Maria João Brito de Sousa
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*
CONVERSANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XX *
VÓS QUE, DE OLHOS SUAVES E SERENOS
*
Vós que, de olhos suaves e serenos,
com justa causa a vida cativais,
e que os outros cuidados condenais
por indevidos, baixos e pequenos; *
Se ainda do Amor domésticos venenos
nunca provastes, quero que saibais
que é tanto mais o amor despois que amais,
quanto são mais as causas de ser menos. *
E não cuide ninguém que algum defeito,
quando na cousa amada se apresenta,
possa deminuir o amor perfeito; *
Antes o dobra mais; e se atormenta,
pouco e pouco o desculpa o brando peito;
que Amor com seus contrairos se acrescenta. *
Luíz de Camões *
Se Amor com seus contrairos se acrescenta
A si mesmo contrairo Amor será:
Nunca em si mesmo Amor se encontrará
Se em buscar-se a mesmo se contenta *
Tão mais de si diverge quão mais tenta
Achar-se, por inteiro, onde não está:
Quão mais sincero, mais perjurará
Se assim, de seus contrairos, se sustenta... *
Ah, que não cuide Amor de ser Perfeito,
Pois se achará contrairo à perfeição
A que não teve nem terá direito: *
Que humana seja a sua condição,
Que a Amor que d`outrem venha renda preito
E não sucumba Amor, morta a Paixão! *
Mª João Brito de Sousa
07.03.2024 - 11.00h ***
O soneto de Camões foi transcrito do blog Sociedade Perfeita
publicado às 10:24
Maria João Brito de Sousa
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*
CONVERSANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XIX *
O CÉU, A TERRA, O VENTO SOSSEGADO
*
O céu, a terra, o vento sossegado…
As ondas, que se estendem pela areia…
Os peixes, que no mar o sono enfreia…
O nocturno silêncio repousado… *
O pescador Aónio, que, deitado
onde co vento a água se meneia,
chorando, o nome amado em vão nomeia,
que não pode ser mais que nomeado: *
Ondas (dezia), antes que Amor me mate,
torna-me a minha Ninfa, que tão cedo
me fizestes à morte estar sujeita. *
Ninguém lhe fala; o mar de longe bate;
move-se brandamente o arvoredo;
leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita. *
Luíz de Camões ***
Mas de repente o vento a voz devolve
Num tom que é o da voz da sua amada:
Ergue-se Aónio que não vendo nada
No mar chorado inteiro se dissolve *
De novo a voz... E no sal que o envolve
Julga rever a face delicada
Dessa que pelo mar fora tragada:
A culpa tanta, dor alguma a absolve! *
Quão mais o vento intenta consolá-lo,
Mais sofre Aónio, o pobre pescador
Que mais no mar perdeu do que ganhou *
Cala-te vento, estás a torturá-lo!
Não vês que o enlouquecem pranto e dor
Quando emulas a Ninfa que ele amou? *
Mª João Brito de Sousa
06.03.2024 - 15.50h ***
O soneto de Camões foi transcrito do blog Sociedade Perfeita
publicado às 09:51
Maria João Brito de Sousa
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*
CONVERSANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XVIII *
TODO ANIMAL DA CALMA REPOUSAVA
*
Todo animal da calma repousava,
Só Liso o ardor dela não sentia:
Que o repouso do fogo, em que ele ardia,
Consistia na Ninfa que buscava. *
Os montes parecia que abalava
O triste som das mágoas que dizia:
Mas nada o duro peito comovia,
Que na vontade de outro posto estava. *
Cansado já de andar pela espessura,
No tronco de uma faia, por lembrança
Escreve estas palavras de tristeza: *
Nunca ponha ninguém sua esperança
Em peito feminil, que de natura
Somente em ser mudável tem firmeza. *
Luíz de Camões ***
(Natércia, confrontando Liso) *
Se prometi mostrar-me, aqui me vedes
Que o que prometo cumpro. Não ouseis
Escrever sobre quem sou quanto escreveis
Que irada me vereis se em mim não credes! *
Em outro quis matar as minhas sedes
- bem mais as sedes podem do que as leis -
Não mas matou! Se vós mas matareis,
Nem vós sabeis... Talvez se mas beberdes... *
Vedes a rosa aberta em meu jardim?
Senti, tocai-lhe o róseo gineceu
E entrai, Liso, matai a sede em mim *
Que quão mais o tentais, mais gozo eu!
Ai, Liso, a minha sede não tem fim...
Parai, Liso, parai que já morreu! *
Mª João Brito de Sousa
05.03.2024 - 13.00h ***
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publicado às 10:13
Maria João Brito de Sousa
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*
CONVERSANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XVI *
QUE PODE JÁ FAZER MINHA VENTURA
*
Que pode já fazer minha ventura
que seja para meu contentamento,
Ou como fazer devo fundamento
de cousa que o não tem, nem é segura? *
Que pena pode ser tão certa e dura
que possa ser maior que meu tormento?
