nós sequer ousou brilhar
Que o espanto, também ele, é perecível
E o sol deixa de ser apetecível
Para quem nel`se acaba de queimar... *
O que passou, passou. Se houve saudade,
Pouco durou que a criatividade
Depressa se lhe veio sobrepor *
E nem sei se valeu, ou não, a pena...
Só sei que a peça já saiu de cena
E que foi escrita não sei por que autor. *
Mª João Brito de Sousa
05.08.2022 - 17.25 h ***
7. *
“E que foi escrita não sei por que autor…”
Que teve assim motivo de romance
Analisando à volta a performance
Do êxito e do auge desse amor *
Em coisas bem pequenas há valor
Que visto só depois e de relance
Dá tema ao autor para que avance
E faça boa obra ao seu redor *
Nem tudo o que se passa é problema
Mas de repente temos um dilema
Que não se pode mais ultrapassar *
No romance haverá uma maneira
De abrir então os olhos à cegueira
Terminando o casal feliz a amar *
Custódio Montes
5.8.2022 *
8. *
"Terminando o casal feliz a amar"
Ou em separação, se não houver
Melhor forma de tudo resolver
Até a tempestade se acalmar *
Que é, por vezes, melhor tudo acabar
Do que tentar fazer prevalecer
Amor que esteja à beira de morrer
E já sem esp`rança de ressuscitar... *
- Já tive um sol, mas todo o sol se esconde
Na linha de horizonte, ou sei lá onde
Queira um sol refazer o seu caminho... *
Possa este meu caminho solitário
Ser, por opção, o sol do meu solário
No ôco aconchegante do meu ninho! *
Mª João Brito de Sousa
05.08.2022 - 21.00h
***
9. *
“No ôco aconchegante do meu ninho”
Existe a esperança a reentrar
Com os netos e filhos a alegrar
A minha casa antiga, um meu cantinho *
A casa agora cheia de carinho
Com todos a correr e a nadar
A jogarem à bola e a saltar
E termos mesmo ao lado um bom vizinho *
O sol que nos aquece e acalenta
Clareia tudo à volta e a gente inventa
A forma de o gozar e resistir *
A sua intensidade e o seu calor
Deixamos-lo na sua hora pior
Para melhor em casa nos sentir *
Custódio Montes
5.8.2022 ***
10. *
"Para melhor em casa nos/me sentir"
Depois dessoutro sol ter ido embora,
Voltei a ser aquela que antes fora
E comecei, enfim, a produzir *
Todas as coisas que ousara trair
Sem que soubesse estar a ser traidora:
Acorda a Musa que comigo mora
Depois de estar vinte anos a dormir *
E volto a ser quem fui em tempos idos,
Dona e senhora destes meus sentidos,
Operária de versos e de telas *
Os outros que respondam, se o souberem,
Pelo que já fizeram - ou fizerem... -,
Que eu só sei compor versos, não novelas. *
Mª João Brito de Sousa
05.08.2022 - 23.00h *** 11. *
“Que eu só sei compor versos, não novelas”
Que estas apenas têm sentimento
Que é de aparato, ou menos, no momento
Em que forem passando pelas telas *
Não temos qualquer dor depois de vê-las
Nem nos causam tristeza ou lamento.
Num verso quando eivado de tormento
As dores ficam lá ao escrevê-las *
Escrita uma paixão que a gente teve
Ao tornar a lembrá-la não é leve
E nunca mais nos deixa e vai embora *
Deve-se, antes, pensar, sendo capaz,
Na alegria que chega e vem de trás
E não nessa paixão, de novo, agora.
Custódio Montes
6.8.2022 ***
12. *
"E não nessa paixão, de novo, agora"
Porque, nisso, eu e Musa de igual forma
Não sabemos mentir... Fugindo à norma,
Lançamos a verdade, verso afora... *
Nenhuma de nós duas "fingidora",
Nenhuma de nós chora ou se conforma
Com a mentira que tão bem contorna
O que a verdade grita a toda a hora... *
Mas deu-me o sol momentos de beleza
E a alguns recordo ainda com clareza,
Por isso em coro disse: És o meu sol! *
Deveria, talvez, ter-me calado,
Mas esta Musa, de ouvido apurado,
Tentou-me até morder isco e anzol... *
Mª João Brito de Sousa
06.08.2022 - 10.30h *** 13. *
“Tentou-me até morder isco e anzol….”
