Maria João Brito de Sousa
(Soneto em decassílabo heróico)
No substracto inorgânico e espontâneo
Do voo das palavras que não escrevo,
Desvendo muito mais do que o que devo,
Discirno original de sucedâneo,
Pressinto a mutação, toco o genoma
Da vida que em mim pulsa ardentemente,
Deponho a frustração nas mãos da mente
E quase me separo do meu "soma"...
(...)
Não fora - enorme! - o fluxo migratório
A fazer-me lembrar o rumo inglório
Do povo castigado a que pertenço
Talvez eu acabasse acreditando
Que uns versos que não vejo, nem comando,
Fossem fruto daquilo em que nem penso.
Maria João Brito de Sousa - 08.03.2013 - 19.00h
IMAGEM - "Os Retirantes", Portinari
publicado às 14:09
Maria João Brito de Sousa
É tão crua esta oblíqua navalha
Que apunhala os sentidos da gente,
É tão suja, é tão vil que não falha;
Assassina e… disfarça, inocente!
Se debalde lhe foge a canalha
Que afinal lhe foi sempre indiferente,
Ela fixa, encurrala e estraçalha
Cada um dos que em fuga pressente.
Mas que importa a navalha cruenta
De um poder que nos quer degolar
Se outra força imperiosa argumenta
Numa voz que até mortos sustenta
Pr`a dizer que é morrer ou lutar
E, à navalha, nem sangue a contenta?
Maria João Brito de Sousa – 22.11.2012 – 01.48h
IMAGEM - The Charnel House - Pablo Picasso 1944/45
publicado às 11:15
Maria João Brito de Sousa
Mil protestos `spontâneos, mas sábios,
Vêm desde o mais fundo de mim
Sem que os vá “recortar” de alfarrábios,
Sem sonhar se os lerão mesmo assim…
Meus protestos são feridas gritadas
Sobre a crosta arrancada dos dias,
A correr, por aí, de mãos dadas
C`o prenúncio do fel de agonias!
Sabereis quanta gente aqui morre
Sem ter leito onde encoste a cabeça?
Cuidareis, todos vós, dos “sem nome”?
Qual de vós, “milionários”, discorre,
Sem que uma autocensura o impeça,
Sobre o mal desta impúdica fome?
Maria João Brito de Sousa – 21.11.2012 – 18.22h
Imagem retirada da net, via Google, sem registo de autor
publicado às 18:35