Ou como receará meu pensamento
os males, se com eles mais se apura? *
Como quem se costuma de pequeno
com peçonha criar por mão ciente,
da qual o uso já o tem seguro; *
Assi de acostumado co veneno,
o uso de sofrer meu mal presente
me faz não sentir já nada o futuro. *
Luíz de Camões ***
Deixai, Senhor, que sobre mim vos fale
De desventura tanta, tal veneno,
Que o vosso mal pareça ser pequeno
Face a tão dura pena e tanto mal. *
Não credes no que digo? Achais venal
Tal infortúnio? Credes que o enceno
Pra que pareça o vosso mais ameno,
Mais comum do que o meu, mais trivial? *
Não me tomeis, Senhor, por mentirosa,
Nem por santa, vos peço, me tomeis:
Se santa, as calaria suspirosa, *
Se falsa, as contaria a grandes reis...
Ouvi-me pois, Senhor, que aguardo ansiosa
Que, mais do que por vós, por mim peneis! *
Mª João Brito de Sousa
03.03.2024 - 10.50h ***
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publicado às 10:59
Maria João Brito de Sousa
CONVERSANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XV
*
AQUEIA FERA HUMANA QUE ENRIQUECE *
Aquela fera humana que enriquece
A sua presunçosa tirania
Destas minhas entranhas, onde cria
Amor um mal que falta quando cresce; *
Se nela o Céu mostrou (como parece)
Quanto mostrar ao mundo pretendia,
Porque de minha vida se injuria?
Porque de minha morte se enobrece? *
Ora, enfim, sublimai vossa vitória,
Senhora, com vencer-me e cativar-me;
Fazei dela no mundo larga história. *
Pois, por mais que vos veja atormentar-me,
Já me fico logrando desta glória
De ver que tendes tanta de matar-me. *
Luíz de Camões ***
Matar-vos, eu? Disso tirar prazer
Como se fôreis monstro e, abatido,
Orgulho e glória me houvesse trazido
Ver-vos no chão, sem vida, a apodrecer? *
Que loucuras dizeis, só por dizer?
Se amor houvesse em quanto haveis sentido,
A Amor abraçaríeis já rendido
Em vez de enfurecido o combater! *
Se cativo estivésseis de quem sou,
Dócil vos mostraríeis noite e dia,
Não mais me exigiríeis do que dou... *
Não, nunca o meu amor vos cativou!
Vociferai, então! O que vos guia
Se um dia abriu em flor, hoje murchou! *
Mª João Brito de Sousa
02.03.2024 - 10.45h ***
O soneto de Camões foi transcrito do blog Sociedade Perfeita
publicado às 10:54
Maria João Brito de Sousa
Eu, fotografada por Abel Simões
DOS ILUSTRES ANTIGOS QUE DEIXARAM
*
Dos ilustres antigos que deixaram
tal nome, que igualou fama à memória,
ficou por luz do tempo a larga história
dos feitos em que mais se assinalaram. *
Se se com cousas destes cotejaram
mil vossas, cada üa tão notória,
vencera a menor delas a mor glória
que eles em tantos anos alcançaram. *
A glória sua foi; ninguém lha tome.
Seguindo cada um vários caminhos,
estátuas levantando no seu Templo. *
Vós, honra portuguesa e dos Coutinhos
ilustre Dom João, com melhor nome
a vós encheis de glória e a nós de exemplo. *
Luíz de Camões
***
Joões conheço alguns, mas Dom não têm
Senão os dons que a todos nós, humanos,
Vão cabendo à nascença e esperam anos
Até que um dia em chamas se incendeiem... *
Coutinhos não conheço. Se provêm,
Ou não, dos mais ilustres dos decanos,
Não sei, Senhor... Ledos são meus enganos
E frágeis as memórias que os retêm. *
Nestas vénias da verve não sou forte:
Admiro os nobres de uma outra nobreza,
Uma em que eu creio , nunca esta do porte *
De quem tem servos pra servi-lo à mesa,
Corcéis de pura raça por transporte
E botins importados de Veneza. *
Mª João Brito de Sousa
01.03.2024 - 13.00h ***
O soneto de Camões foi transcrito do blog Sociedade Perfeita
publicado às 13:45
Maria João Brito de Sousa
Imagem fotografada de um velho calendário meu
*
CONVERSANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XII *
POIS MEUS OLHOS NÃO DEIXAM DE CHORAR
*
Pois meus olhos não cansam de chorar
Tristezas não cansadas de cansar-me;
Pois não se abranda o fogo em que abrasar-me
Pôde quem eu jamais pude abrandar; *
Não canse o cego Amor de me guiar
Donde nunca de lá possa tornar-me;
Nem deixe o mundo todo de escutar-me,
Enquanto a fraca voz me não deixar. *
E se em montes, em prados, e em vales
Piedade ainda mora e vive Amor
Em feras, plantas, aves, pedras, águas; *
Ouçam a longa história de meus males,
E curem sua dor com minha dor;
Que grandes mágoas podem curar mágoas. *
Luiz de Camões ***
E credes, meu Senhor, que a dor imensa
Curada possa ser por dor igual,
Ou que juntando um mal a outro mal
Possa sanar-se a dor? Que recompensa *
Poderá receber quem assim pensa?