Mas valeu-me eu estar desconfiado
Senão ela ter-me-ia enganado
No seu canto orquestrado em dó bemol *
Fechou-me tudo à volta com lençol
Para que eu a não visse. Apaixonado
Resisti e depois de a ter deixado
Voltei para cantar à rouxinol *
E a minha amada então ficou contente
Passou de novo a ser meu sol nascente
E ser o meu destino, o meu desejo *
Ao vê-la logo aceno e digo adeus
Apresso-me a fazer seus olhos meus
E ficamos um só ao dar um beijo *
Custódio Montes
6.8.2022 ***
14. *
"E ficamos um só ao dar um beijo"...
Faça-se o seu presente o meu passado
Remoto, é certo, mas vivenciado
E belo como as águas do meu Tejo *
Pois sendo hoje mais amplo o que cotejo,
Parece o resto ter-se aligeirado,
Tomando a dimensão de um velho fado
No qual não cabe já qualquer desejo *
Também sou um produto do vivido,
Nisso me espelho e não há desmentido
Que me faça negar que houve alegria *
E uma absurda ilusão de ser feliz
Quando dizia, tal como aqui diz:
"És o sol que me aquece dia a dia"! *
Mª João Brito de Sousa
06.08.2022 - 12.30h ***
publicado às 13:21
Maria João Brito de Sousa
"Promenade" - Marc Chagall
ANJO - Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa *
Coroa de Sonetos
1. *
Um anjo bem gostava eu de ser
Voava até Oeiras junto ao mar
Para ver outro anjo a poetar
Olhar e escutar o acontecer *
Como era bom aí eu escrever
Ouvia o outro anjo e ao escutar
Melhor me poderia inspirar
E vinha e ia lá para aprender *
Que os anjos têm asas e alto voam
E cânticos poéticos entoam
Agora, dia e noite e todo o ano *
De longe vem um canto de alegria
Que entoa uma musa com mestria
Ia ouvir se fosse anjo, um anjo humano *
Custódio Montes
15.3.2022 *** 2. *
"Ia ouvir se fosse anjo, um anjo humano"
Que pudesse ir além do que aqui escrevo,
Um canto a despontar do doce enlevo
Do seu altivo berço de serrano *
Onde crescem as torgas mano a mano
Com a carqueja e com o verde trevo...
Anjo não sou, porém, e se me elevo,
Caio a seguir e só provoco é dano... *
Só a palavra voa quando a solto
E fica a orbitar o chão revolto
Da minha linda terra-quase-mar *
É a palavra a minha ferramenta;
Nasce ainda que eu esteja sonolenta
E há-de sobreviver ao que eu calar... *
Mª João Brito de Sousa
15.03.2022 - 18.00h *** 3. *
“E há-de sobreviver ao que eu calar…”
Porque fica a palavra como um hino
Ou como numa torre ao longe um sino
Que se ouve a cada hora badalar *
O escrito por cá fica a perdurar
Com brilho intenso, brilho cristalino
Com graça, sempre novo, tal menino
Alegre que não deixa de brincar *
E quem o escrito lê, seja onde for,
Logo se vai lembrar do seu autor
Ao qual dará as loas que merece *
Se morre ele ou o anjo, o escrito não
Que traz a luz e apaga a escuridão
Ao ir-se o autor, no verso permanece *
Custodio Montes
16.3.2022 ***
4. *
"Ao ir-se o autor, no verso permanece"
E assim se vai mudando a morte em vida,
Porque muito depois da despedida
Se ouve o seu canto como se vivesse *
Quem já partiu... E sem que ele o soubesse
Enquanto a mão escrevia decidida
A deixar uma estrofe bem tecida,
Já o olhar de alguém de novo a tece *
E se o que leu acaso o cativou,
Se algum encanto aquele olhar lhe achou,
Passa o poema a ser de mais alguém *
Talvez um outro olhar venha depois
E esses encantados já são dois,
