Da autoria de Maria João Brito de Sousa, sócia nº 88 da Associação Portuguesa de Poetas, Membro Efectivo da Academia Virtual Sala dos Poetas e Escritores - AVSPE -, Membro da Academia Virtual de Letras (AVL) , autora no Portal CEN, e membro da Associação Desenhando Sonhos, escrito num portátil gentilmente oferecido pelos seus leitores.
...porque os poemas nascem, alimentam-se, crescem, reproduzem-se e (por vezes...) não morrem.
NUNCA (DES)ENCANTES UM SAPO! * Coroa de Sonetos * Mª João Brito de Sousa e Custódio Montes * 1. * Quebra-se a magia do beijo assombrado Que magicamente fez, do sapo, humano... Quanta angústia emerge, quanto desengano Pra quem fora um simples sapo descuidado! * Vá lá! Nunca beijes um sapo encantado! Lembra-te que podes causar-lhe tal dano Que o pobre batráquio, de bichito ufano, Passe a ser humano. Coitado, coitado! * Pobre desse sapo que estando inocente De culpa, de intriga, de ódio e de traição, Se torna consciente das falhas que tem * Quando, por um beijo, se transforma em gente E perde inocência. Que desilusão... Tu, quando o beijaste, sabia-lo bem! * Maria João Brito de Sousa 19.06.2008 - 08.53h *** 2. * “Tu, quando o beijaste, sabia-lo bem” Enganaste o sapo, fizeste-lo gente Perdeu a candura, não é inocente Maldizem o beijo que ao sapo convém * O encanto quebrou-se e agora ninguém O olha assapado na água envolvente O beijo espalhado na coxa carente Passa por humano e o sapo também * Que se vá o encanto que fique a pureza Do coaxar belo no meio do lago Que mesmo sem beijo a gente agradece * No meio do campo vendo a natureza Sente-se alegria, alegria e afago E o coaxar do sapo entoa em prece * Custodio Montes 23.5.2022 * 3. * "E o coaxar do sapo entoa em prece" Na toada exacta que à espécie convém E em versos que um sapo conhece tão bem, Quanto aos nossos versos sequer reconhece... * Batráquio que o seja, não fia, não tece, Nem sabe de beijos que lhe of`reça alguém E encontra fartura no pouco que tem, Porque de mais nada precisa ou carece... * No seu charcozinho ou na sua lagoa, Há sempre um coaxo que vibra e ressoa: O seu hino à Vida é mais belo que o nosso * E mais espontâneo e mais verdadeiro... É mestre, o batráquio, no canto certeiro E eu falho, por vezes. Só canto o que posso... * Mª João Brito de Sousa 23.05.2022 - 14.10h *** 4. * “E eu falho, por vezes. Só canto o que posso…” Mas canto que cante é sempre engraçado O sapo não canta tão emalhetado Embora o que cante seja sem esforço * O sapo no canto canta fino e grosso E é um encanto ouvi-lo espaçado À beira do charco quieto sentado Com as mãos no queixo sem grande alvoroço * Também no poema se ouve a canção Que nos prende a alma e o coração Descrevendo o lago e o sapo a cantar * E por essa forma o coaxar e o canto Só dão alegria nunca desencanto Não beijo assombrado se o quiser beijar * Custódio Montes 23.5.2022 *** 5. * "Não beijo assombrado se o quiser beijar"... Beijá-lo não quero que o assustaria E o seu belo canto não mais se ouviria Nem nesse seu lago, nem noutro lugar * Que sapo assustado deixa de cantar, Quase não respira, cala a melodia E por predadora logo tomaria Qualquer princesinha que o fosse agarrar... * Canta, sapo, canta! Fica descansado, Quero-te batráquio não (des)encantado, Que de realezas estou há muito farta * E se teço c`roas, são de outro jaez, Nunca as teceria pra nenhum "princês" E esta minha Musa também mo descarta. * Mª João Brito de Sousa 23.05.2022 - 16.25h *** 6. * “E esta minha musa também mo descarta” Que a musa é fina não é nenhum sapo Disso ela foge e também eu me escapo Que de aventuras a musa está farta * O sapo medonho que raios o parta A não ser que cante com graça e guapo E não todo imundo sujo como um trapo Com voz de primeira e não voz de quarta * Mas vamos por partes e sem ofender Não beijar o sapo fui eu a dizer? A coroa o disse e sem desengano * Logo à primeira, mesmo a começar Prosseguiu a