Maria João Brito de Sousa
FOLHAS OUTONAIS
Julguei pintar imagens outonais
De folhas moribundas pelo chão
Soando nos meus pés tão musicais
De acordes dados pela solidão
Sombrios rostos tornam-se banais
Passam por mim, tremenda confusão
Na falsa ilusão serem imortais
Esquecemos que há no corpo um coração
Caem folhas dos ramos do meu peito
As folhas outonais já ressequidas
De tanto sol que enfrentam diariamente
Conseguirei dobrar este conceito
Ser rei dum reino de árvores despidas
Ser cego e mesmo assim ver toda a gente?
António Codeço
AUTO-RETRATO
"Julguei pintar imagens outonais",
Mas foi o meu retrato que pintei
Em pinceladas quase acidentais
Sobre o branco da tela em que as lancei.
"Sombrios rostos tornam-se banais"
E na banalidade me espelhei,
Confundindo esses traços vegetais
Com este, muito humano, em que os pensei.
"Caem folhas dos ramos do meu peito"
Quando o vento outonal sopra a favor
Desta minha cegueira indesmentida...
"Conseguirei dobrar este conceito",
Dobrada em lucidez, saber-me expor
Nos traços, meus também, dessoutra vida?
Maria João Brito de Sousa - 30.01.2017 - 08.36h
publicado às 09:24
Maria João Brito de Sousa
FEL
Aceito haver o fraco, haver o forte,
A negra morte, o nada, a breve vida
O Sol a desaparecer na despedida
A Lua à noite viúva entregue à sorte.
Aceito aquele que anda já sem norte
O que não encontra a porta de saída
O que vive do vício da rapina
O que sucumbe sem ter passaporte.
Aceito o vento como obra do acaso
A cobra fria que usa letal veneno
Entrando num jardim que não é o seu
Aceito a flor que morre em seco vaso
A dor de ser mortal, de ser pequeno
Mas esse fel que provas não é meu
António Codeço, 2016
NEM TUDO FEL, NEM TUDO MEL...
"Aceito haver o fraco, haver o forte,"
Nascer, da sombra, a luz dum Sol intenso,
Queimar, até à cinza, um pau de incenso,
Ou quanto tempo reste, antes da morte...
"Aceito aquele que anda já sem norte",
E o outro, o que o descobre e torna imenso,
Mas mal me aceito a mim, se fico tenso
De tanto ir aceitando e, de tal sorte,
"Aceito o vento como obra do acaso",
Mas nunca meço o fluxo entre as pressões
Que, de alta para baixa, vão soprando,
"Aceito a flor que morre em seco vaso",
Mas duvido que aceite as distracções
Dos que a viram murchar, nunca a regando...
Maria João Brito de Sousa - 11.08.2016 -01.43h
publicado às 23:30