Ainda que o não leia mais ninguém... *
Mª João Brito de Sousa
16.03.2022 - 11.10h ***
5. *
“Ainda que o não leia mais ninguém”
E se alguém ler o verso é o bastante
Para quem o escreveu ir por diante
Que fica da leitura o que contém *
Não morre e permanência ele tem
Mesmo que a pena esteja já distante
A memória deixada vai avante
Ainda que o autor vai para o além *
A vida continua no universo
Da mente que o criou e no seu verso
Em marco que lhe traz memória plena *
Estando ele escrito, o verso fica
E mantém o autor que deifica
No verso que escreveu e no poema *
Custodio Montes
16.3.2022 *** 6. *
"No verso que escreveu e no poema"
Talvez habite um anjo, um anjo alado
Que ao voar vá espalhando o seu recado
E o faça dia a dia, por sistema... *
Talvez esse anjo enfrente algum dilema,
Talvez um dia hesite e com cuidado
Mantenha um verso ou outro bem guardado,
Não venha ele causar algum problema *
Mas muito raramente isso acontece
Porque um verso respeito lhe merece
E o seu destino nem um anjo o sabe *
Ainda que lhe tema pela sorte,
Nenhum anjo duvida de que a morte
Não cabe nunca onde um poema cabe... *
Mª João Brito de Sousa
16.03.2022 - 12.40 h
*** 7. *
“Não cabe nunca onde um poema cabe”
Por isso, a vida angélica não quero
Digo-o frontalmente, sou sincero
Só a vida terrena é que me sabe *
Pensarmos no além é um entrave
É ter junto de nós animal fero
Que amedronta e nos leva ao desespero
Por isso, o rejeito e em mim não cabe *
Mesmo tendo um só dedo a escrever
Prefiro apenas tê-lo e ao meu ser
Que ficar no poema após a morte *
Enquanto por aqui a gente andar
Podem fazer-se versos de encantar
Porque enquanto por cá se almeja um norte *
Custodio Montes
16.3.2022 ***
8. *
"Porque enquanto por cá se almeja um norte",
Por lá, um anjo alado e incorpóreo
Terá o peso do corpo marmóreo
Que em tempos lhe tiver cabido em sorte *
E ainda que belo em seu recorte,
Terá a dimensão de um acessório,
Nada fará de bom, de meritório,
Para além de exibir seu nobre porte *
Enquanto os outros, os que ao nosso lado
Enfrentam este mundo atormentado,
Com a coragem própria dos humanos *
Que mais ou menos belos - pouco importa! -,
Trazem sempre a palavra que conforta
Um irmão que sucumbe aos desenganos. *
Mª João Brito de Sousa
16.03.2022 - 14.30h *** 9. *
“Um irmão que sucumbe aos desenganos”
Cheio de sofrimento e de tristeza
Ao ver ao seu redor tanta vileza
E actos asquerosos e insanos *
Em cada hora e dia, pelos anos
Desviando fortunas à pobreza
E exibindo gestos de grandeza
Com cheiros bafientos pelos canos *
O anjo bem os vê mas não faz nada
Deixando andar no mundo a canalhada
Que é muito pior que um animal *
Há guerras destrutivas sem quartel
Em confusão de torre de Babel
De anjos não dos nossos mas do mal *
Custodio Montes
16.3.2022 *** 10. *
"De anjos não dos nossos mas do mal",
Humanos todos, que noutros não creio,
Esteve este nosso mundo sempre cheio
E para muitos é coisa banal *
Uma guerra sangrenta e tão brutal
Que avança, que parece não ter freio
Porquanto tudo leva de escanteio
Pra descambar num ódio irracional... *
Anjos do mal ou peões dos int`resses
Da indústria da guerra e das benesses
De que muitos irão tirar proveito? *
Sou contra as guerras! Frias, mornas, quentes
Ou mesmo as que, subtis, dominam mentes...