musa e a deambular Disse: não se faça do sapo um humano * Custódio Montes 23.5.2022 *** 7. * "Disse: não se faça do sapo um humano" Que são, os humanos, muito complicados Enquanto os sapinhos vivem sem cuidados E cuidam das hortas sem causar-nos dano... * Um seu conterrâneo foi um soberano A falar de sapos, esses mal amados, Por quem desconhece que os pobres coitados Nos são muito úteis quando, ano após ano, * Nos livram de insectos e salvam das pragas Que assolam as folhas e destroem bagas... Bambo*, o sapo velho, quem pode esquecê-lo * Se morto em serviço, firme no seu posto, Só porque não tinha beleza no rosto, Só porque não era cativante e belo? * Mª João Brito de Sousa 23.05.2022 - 20.15h *** Vide "Bambo" in "Bichos", Miguel Torga *** 8. * “Só porque não era cativante e belo” Mas sempre a saltar na horta e no canteiro A comer as larvas limpar o terreiro Por isso, agrada e é muito bom tê-lo * O sapo é útil não é um flagelo Se feio parece ele é um bom parceiro Comendo os insectos, limpando o lameiro Ajuda no campo, dos braços é elo * Um “bambo” é verdade mas não é de borga Descrito em Bichos pelo Miguel Torga Como nos informa com sua mestria * Louvemos o sapo, não lhe quero mal Sem lhe darmos beijos a esse animal Nem o endeusarmos com a poesia * Custódio Montes 23.5.2022 *** 9. * "Nem o endeusarmos com a poesia"... Torga humanizou-o na prosa, contudo, E fez dele um mestre que, apesar de mudo, Falava de amor e de Filosofia * Como quem faz jus à tal sabedoria Que da Vida entende um pouquinho de tudo... Ah, se ao velho Bambo nesta estrofe aludo, Aludo à amizade e, quem sabe?, à magia * Mais bela, decerto, do que a do tal beijo Que deu a princesa ao sapito do brejo Julgando que o dito era um rei, nunca um sapo... * Tem tino, princesa! Não vês que o encanto Do nobre batráquio dispensa o teu manto Que é, pra ele, um pobre e cerzido farrapo? * Mª João Brito de Sousa 23.05.2022 - 23.00h *** 10 * “Que é, pra ele, um pobre e cerzido farrapo?” Isso porque o Bambo é inteligente Mas mais nenhum sapo é assim cojente Para distinguir a tal manta de trapo * Queria a princesa pensar que o sapo Era antes Bambo tão nobre e valente Que, na realeza, parecesse gente Errou, enganou-se, tirou-lhe um fiapo * Nem nós no poema temos gosto insano De fazer do sapo um príncipe humano Para a tal princesa o poder beijar * Confundiu decerto e ficou em apuro Por ter confundido o sapo anuro Com príncipe amado para namorar * Custódio Montes 24.5.2022 *** 11. * "Com príncipe amado para namorar" Confunde a princesa o tal sapo anuro... Posso ser insana, mas aqui lhe juro Que ao sapo prefiro de longe admirar * A pensar num homem para me casar: A um, sim, amei-o, mas mais não aturo, E se, no passado, previsse o futuro, Talvez preferisse nem me apaixonar... * Bem sei que, consigo, tudo foi dif`rente, Que esse amor perdura e que vive contente Com sua princesa num reino encantado, * Enquanto eu afirmo que amo a solidão, Que escrevo o que escrevo nessa condição E não troco um brejo por trono ou condado! * Mª João Brito de Sousa 24.05.2022 - 10.15h *** 12. * “E não troco um brejo por trono ou condado” Nem quero princesas tão namoradeiras Que gozem o sapo só com brincadeiras Mesmo que o beijem como encantado * Mas falar de amor agora é escusado Para mais falarmos de tantas asneiras Que a nossa princesa de várias maneiras Fez passar ao sapo como namorado * Se andasse ocupada não tinha desejo De ao sapo encantado querer dar um beijo E não nos daria tanta ocupação * Mas sem ter trabalho, farta, à boa vida Quis-se imaginar como sendo a querida Dum sapo encantado e do seu coração * Custódio Montes 24.5.2022 *** 13. * "Dum sapo encantado e do seu coração" Tenta uma princesa ser dona e senhora... Não sabe, a tontinha, que os sapos de agora São poucos, passaram a espécie em extinção * E exigem, portanto, maior protecção... Cuidado, princesa, que a fauna e a flora Devem