Maria João Brito de Sousa
AMOR E DOR NAS FALDAS DO ARARATE
Chegando ao Ararate, Amor e Dor,
Sentaram-se, cansados da jornada.
Olhando o Monte, a Dor ficou sarada
E, de contente, quis curar Amor;
Repara, Amor, que estava bem pior
Antes de iniciar a caminhada,
Que, olhando o Monte, foi-se-me a pontada,
Que sinto despontar força e vigor!
Vem ver, para que o mal nunca te chegue,
Para que a dor, ao ver-te, se te negue,
E não haja doença que te mate!
Ouviu-a, Amor. Olhou. Perdeu-se olhando.
Voltou sozinha a Dor, de dor chorando
Por perder-se de Amor nesse Ararate.
Maria João Brito de Sousa – 10.05.2018 – 18.46h
publicado às 19:57
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em decassílabo heróico)
I
Ai, se um qualquer Mostrengo abocanhasse
Meus frágeis ossos velhos, gastos, fracos,
E, toda inteira, me deixasse em cacos,
Sem que eu fugisse, ou mesmo ripostasse,
Ou - ainda pior! - se eu suportasse,
Uns dentes feros, grossos como tacos,
Que me arrancassem três ou quatro nacos
Da muita, ou pouca, carne que sobrasse...
II
Disseco Medos, para além de Amor
E, sem dar troco a seja lá quem for
Que venha, lesto, pr`a calar-me agora,
Descubro ainda, sem qualquer pudor,
Da(s) causa(s) "prima"(s), cada dissabor
E, nas mãos de Eva, gestos de Pandora...
Maria João Brito de Sousa- 11.06.2016 - 19.23h
publicado às 00:35
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em decassílabo heróico)
Se tanto teve e, por Amor, a privas
De dar-se um pouco, para além de amar,
Como pudeste, sem razão, privar
A quem te amou nas horas mais excessivas
De outras paixões, que teve de calar,
Concretas, muito embora criativas,
Mas fortes, persistentes, compulsivas...
E a todas ignorou, pr`a te agradar?
Eu, quando Amor disseco sem parar
E mais me encontro enquanto dissecar
Amor, nos corações das coisas vivas,
Recordo, Amor, que qu`rendo-te abarcar,
Não me encontrava, a mim, neste meu Mar
Que, hoje, de Amor, me ergueu vagas altivas...
Maria João Brito de Sousa - 10.06.2016, 19.30h
publicado às 14:46
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em verso hendecassilábico)
Meu celeiro farto, meu pinheiro manso
Que choras se parto, calo ou me desdigo,
Meu pinheiro amigo, meu seguro abrigo
Onde, havendo p`rigo, me escondo e descanso
De um bulício antigo que nem sempre alcanço;
Porta sem postigo, falta sem castigo,
Figueira onde o figo sabe que o bendigo
Por ser só comigo que dança, se eu danço
Doce figo lampo que uma mãe-figueira
Me of`receu trigueira, lesta, rotineira
E que ao dar-se inteira se me foi tornando
Materno alimento, carne, irmã ceifeira
De espiga engendrada nesta fértil leira
Tão mais derradeira quão mais vai faltando.
Maria João Brito de Sousa - 12.03.2015
(Soneto em reedição, ligeiramente modificado - À minha morada)
publicado às 11:34
Maria João Brito de Sousa
(Em decassílabo heróico)
Sussurra-me, esta voz que me acompanha
E aqui se assume inteira e colectiva,
Um gesto que em palavras se desenha
Pr`a cumprir-se em canção; sonora e viva!
Então, como se a voz me fora estranha,
Dona de autonomia e quase altiva,
Flui por mim toda até que em mim se entranha
Pr`a me deixar, depois, de si cativa…
Mil palavras me nascem no momento
Em que faço da voz discernimento
E amor à língua-mãe que me norteia
Porque ela me ultrapassa em “sentimento”
E consegue dar voz ao que nem tento
Se acato o que outra língua em mim cerceia.
Maria João Brito de Sousa -17.04.2013-18.32h
publicado às 14:17
Maria João Brito de Sousa
Que deste amor, de havê-lo amado “além”,
Me sobre, em estro, a voz para o cantar,
Pois sendo amor mais vasto e mais lunar,
Transcende o que me venha de outro alguém…
Se me não sei explicar, se mais ninguém
Humanamente o pode adivinhar,
Explicá-lo-ei à Terra, ao fundo mar,
Ao claro, imenso azul que nos contém
E, quando falte azul, sobrar-me-á
Desta imensa, insurrecta, convicção,
No arquivo de insondáveis da memória,
Isto que, para mim, perpetuará,
Em colorida-ambígua tradução,
A sintetização da nossa história…
Maria João Brito de Sousa – 09.02.2012 – 19.13h
NOTA - Soneto totalmente reformuladoa 15.06.2015
publicado às 19:46