SÁBADO, DOMINGO E SEGUNDA FEIRA II
O CONCEITO DO DIVINO
Se, em mim, és tão diferente do descrito,
Se assim te vejo, sinto e reconheço,
Se o meu amor por ti nunca tem preço
E se és, Tu mesmo, aquilo em que acredito,
Se nada nem ninguém mo tiver dito
- se, mesmo sendo imposto, o desconheço –
Por que razão fingir que aceito e peço
Um conceito geral do que é bendito?
Se me nasceste assim, naturalmente,
De forma tão completa, humana, urgente,
Como se eu fora em ti e tu em mim,
Então, p`ra sempre, assim te aceitarei
E, enquanto for assim, em ti estarei
Depois do que aqui escrevo, até ao fim!
A ESTRADA
Umas vezes corremos pela estrada,
Outras vezes suamos como velhos
Com correntes atadas aos artelhos
Numa exaustão total, antecipada…
Nada nos prende a ela. Mesmo nada!
E, no entanto, mesmo de joelhos,
Avançamos correndo e outros conselhos
Não nos podem travar a caminhada…
A estrada em toda a parte se descobre,
Se inventa, se recria ou acontece…
É uma condição de estarmos vivos.
É a vida que, em suma, se percorre,
Que aqui nos justifica e enaltece,
Mas que, afinal, por cá nos tem cativos.
AS CAUSAS PEQUENINAS
Sou guardiã das causas pequeninas…
Um ninho, uma erva-moira, um cão doente,
Tornam-se-me sagradas, de repente,
E passam, num instantinho, a ser divinas…
Um pássaro a voar, essas meninas
Que brincam na calçada, este inocente
Que me olha tão serena e docemente
Como se eu florescesse entre boninas,
O sol que vem espreitar estas palmeiras,
Um gato que miou, estas floreiras
Onde crescem as flores que daqui vejo,
O verde dos canteiros, pintalgado,
Pelo vermelho-inverno antecipado…
É esta a causa viva que eu protejo!