preservar-se bem mais do que outrora Em nome de um mundo mais limpo e mais são! * Esses teus caprichos de dama mimada São sonhos traídos, não servem pra nada! (embora eu confesse que os utilizei * na C`roa de versos que aqui vou tecendo...) Princesa, princesa! Tu estás-te é esquecendo: Tão livre é o Sapo quão nu vai el Rei! * Mª João Brito de Sousa 24.05.2022 - 16.15h *** 14. * “Tão livre é o sapo quão nu vai el Rei!!” Por isso, Princesa, vê lá se te apoucas Nessas preferências, que queres tão loucas Deixa lá o sapo que eu investiguei * Que ter tais amores, isso também sei, Já não é namoro: princesas são poucas Vestem como as outras e não usam toucas Não andam em charcos tão fora de lei * E já nem o “Bambo” vai nessas cantigas Que tem bambo fêmea não quer raparigas Nem por elas fica tão apaixonado * Tece, pois, princesa um novo novelo Que o sapo rejeita, não quer teu anelo “Quebra-se a magia do beijo assombrado” * Custódio Montes 24.5.2022 ***
Adeus dizemos sempre ao ir embora Mas isso é quando estamos conscientes Quando se sofre ou quando já doentes Não damos conta, passa hora a hora *
Se um momento acordamos não se chora O sofrimento que houve entrementes Não nos deixa sequer mesmo entredentes Nem torna a nossa dor mais redutora *
Não ponha a nu nem tire a saia ao Tejo Que desce dessa forma a navegar A consola e aumenta o seu desejo *
De nos dar alegria ao versejar Como quem anda ao som dum realejo À saia diga adeus ….não ao cantar *
Custodio Montes 15.5.2023 ***
2. *
"À saia diga adeus... não ao cantar"
Que o canto nasce a bordo da canoa,
Filho do azul do Tejo e da Lisboa
Cuja saia se espraia até ser mar *
E se ao falar da Barra eu retratar
A saia que se estende à minha proa,
É este canto meu cantando à toa
Porquanto só assim sabe encantar... *
E se ao meu cais aporta este meu canto,
À saia aportará, que nela vive,
Bem junto à Barra e nunca no seu manto *
Que por mais que o fascine e que o cative
Das matas do Jamor até Monsanto,
Só junto à Barra o canto ecoa livre. *
Mª João Brito de Sousa
15.05.2023 - 13.50h ***
3. * “Só junto à barra o canto ecoa livre” Mas também livre ecoa aqui ao cimo Que em liberdade ao vento não me oprimo De erguer ao céu a voz que me cative *
A serra e a montanha em seu declive Refletem-se nas águas que eu estimo E as cores pintalgadas com que rimo Adubam-me o poema que cultive *
O mar é livre nele também navego E a saia que ele veste à escocesa Aos olhos encantados se me apega *
Mas o Gerês erguido em vela acesa Também como um condor ele navega E veste saia como uma princesa * Custódio Montes 15.5.2023 ***
4. *
"E veste saia como uma princesa"
A serra do Gerês, tal qual Oeiras
Que é ela própria a saia que as rendeiras
Bordaram sobre a terra ao mar bem presa *
E tão bonita é que vai à mesa
Do próprio rei Neptuno às terças feiras
Coberta de iguarias, verdadeiras
Maravilhas servidas de surpresa *
Convido Zeus, que no Gerês passeia,
Para a festa que invento entre rochedos
E que farei durar até à ceia *
Se a conseguir reter entre os meus dedos,
Que as iguarias são feitas de areia
E todos estes versos são brinquedos... *
Mª João Brito de Sousa
15.05.2023 - 17.10h ***
5. * “E todas estes versos são brinquedos” De Zeus mas também de homens à procura Do brilho a clarear e desta alvura Que como espelho mostra os seus lajedos *
Gerês o próprio Deus com os segredos Emersos e escondidos na lonjura Com garças a voar e água pura Que brota dos nascentes dos penedos *
No mar largo há vastos horizontes Mas o Gerês é alto e grandioso Tem rios caudalosos e com pontes *
E é porta de entrada de Barroso Tem belas paisagens, frescas fontes E como o mar é belo e venturoso *
Custódio Montes 15.5.2023 ***
6. * "E como o mar é belo e majestoso"
Que ombreiam, um e outro, em vastidão
E bem nos fazem ver quão belos vão
O mar de azul e de verde o Barroso... *
Que mais direi se um sono insidioso
Me fecha os olhos e me prende a mão?