Às guerras entre povos, nunca aceito! *
Mª João Brito de Sousa
16.03.2022 - 16.30h ***
11. *
“Às guerras entre povos, nunca aceito”
Nem eu as quero ver à minha porta
Nem na terra de quem as não exorta
Nem mesmo nas de quem as usa a eito *
Ao escolher o povo o seu eleito
Pensa que ele ao mandar bem se comporta
Mas depois de o escolher Inês é morta
E só então lhe vê esse defeito *
Destrói povos irmãos mesmo ao lado
Por títeres o exército mandado
Causam destruição, barbaridade *
E quem os elegeu se está repeso
Não pode abrir a boca que vai preso
E manda o ditador sem piedade *
Custodio Montes
16.3.2022 *** 12. *
"E manda o ditador sem piedade",
Como é comum a todo o ditador,
Que a guerra se erga em todo o seu "esplendor"
Em cada rua ou praça da cidade *
Não de é anjo, decerto, essa vontade
De ser o poderoso vingador
Dos mártires do Donbass na sua dor;
É de quem julga ter impunidade *
Mas se de anjos falamos - não de demos -
Melhor será que assim continuemos,
Que embora o Sahara voe sobre nós *
E esteja o céu repleto de poeira,
É preferível não cair na asneira
De dissertar sobre esta guerra atroz *
Mª João Brito de Sousa
16.03.2022 - 18.00h
*** 13. *
“De dissertar sobre esta guerra atroz”
Eu só a referir mas de passagem
Para aludir àquela vilanagem
Que quer passar por anjo e é feroz *
Mas nos versos trocados entre nós
Eu só falo dum anjo de coragem
Que me traz harmonia e vantagem
Bem junto ao rio Tejo e à sua foz *
A esse gosto bem de o ver voar
A dar a dar às asas junto ao mar
E com poemas lindos que eu almejo *
Queria que a saúde lhe voltasse
E que o seu lindo estro não parasse
Seria esse o meu maior desejo *
Custodio Montes
17.3.2022 ***
14. *
"Seria esse o meu maior desejo"
E eu tanto assim sei bem não merecer,
Não sei sequer como hei-de agradecer,
Se de lhe agradecer tiver ensejo... *
Anjo não sou, que a tanto não almejo,
Apenas sou poeta e sou mulher
Velha demais pra pensar em crescer
Ou pra esquecer os versos que cortejo *
Por isso escrevo tanto e tão depressa:
Um verso acabo e um outro já começa
A bailar-me na mente, a qu`rer nascer *
E por isso, também, logo entendi
O que, no que transcrevo, acima li:
"Um anjo bem gostava eu de ser"! *
Mª João Brito de Sousa
16.03.2022 - 19.10h
***
publicado às 08:31
Maria João Brito de Sousa
Tela de minha autoria
A VISTA - Coroa de Sonetos * Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa
1. *
A vista contempla de olhos abertos
Prossegue o caminho sem se deslocar
Ao ver bem ao longe e tudo divisar
Até adivinha amores encobertos *
Os voos das aves pelo céu libertos
A vista os alcança e ao vê-las voar
Sente a liberdade e passeia no ar
E fica contente com sonhos despertos *
Mas não vê o cego, adivinha o caminho
Sem vista indaga, sente-se sozinho
Não se vê sem ela, sem vista há cegueira *
Olhando em frente vê-se a paisagem
O amor, a beleza e tanta imagem…
Que bom ter-se vista, tê-la a vida inteira *
Custódio Montes
31.10.2021
***
2 *
"Que bom ter-se vista, tê-la a vida inteira"
Pois nem a canseira que surja ou que exista
Lhe dirá, - Desista destoutra carreira!
Já não há maneira de o parar. Se a vista *
Permite que invista, siga à dianteira,
Vá de feira em feira, resista, resista,
Que eu sigo-lhe a pista, fico à sua beira,
Não passo rasteira, só peço que assista, *
Sou quase uma artista do tempo que avança
E alcança, se alcança, uma meta qualquer
Nas coisas do ser e nas voltas da dança *
Veja à confiança pois, haja o que houver,
Filho de mulher nunca nega uma esp`rança
E eu pago-lhe a fiança se a esp`rança perder! *
Maria João Brito de Sousa
31.10.2021 - 12.00h *** 3. *
“E eu pago-lhe a fiança se a esp`rança perder!”
