SONETO/MISSIVA A ANTERO DE QUENTAL
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Eu, fotografada por Luísa Ribeiro
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NA MÃO DE DEUS
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Na mão de Deus, na sua mão direita,
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.
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Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depus do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.
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Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva no colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,
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Selvas, mares, areias do deserto…
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!
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Antero de Quental
In Sonetos Completos de Antero de Quental - Pensador
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SONETO/MISSIVA
A
ANTERO DE QUENTAL
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Lá nesse não sei onde onde repousas
Todo cinzas e pó mas livre enfim,
Não saberás quão vivas trago em mim
As palavras que, morto, já não ousas
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Passam-se os anos, surgem sobre lousas
Gravados novos nomes num jardim,
Inda que nem pra todos seja assim
E só alguns aspirem a tais cousas...
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Tu, é na mão de Deus que enfim descansas,
Eu, que te lia quando usava tranças,
Escrevo-te agora, neste fim de vida
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E em verdade te digo, companheiro:
Revirei, pedra a pedra, o mundo inteiro
E a nenhum deus achei de mão estendida.
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Mª João Brito de Sousa
10.10.2025
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