Resisto ainda à doce tentação
De um sono algo precoce, mas gostoso... *
Mas não, não dormirei que o que é preciso
É ir saboreando o que dissermos
Sobre o que, para nós, for paraíso: *
Da serra ao mar! O amor que lhes tivermos
Há-de caber num verso de improviso
Que tem a dimensão que nós lhe dermos. *
Mª João Brito de Sousa
15.05.2023- 19.10h ***
7. * “Que tem a dimensão que nós lhe dermos” Com um tamanho enorme, imaginado Assim com o seu porte agigantado Mar e monte bem mais do que nós vemos *
Que a grandeza somos nós que a erguemos Ao alto, o coração apaixonado Pelas ondas e o monte matizado E os poemas que sobre eles tecemos *
Nossa imaginação tudo engrandece Presos à tez telúrica da terra Empolgamos a alma e assim se tece *
A grandeza do monte, o alvor da serra O mar, a barra, a onda que envaidece Tudo o que a natureza em si encerra *
Custódio Montes 16.5.2023 ***
8. * "Tudo o que natureza em si encerra"
E nós vamos tentando traduzir,
Existe, na verdade, e faz-se ouvir
Como um grito de júbilo da Terra *
E um muro de silêncio conta a guerra
Que nunca fará mais que destruir!
Mais do que atentos ao nosso porvir,
Vamos prevendo os golpes que desferra *
Nesta serenidade por que ansiamos
E nunca nos destroços que ela of`rece,
Que o confronto, afinal, é entre os amos *
Embora seja o povo quem perece...
Aqui, nos paraísos que engendramos,
Somos a Paz que a guerra nem conhece. *
Mª João Brito de Sousa
16.05.2023 - 13.00h ***
9. * “Somos a paz que a guerra nem conhece” Que guerra é malefício indescritível Com morte e destruição de forma horrível Um mal que a nossa terra não merece *
O monte com a guerra esmorece E tudo à volta fica desprezível Que em paz a cor da terra é aprazível E mesmo o mar revolto envaidece *
O Cávado e o Tejo espelham luz E o monte e a montanha dão beleza À alma que nos guia e conduz *
A paz que é o contrário da crueza Da guerra que aos facínoras seduz Vem dos montes, do mar, da natureza *
Custódio Montes 16.5.2023 ***
10. *
"Vem dos montes, do mar, da natureza"
A pauta em que compomos estes versos,
Como se hinos de amor aos nossos berços
Imbuídos de cor e de beleza *
Na guerra, o seu oposto, há só tristeza
Que nela os dias nascem sempre adversos
E há momentos até que de perversos
Não cabem numa escala de grandeza... *
Mas voltemos de novo à paz dos dias
Que em breve nos iremos despedir
Dos versos destas nossas melodias *
Que nos alegram e fazem sorrir...