Eu vejo aqui poema encadeado
Mas nisso lhe digo não sou afamado
Tal como o primeiro lhe vou responder *
Tenho a esperança de a não ofender
Não pague fiança que estou descansado
Não me deve nada meu muito obrigado
E dê a resposta como lhe aprouver *
No soneto é livre, a João é que sabe
Eu mantenho a forma que a mim não me cabe
Mandar-lhe palpites como o moldar *
Também desse modo se vê a grandeza
A forma e a graça e à volta a beleza
Ficando a coroa com outro brilhar *
Custódio Montes *
31.10.2021 ***
4. *
"Ficando a coroa com outro brilhar"
Capaz de encantar e ficando tão boa
Que quase atordoa quem venha a passar
Se acaso a olhar e ouvir como soa *
E ao vê-la a pessoa terá de parar
Pois é singular e nada em si destoa;
Do Minho a Lisboa, num vaivém sem par,
Vamos conversar até que a voz nos doa! *
Se o verso ressoa e nos corre nas veias
Em suaves colcheias mas sempre a correr,
Quem o vai deter? Estas vagas vão cheias, *
Moldem-se as areias como se entender!
Já consegui VER as antigas sereias
E então convoquei-as pra virem cá ter *
Mª João Brito de Sousa
31.10.2021 - 14.00h *** 5. *
“E então convoquei-as pra virem cá ter”
Sereias poetas? Nunca tinha visto
Mas vejo agora e então não resisto
De vir ao poema para as poder ver *
A vista de facto está a prometer
Ter esta visão é bonito, insisto
Outro patamar a olhar eu conquisto
Que ao redor a vista já dança a correr *
Somos dançarinos num belo salão
Menina uma dança ? Vai ver que verão
Um par campeão com todos a olhar *
A prega da saia e os cabelos ao vento
E nós dançarinos com todo o alento
Todos com inveja deste lindo par *
Custódio Montes
31.10.2021 ***
6. *
"Todos com inveja deste lindo par"
Tentam melhorar um nadinha que seja
Que se assim se almeja, tudo irá mudar;
Dança-se a voar no canto que nos reja! *
Roda e rumoreja quem queria dançar
E fica a olhar aquele que se proteja
Da dança vareja que zumbe no ar...
Depois de acabar, chega o que a corteja; *
Chegou tarde, veja, mas não chore, não,
Que outras mais virão e, se não for embora,
Pode entrar agora que não entra em vão! *
Não tem dimensão e nasce a qualquer hora
A dança/cantora. Eis a sedução
Que desta canção se fez compositora... *
Mª João Brito de Sousa -
31.10.2021 - 16.00h ***
7. *
“Que desta canção se fez compositora…”
Compôs muito bem cada vez com mais brilho
Mas eu não componho que arranjo sarilho
Mas vou aprumar a minha voz cantora *
Treino um minuto depois meia hora
E volto à mesma sigo o mesmo trilho
Eu cantar adoro cantar é rastilho
Engrandece a alma fá-la sedutora *
Formamos um grupo, grupo de primeira
Compõe a João e eu à sua beira
Afino a voz e dou tom à canção *
Corremos as feiras e os campos em flor
Com muita alegria e cheios de amor
Que faz bem à alma e gosta o coração *
Custódio Montes
31.10.2021 *
8. *
"Que faz bem à alma e gosta o coração"
De quanta paixão possa levar-lhe a palma
Enquanto o acalma e equilibra a tensão,
Como a actuação sobre um palco de Talma *
Não me falta a alma, mas tenho a impressão
De faltar-me o chão se não rimo com calma
E aqui se me espalma o talento. A razão
É a reacção à palavra que acalma, *
E volta-se à alma que já desgatada
Pouco dança ou nada pois não se conforma
Com a fuga à norma. Retoma agastada *
A roda e... coitada, pensa na reforma...
