SER AS COISAS III, IV e V
Invento mil canções de encantos-de-alma
Ao marulhar do vento, à noite escura,
À água do ribeiro que murmura
Segredos-de-encantar à tarde calma.
Invento... ou são os olhos, os ouvidos,
Que se encantam de ver, de tanto ouvir?
Inventar, afinal, é só sentir,
É poder libertar esses sentidos.
Inventar é sentir, em cada coisa
O por-dentro e por-fora que ela tem,
É partilhar texturas, sensações,
É prestar atenção a quanto se oiça,
É sermos essa coisa, nós também
E dar-lhe voz em versos e canções...
IV
Eu não quero ter nada! Eu quero é SER
Como as coisas que sendo, tudo têm,
As coisas que si mesmas se sustêm
Alheias ao desejo de qu`rer ter
E SENDO são mais ricas, mais felizes
E têm o poder de tudo dar,
Connosco partilhando sol, luar,
A sua própria essência em mil matizes...
Eu sou irmã das coisas mais pequenas.
Partilho-me nas horas mais serenas,
Partilho-me, também, na tempestade...
Eu sou em cada coisa o que ela é.
Não sei se, sendo assim, serei até
A própria encarnação da liberdade...
V
Talvez por ser assim, tão de ninguém,
Eu sinta em mim as coisas, como sinto...
Talvez chame "sentir" a esse instinto
Que me faz "ser" as coisas, eu também...
Talvez pressinta a vida noutras vidas
Ou talvez seja apenas ilusão
Mas, na verdade, as coisas que aqui estão,
Só me parecem velhas conhecidas...
Eu cumprimento as pedras da calçada,
Falo às ervas que crescem no passeio,
Digo:- Bom dia! ao sol, -Adeus! à lua,
Sorrio quando vejo, ao longe, a estrada...
As coisas "são" em mim o meu recheio
Neste extravasamento de alma nua!
Imagem retirada da internet