Se sofre o sofredor, de que lhe vale
Multiplicar-lhe a dor juntando sal
A gangrena que a si lhe não pertença? *
Mas se, como dizeis, vos ouve o mundo,
Se há realmente amor em planta e besta
Ou nas águas do poço mais profundo *
Segui-me! Amordaçai a voz funesta
Que vos condena à dor cada segundo,
E vinde contemplar a vida em festa! *
Mª João Brito de Sousa
28.02.2024 - 11.15h ***
O soneto de Camões foi retirado do blog Sociedade Perfeita
publicado às 11:35
Maria João Brito de Sousa
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*
CONVERSANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XI *
QUANDO CUIDO NO TEMPO QUE, CONTENTE...
*
Quando cuido no tempo que, contente,
vi as pérolas, neve, rosa e ouro,
como quem vê por sonhos um tesouro,
parece tenho tudo aqui presente. *
Mas tanto que se passa este acidente,
e vejo o quão distante de vós mouro,
temo quanto imagino por agouro,
porque d’imaginar também me ausente. *
Já foram dias em que por ventura
vos vi, Senhora (se, assi dizendo, posso
co coração seguro estar sem medo); *
Agora, em tanto mal não mo assegura
a própria fantasia e nojo vosso:
eu não posso entender este segredo! *
Luíz de Camões ***
Não cuideis tanto de tudo entender
que, às vezes, pode mais quem não sabendo
intui apenas sem ficar sofrendo
aquilo que dizeis estar a sofrer... *
Porém... que digo eu, se sou mulher,
de nojo recoberta e, não vos vendo,
às lágrimas me entrego e só atendo
a quem, de vós, notícias me trouxer? *
Haveis podido agora perceber-me?
Isto que sofro nunca foi segredo
muito embora teimeis em desdizer-me *
E, sim, de vos perder me perde o medo:
Enquanto não voltardes, só render-me
me resta ao enfrentar um tal degredo. *
Mª João Brito de Sousa
25.02.2024 - 11.50h ***
O soneto de Camões foi transcrito do blog Sociedade Perfeita
publicado às 12:05
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*
CONVERSANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO X *
SE DE VOSSO FERMOSO E LINDO GESTO
*
Se de vosso fermoso e lindo gesto
nasceram lindas flores para os olhos,
que para o peito são duros abrolhos,
em mim se vê mui claro e manifesto: *
pois vossa fermosura e vulto honesto
em os ver, de boninas vi mil molhos;
mas se meu coração tivera antolhos,
não vira em vós seu dano o mal funesto. *
Um mal visto por bem, um bem tristonho,
que me traz elevado o pensamento
em mil, porém diversas, fantasias, *
nas quais eu sempre ando, e sempre sonho;
e vós não cuidais mais que em meu tormento,
em que fundais as vossas alegrias. *
Luíz de Camões ***
Cuidais que de tormentos cuido apenas?
Bem enganado estais! Cuidai então
De não voltar a dar-me um tal sermão
Ou muito aumentarão as vossas penas *
As que afirmais não serem tão pequenas
Que às fantasias não derrubem, não...
E chamais-me funesta? Maldição!
Mais mentiroso sois do que as hienas! *
Ide com vossas loucas fantasias
E vossos elevados pensamentos,
Mas deixai-me sozinha! Ide veloz *
Que não me cabe a mim achar as vias
Pr`ó mal de que sofreis: vossos tormentos
São tudo o que engendrais se estais a sós! *
Mª João Brito de Sousa
24.2.2024 - 15.00h ***
O Soneto de Camões foi transcrito do blog Sociedade Perfeita
publicado às 16:16
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*
CONVERSANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO IX *
NUNCA EM AMOR DANOU O ATREVIMENTO
*
Nunca em amor danou o atrevimento;
Favorece a Fortuna a ousadia;
Porque sempre a encolhida cobardia
De pedra serve ao livre pensamento. *
Quem se eleva ao sublime Firmamento,
A Estrela nele encontra que lhe é guia;
Que o bem que encerra em si a fantasia,
São umas ilusões que leva o vento. *
Abrir-se devem passos à ventura;
Sem si próprio ninguém será ditoso;
Os princípios somente a Sorte os move *.