Mas a dança amorna e já mais consolada
Esquece a falta dada, não mais se transtorna. *
Mª João Brito de Sousa
31.10.2021 - 17.15h ***
9. *
“Esquece a falta dada, não mais se transtorna”
Corre sempre em frente, corre rodopia
A dançar esbelta com muita alegria
Quer no passo dado quer como se adorna *
Anda pela pista de volta a contorna
E cresce em grandeza, cresce em fantasia
O povo a olhar toda aquela magia
Num passo de dança com que ela retorna *
Se a vista parasse não podia olhar
Este rodopio dum doce bailar
Quem vê não é cego vê bem e não mal *
Vê as maravilhas duma bela dança
Olha sempre em frente, olha e não se cansa
Vê a dançarina vai ao arraial *
Custódio Montes
31.10.2021 ***
10. *
"Vê a dançarina vai ao arraial"
E nem leva a mal quando ela desafina;
Se ela desatina, porém, é normal
Tornar-se formal e esquivar-se à ladina. *
Dança ou não, menina? Quem dança afinal,
Neste virtual? A sentir não se ensina,
Mas a bailarina surge tão real
No palco ideal que esta dança domina... *
Já desce a cortina mas é cedo ainda
E a dança não finda enquanto um de nós
Tiver garra ou voz e se a voz for bem vinda *
Estamos na berlinda mas não estamos sós;
Seremos avós da canção que se alinda
Ao tornar-se infinda, suave e tão veloz? *
Mª João Brito de Sousa
31.10.2021 - 19.20h ***
11. *
“Ao tornar-se infinda e suave e tão veloz?”
E a fugir tanto parece uma ave
A voar os céus ao longe sem entrave
Os sons se ouvindo em canto de alta voz *
E nessa orquestra cantando só nós
Destoando o canto como é suave
Baixamos o tom e mudamos a clave
E ninguém nos ouve cantamos a sós *
Estamos malucos com esta vaidade
Mas o sonho avança por qualquer idade
Que poeta e louco qualquer pode ser *
Tendo disso um pouco vamos avançar
Cada dança nova deve-se dançar
Andemos na roda sem nos esconder *
Custódio Montes
31.10.2921 ***
12. *
"Andemos na roda sem nos esconder"
Da chuva a bater e do vento e da poda
Que é cáustica soda que nos faz arder...
Andemos a ver, pois, se esta festa toda *
Deixa de ser moda pra quem entender
Que um` outra qualquer bem melhor se acomoda
Pra dar azo à boda sem surpreender
Quem nela estiver e quem ainda a açoda. *
Se alguém se incomoda porque as notas soam
Altas que atordoam, paciência! Amanhã
Volta o nosso afã das canções que atroam *
E estas notas voam numa dança sã
Como uma romã. E se hoje se me escoam,
Sei que me perdoam; não sou um titã... *
Mª João Brito de Sousa
31.10.2021 - 21.00h ***
13. *
“Sei que me perdoam; não sou um titã...”
Nem tenho que o ser, dançarei ao meu jeito
Na rua em casa ou quando me deito
Vou dormir agora mas volta amanhã *
Vejo a dançarina como uma irmã
Discuto com ela muito me deleito
Porque é minha amiga, amiga do peito
E dança comigo com todo o afã *
Com olhos a vejo e assim me regalo
Vou calar me agora e amanhã lhe falo
Também fecho os olhos mas quero-a ver *
A dançar no baile toda enfeitada
É bom que a veja que é engraçada
Melhor tê-la à vista que ela se esconder
*
Custódio Montes
31.10.2921
***
14. *
"Melhor tê-la à vista que ela se esconder"
Sem deixar-se ver e por muito que insista,
Perdê-la na pista pra me não perder...
- Eu pude escolher. Que uma Musa me assista *
Na rota imprevista em que lanço o meu ser
De olhos inda a arder. Sendo a protagonista,
Sinto-me optimista, não me vou render;
Se Morfeu me quer, que espere ou que desista! *
Cantemos a vista qu`inda bem despertos
Estão meus olhos certos de irem num repente
Até mais à frente fazer uns acertos *
E vão, entre apertos, até onde a mente
Concede ou consente; bosques ou desertos
"A vista contempla de olhos abertos". *
Mª João Brito de Sousa
31.10.2021 -23.00h ***
publicado às 09:07