Fica este adeus pra quando as penedias
E as praias se calarem pra dormir. *
Mª João Brito de Sousa
16.05.2023 - 17.00h
***
11. * “E as praias se calarem pra dormir” Que o seu sono é muito relaxante Ondeia, vai atrás, depois adiante Aconchegante o som sem se sentir *
Em Barroso, com luz, há o florir Dum lírio, duma rosa deslumbrante Um verde colorido apaixonante Água pura nos corgos a cair *
A natureza, um hino de harmonia Dá-nos paz, dá-nos força sem parar Contentamento, amor e alegria *
Sem ela vai-se o mundo degradar Cada ano, hora a hora, dia a dia Vai-se a vida e o nosso poetar *
Custódio Montes 16.5.2023 ***
12. *
"Vai-se a vida e o nosso poetar"
Vai-se tudo o que temos e o que somos,
Não sobrarão, do fruto, quaisquer gomos,
Não haverá nem sombra do pomar *
Será adeus pra nunca mais voltar,
Muito embora depois ressurjam pomos
Que não terão memória de que fomos
Responsáveis por tudo se acabar *
Mas antes desse adeus - quem sabe quando? -
Cantemos mais um pouco. Esta incerteza
Vai-nos fazendo mal, vai-nos matando *
A nós e à nossa humana natureza
Que nos vai, pouco a pouco, abandonando
Se não a segurarmos com firmeza... *
Mª João Brito de Sousa
16.05.2023 - 20.35h ***
13. *
“Se não a segurarmos com firmeza” Lutando sempre, sempre até ao fim Com tom celestial de Serafim Cantando a alegria e a beleza *
O mar azul com graça de princesa Voando como voa um querubim A voz bem alta em toque de clarim Brilhando como flor à nossa mesa *
Não digamos adeus à poesia Do meu monte mandarei o meu aceno Envolto na beleza e na alegria *
Escutando o cantar que tão sereno Vem do mar em suave melodia Cantado pelo vate em tom ameno! *
NA ONDA - Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa *
Coroa de Sonetos * 1. *
No alto da onda deu-se a explosão Do ventre saído, com luz, com amor Livre de pecado, criado sem dor Que do mar emana, mar da criação *
Ao mundo lançado à procura de pão E com alegria, garra e destemor Andei pelo campo, cidade e ao redor Em tempos passados, tempos que lá vão *
Agora na onda deste tempo aurido Procuro que o tempo me forneça tema Para que o meu tempo fique enriquecido *
Paro e olho em frente e então por sistema Vou à biblioteca e depois de ter lido Ocupo o meu tempo escrevendo um poema *
Custódio Montes 27.4.2023 *** 2. *
"Ocupo o meu tempo escrevendo um poema"
Que brota da rocha que sou quando em rocha
Transformo a papoila que em mim desabrocha
Que às vezes é louco e bem louco, este esquema *
No qual me aventuro sem leme e sem lema
De dia ou de noite e à luz de uma tocha,
Que acendo no escuro que de mim debocha
Tentando cegar-me, que o faz por sistema... *
Porém nos provectos setenta que ostento
Em cabelos brancos até à cintura,
Rio-me do escuro que me observa atento *
Tentando fazer-me fazer má figura
Crendo que me assusto ou até me atormento
Por ter de o pagar quando chega a... factura. *
Mª João Brito de Sousa
27.04.2023 - 16.15h *** 3. *
“Por ter de o pagar quando chega a factura” Mas lá vou andando percorrendo a estrada É demais o custo mas não deixo nada Levo tudo avante de forma segura *
Na crista da onda quando se procura Encontra-se forma, por mais complicada, De pagar a pronto conta debitada Mas não pago nada quando vejo usura *
Fui assim criado mas andei à rasca Na borga em Coimbra e por lá a cantar À noite passava as horas na tasca *
Pagava aos amigos e sempre a gastar Era inocente sem sair da casca Mas não vale a pena andar a lamentar *
Custódio Montes 27.4.2023 ***
4. *
"Mas não vale a pena andar a lamentar"
Pequeninos erros do nosso passado
Senão o presente passa-nos ao lado
E o futuro avança sem nos dar lugar... *
Antes memoremos, pra comemorar,
Desses belos tempos, cada beijo dado,
Furtivo que fosse, de acordo ou roubado
À semi recusa de ocasional par... *
Da borga não soube mais do que o que lia
E bem pouco ou nada gastava comigo
Que eu, por ser "menina", nem sequer saía *
E sair à noite era, então, um p`rigo,
Um tremendo risco que eu nunca corria
Pois ficava em casa... sem ser de castigo. *
Mª João Brito de Sousa
27.04.2023 - 21.10h ***