Atrever-se é valor e não loucura;
Perderá por cobarde o venturoso
Que vos vê, se os temores não remove. *
Luiz de Camões
***
Removei, pois, Senhor, vosso temor:
Se me atrevo a convosco conversar
Não posso ao vosso tempo recuar
Mas sempre terei dado o meu melhor *
Atrevida serei, mas... por favor,
Vede bem que tentei não macular
O verso heroico puro e exemplar,
Em que vos expressais, Mestre e Senhor. *
Não sei se a vossa estrela alcançarei
Nem se ouvireis aquilo que vos digo,
Mas posso-vos jurar que o tentarei *
E ainda que tentá-lo seja um p`rigo,
A esse p`rigo nunca o temerei
Se em vós, Senhor, achar um bom amigo *
Mª João Brito de Sousa
23.02.2024 - 11.50h ***
O soneto de Camões foi transcrito do blog Sociedade Perfeita
publicado às 12:02
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*
CONVERSANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÀRIO VIII *
PENSAMENTOS, QUE AGORA NOVAMENTE
*
Pensamentos, que agora novamente
cuidados vãos em mim ressuscitais,
dizei me: ainda não vos contentais
de terdes, quem vos tem, tão descontente? *
Que fantasia é esta, que presente
cad’ hora ante meus olhos me mostrais?
Com sonhos e com sombras atentais
quem nem por sonhos pode ser contente? *
Vejo vos, pensamentos, alterados
e não quereis, d’esquivos, declarar me
que é isto que vos traz tão enleados? *
Não me negueis, se andais para negar me;
que, se contra mim estais alevantados,
eu vos ajudarei mesmo a matar me. *
Luíz de Camões ***
Pra preservar-vos, pensamentos meus
que sois dos meus sonetos a matriz,
far-me-ei mais liberta e mais feliz
do que as aves que cruzam estes céus *
Mas s`inda assim teimais em ser incréus,
moldar-vos-ei dos ramos à raiz
pois se bem o pensei, melhor o fiz:
Serei juiz e vós sereis os réus! *
Ah, não me negareis o que não nego
ao meu direito de permanecer
enquanto não for surdo e mudo e cego *
De vós farei aquilo que entender:
se vos não confiar talento e Ego
sei que serei eterna até morrer. *
Mª João Brito de Sousa
22.02.2024 - 13.00h ***
O soneto de Camões foi transcrito do blog Sociedade Perfeita
publicado às 15:25
Maria João Brito de Sousa
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*
CONVERSANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO - VI *
PORQUE QUEREIS,SENHORA, QUE OFEREÇA
*
Porque quereis, Senhora, que ofereça
A vida a tanto mal como padeço?
Se vos nasce do pouco que mereço,
Bem por nascer está quem vos mereça. *
Entendei que, enfim, por muito que vos peça,
Poderei merecer quanto vos peço;
Pois não consente Amor que em baixo preço
Tão alto pensamento se conheça. *
Assim que a paga igual de minhas dores,
Com nada se restaura, mas deveis ma,
Por ser capaz de tantos desfavores. *
E se o valor de vossos amadores
Houver de ser igual convosco mesma,
Vós só convosco mesma andais de amores.
*Luiz de Camões ***
I *
Que só comigo mesma ando de amores?
Haveis enlouquecido, Luiz Vaz?
Eu vos direi o quanto não me apraz
De vós ouvir pior do que aos piores *
Mas já que vos ouvi tais despudores,
Ouvi-me a mim que vos não fico atrás
E até ao despudor sou bem capaz
De desmontar sem honras nem louvores... *
A todas cortejais de igual maneira
E a todas mentis todos os dias
Porque a cada dizeis ser a primeira *
E a única também. Ah, felonias
Que a tantas ferem co`a lança certeira
Das vossas mentirosas cortesias! *
II *
E que compensação posso dever-vos
Se nunca seta alguma vos lancei
E, à vossa, bem depressa a rejeitei
Porquanto me fazia mal aos nervos? *
Vedes-me porventura entre mil servos
Gabando-me de quantos conquistei?
Ama não sou e serva não serei
Que antes corça seria entre os mais cervos! *
Ah, sim, amei em tempos, loucamente,
Que tudo tem seu tempo e a Primavera
Da vida que nos cabe e que se sente *
Terminou antes que eu me precavera
Mas deixou-me no peito uma semente
Que num dia abre em flor e noutro em fera. *
Mª João Brito de Sousa
No Décimo Nono Dia do Ano da Graça de MMXXIV ***
O soneto de Camões foi retirado daqui
publicado às 20:44