5. * “Pois ficava em casa…sem ser de castigo” Mas isso era apenas quando combinado Sem os pais saberem ficava fechado Para brincadeiras com algum amigo *
Porque normalmente seguia comigo A ladrar a fusca pelo povoado Ia para o monte de pastor do gado Nadava no rio sem qualquer perigo *
Que na minha terra quando era pequeno Só havia o campo e mais nada ao redor Os montes ao alto, o rio e tempo ameno *
Os lameiros verdes, espalhada a flor Um cheiro aprazível ondulante o feno Os nabais frondosos, recantos de amor *
Custódio Montes 27.4.2023 ***
6. *
"Os nabais frondosos, recantos de amor"
Compunham o grande temor dos meus pais:
- Se não sais comigo, de casa não sais,
Senão, minha filha, quando for`s maior! *
Se eu ia à piscina e nadava a primor,
Logo a minha mãe se sentava entre os mais
E ou me vigiava ou fazia sinais
Pra que me sentasse a seu lado. Um horror! *
Porém o destino pregou-lhe a partida
E foi na piscina que um dia encontrei
O amor que haveria de ser para a vida *
Ou, melhor dizendo, alguém que eu amei
Com quem me casei sem ter sido pedida
E ao fim de trinta anos, ou quase, deixei. *
Mª João Brito de Sousa
27.04.2023 - 22.35h ***
7. * “E ao fim de trinta anos, ou quase, deixei” Quando se abandona é porque não se quer Nosso companheiro - homem ou mulher- Fica-se sozinho como é de lei *
Vidas dessas nunca eu experimentei A minha família sabe-me acolher Vou andar com ela sempre que puder E abandonado nunca estarei *
Fui hoje a Amarante e a Sara de dois anos Virou-me os seus olhos e a brandir a mão Avô vais morrer. Eu fiquei sem enganos *
Nessa circunstância ficarei então Logo abandonado nos mundos insanos Fico só - adeus - e sem contemplação *
Custódio Montes 27.4.2023 ***
8. *
"Fico só - adeus - e sem contemplação"
Mas nas brincadeiras dos mais pequeninos,
Tudo tem a graça de angelicais hinos
Que da morte/morte nem têm noção *
E se nela falam por qualquer razão,
Da mesma maneira pulam, fazem pinos,
Se entregam, audazes, a tais desatinos
Que nos perguntamos como aguentarão... *
Quanto a nós, adultos no Outono da vida,
Bem sabendo quanto nada é linear
E que, a dor que mate, nem uma partida, *
Ainda que ajude, poderá salvar,
Não espanta uma vida que foi destruída
Por dor que, de horrenda, prefiro calar. *
Mª João Brito de Sousa
28.04.2023 - 01.05h ***
9. *
“Por dor que, de horrenda, prefiro calar” Calar, sim, calemos que é muito melhor Falemos do dia até o sol se pôr E da natureza, das ondas do mar *
Não sobre a tristeza, temos de a arredar E pô-la de lado. Falemos de amor E de coisas boas ao nosso dispor E já não da morte até ela chegar *
As flores do campo, ou o nascer da aurora Risos de alegria, sonhos de criança Há tanta beleza pelo mundo fora *
E até recordarmos - que boa a lembrança !!! Deixemos as mágoas… que se vão embora E que a vida traga ventos de mudança *
Custódio Montes 28.4.2023 ***
10. *
"E que a vida traga ventos de mudança"
Que soprem nas velas das barcas da Vida
Pra que a Paz sonhada seja conseguida
E que em nós ressurja, renovada, a esp`rança *
Sabemos que a barca desta Vida avança
Por entre borrascas qual guerreira f`rida
Que às vezes naufraga se for atingida
Por vaga que a exceda em vigor e pujança *
Façamos, portanto, tudo o que pudermos
Pra que as tempestades sejam passageiras
Ou só se enfureçam sobre espaços ermos *
Dos quais nossas barcas se afastem ligeiras
Se nós, marinheiros, amansar soubermos
Outras ameaças de ondas altaneiras. *
Mª João Brito de Sousa
28.04.2023 - 10.30h ***
11.
*
“Outras ameaças de ondas altaneiras” Como é o naufrágio que nos ameaça Fiquemos na margem enquanto ele passa E não arrisquemos a fazer asneiras
*
Na vida que corre há imensas maneiras De afastar perigo que ao vir nos enlaça Nos tira a saúde e nos deixa sem graça Perturbando o sonho, causando canseiras
*
Que a vida nos corra sem melancolia Porque ela é difícil e temos de ter A clarividência e também a mestria
*
De em cada momento sabermos viver Que os minutos passem com muita alegria Assim tem que ser e querer é poder
*
Custódio Montes 28.4.2023 *
12. *
"Assim tem que ser e querer é poder"
Embora nem sempre nos baste a vontade...
Mas acreditemos que é pura verdade
E algum benefício havemos de obter *
Mas se de algum erro inocente eu estiver
Basta-me esse trunfo pra que a tempestade
Recue vencida p`la temeridade
De cada verdade que eu possa dizer? *
Voltemos às ondas revoltas do mar,
Ao vento que sopra, ao trovão que reboa
E à mão sobre a roda do leme a teimar *
Em salvar a Barca e levá-la a Lisboa:
Já passou a Barra e está quase a chegar
Ao porto que abriga a canção que ela entoa! *
Mª João Brito de Sousa
28.04.2023 - 13.45h ***
13. *
“Ao porto que abriga a canção que ela entoa” Do alto da onda até praia segura A barca descansa depois da procura De posição firme à ré e à proa *
Se se vir ao largo pequena canoa A virar de lado como uma tontura Volta lá a barca, logo lhe assegura O seu salvamento, sem andar à toa *
Mas neste começo ao em onda falar Andou-me outro assunto no meu pensamento Descrevi o modo de eu germinar *
E de ter chegado sem padecimento Ao mundo dos vivos sem dor nem chorar Falei do início, do meu nascimento *
"Que encontro a força pra mover montanhas" E destrono a Musa feiticeira, Que de repente em manhas e artimanhas Dá volta ao miolo e traz canseira! *
Ah, como me apraz saber-me capaz De improvisar sem ter fada madrinha P'ra o toque final, tão bem que isso faz! Não sendo ingrata, também sou estrelinha! *
Venha o pôr do Sol, que eu desfilo ao lado! Haja mar altaneiro e mais natureza Para me consolar no poema amado! *
Se tiveres de novo a delicadeza De sobrevoar o meu céu estrelado Serás o luar dos meus dias de tristeza. *
IV * "Soube acender em mim tanta incerteza..." Por minha culpa, entreguei o coração Num dia núveo p'ra sentir firmeza Na minh' alma ao compor uma canção; *
Mas, dias não são dias, hoje sei bem O quanto tu me amaste na surdina; Se me foges é porque queres-me bem E eu sempre preciso da lamparina... *
Ah, quantas as noites o Morfeu não vem! E, o que me têm acesa noite adentro És mesmo tu: ó Musa de todos sem... *
Querubina da colina, epicentro Da retina, qual o horizonte advém Liberto, peculiar do circuncentro! *
X * "Nada do que foi escrito é escatológico" São meros laivos de raízes profundas Ao vocábulo impugnando o lógico Da maré, que se adivinha nas fundas! *
Assim, esvaziado o pote mágico Calcorreado vai o pensamento Ao leme dum desnorte nostálgico Implorando pelo sentimento. *
Desvanece o modo de frasear Porque escasseia a leda inspiração, Que só dotados sabem desenrolar. *
Cabe-me mover montanhas p'ra achar O dom que outrora abria o coração Num leque emotivo de fascinar! *
Ró Mar | 20/01/2022 ***
XI *
"Num leque emotivo de fascinar(!)"
Lançou ao vento um punho de sementes;
De pé ficou, cerrados os seus dentes
Que mais não tinham para mastigar *
Já que as sementes rodavam no ar
Todas seguindo rotas bem diferentes...
Que faria sem ter ingredientes
Pra pôr na mesa o pão do seu jantar? *
Por que razão tivera tais repentes
E perdera as sementes sem pensar?
O vento não devolve em pratos quentes *
Palavras acabadas de idear,
Mas pode um poema ser manjar de gentes,
Tentear-lhes a fome... e até sobrar? *
Mª João Brito de Sousa
20.01.2022 - 19.15h ***
XII * "Tentear-lhes a fome... e até sobrar" Para procriar fiapos noutra sequência Expetante que venha a melhorar O cardápio com dose de paciência. *
E, por este labirinto sequiosa Duma boa prosa escarafuncho Até aos confins, nada receosa, Embora se denote o caruncho. *
Tenha eu ainda alguns dentes molares Até ao dia de partir... hei-de sorrir, Dar dentadas nas côdeas e acenares *
Ao universo o uno verso de devir Num cear coerente de afagares Saciar famintos de estro... coexistir... *