SÓ MAIS UM MOMENTO, QUE TUDO É TÃO BELO!

Fotografia de António Pedro Brito de Sousa, 1952
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SÓ MAIS UM MOMENTO, QUE TUDO É TÃO BELO!
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Coroa de Sonetos
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Custódio Montes e Maria João Brito de Sousa
1.
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Ó tempo amigo que vais a fugir
Não vás tão depressa que quero olhar
O sol cristalino que está a brilhar
Ali sobre o monte já todo a florir
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E aquela avezinha com asas a abrir
Que leva sustento para alimentar
O seu filho amado no ninho a piar
Pára um instante, deixa-me sorrir
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Fica aqui comigo que ao longe o poente
Vai iluminado a encantar a gente
Com o mar ao fundo, não estás a vê-lo?
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Apressado tempo, uns segundos mais
Que o que vejo agora não vejo jamais
Só mais um momento que é tudo tão belo!
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Custódio Montes
7.3..2022
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2.
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"Só mais um momento que tudo é tão belo"
Aos humanos olhos e aos da Poesia
Que tudo contempla, que tudo (re)cria,
Que tudo interpretra pra poder escrevê-lo...
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Dá-nos tempo, Tempo, pra melhor vivê-lo;
Cada tarde quente, cada noite fria,
Cada madrugada será fonte e guia
De grande alegria, de um cantar singelo
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Se o meu coração fraco e remendado
Sugerir que é tempo de parar... cuidado!,
Estando avariado, nem sabe o que diz,
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E eu inda que esteja fraca e consumida,
Tropeço mas peço um pouco mais de vida;
Por pouco que seja, far-me-ás feliz!
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Mª João Brito de Sousa
07.03.2022 - 12.45h
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3.
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“Por pouco que seja, far-me-á feliz”
Que o tempo alegra, prende o coração
A gente olha o tempo, presta-lhe atenção
Em toda a idade, já desde petiz
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Vem a tempestade, verga-se a cerviz
Recolhe-se a casa para protecção
Mas vai-se à janela e vê-se o trovão
O tempo ensina e é-se aprendiz
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Se chove por vezes, também nos agrada
Ao sentir-se o cheiro a terra molhada
O sol que nos cobre, as flores a abrir
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O mar ondeando e a bater na areia
À volta a andorinha, a voar passeia
Crianças que saltam contentes a rir
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Custodio Montes
7.3.2022
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4.
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"Crianças que saltam contentes a rir"
Fomos noutros tempos que não voltam mais
Que avós nos tornámos - duas vezes pais...-
De crianças, outras, que hoje são porvir
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Pois é sempre tempo de substituir
Plantas já esgotadas, velhos animais...
Mas abranda, Tempo, não corras demais,
Dá-me mais um tempo pra te usufruir!
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Não te peço nada que dar-me não possas
Sem quebrar a sina destas vidas nossas;
Vivi muitos anos, vou para os setenta,
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Mas se um poucochinho lhes acrescentares,
Não me zango - juro! - quando mos cobrares;
Em versos tos pago, se o seu preço aumenta!
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Mª João Brito de Sousa
07.03.2022 - 15.40h
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5.
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“Em versos tos pago, se o seu preço aumenta!”
Anda, sê bonzinho mas mais devagar
Ao me dares tempo para eu sonhar
O sonho ao vir o poema acalenta
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Se a vida for longa mesmo aos oitenta
O verso melhora, tem de melhorar
Com experiência a forma de amar
É muito mais rica e mais suculenta
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Rodeia-se o campo, andando ao redor
Enfeita-se o prato, com graça e amor
Com tudo o que vemos vem-nos o poema
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O tempo que passa, vai sempre a correr
E devagar indo melhora-se o ver
Assim se encontrando bem melhor o tema
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Custodio Montes
7.3.2022
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6.
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"Assim se encontrando bem melhor o tema",
Que o vate envelhece tal qual o bom vinho
Que encorpa e que adoça nas pipas de pinho
Ao longo dos anos e ao som de um poema...
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Dá-nos mais um tempo! Vês nisso um problema?
Desprezas-nos tanto que num minutinho
Vejas um milénio? Vá, vem de mansinho
Dar-nos, Tempo infindo, essa graça suprema!
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Enquanto decides se sim ou se não,
Nós aproveitamos, dessa hesitação,
Segundos que sejam... Tudo se aproveita
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Se o tempo que temos promete ser escasso,
Um verso sem Tempo transforma-se em Espaço
No qual se semeia, fecunda, a colheita
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Mª João Brito de Sousa
07.03.2022 - 17.30h
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7.
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“No qual se semeia, fecunda, a colheita”
Para dar bom fruto tão apetitoso
Que ao comê-lo a gente fica mais guloso
E, saboreando-o, mais satisfeita
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À vista, o poema é que nos deleita
Ao ver-lhe os detalhes e o porte pomposo
O tempo o eterniza e torna famoso
E o leitor ao lê-lo todo se deleita
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Para isso o tempo é o principal
Que às vezes sem tempo conjuga-se mal
Estão as palavras, o verso aparece
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Sem os ornamentos que merece ter
Com sobejo tempo melhor se há-de ver
E o próprio poema até envaidece
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Custodio Montes
7.3.2022
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8.
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"E o próprio poema até envaidece"
Se o tempo lhe sobra em vez de em corrida
Fazer seu cantante percurso de vida
Até que no fim se cala e fenece
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Mas este poema correndo se tece
Temendo que o Tempo lhe pregue a partida
De o parar a meio da estrofe tecida,
Que às manhas do Tempo, nem ele as conhece...
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Ou será a Musa, essa aventureira,
Que o vai empurrando de qualquer maneira,
Sem deixar que cuide da sua aparência?
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Não sei quem comanda este absurdo galope
Que nada respeita - nem sinais de "STOP"-
Como se um poema fosse uma emergência!
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Mª João Brito de Sousa
07.03.2022 - 19.25h
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9.
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“Como se um poema fosse uma emergência”
Atrás de corrida sempre sem parar
Sem seu condimento para alimentar
A beleza à volta como numa urgência
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Para que o poema tenha competência
Ao ser burilado deve contemplar
O que o rodeia e depois brilhar
Para ser amado na sua envolvência
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Tudo tem um tempo para se tecer
E a dobadoira sempre em seu correr
O fio envolvendo para o seu destino
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Sempre, sempre a jeito com muita alegria
Mostrando na forma toda a harmonia
E no conteúdo gosto genuíno
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Custodio Montes
7.3.2022
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10.
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"E no conteúdo gosto genuíno"
De que seda ou linho não vão prescindir
No momento exacto de o ver, de o sentir,
De lê-lo em silêncio, de cantá-lo em hino,
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Quem sabe "a capella", ao toque do sino,
Sem hora marcada, mas pronto a servir
Quem souber ouvi-lo sem lhe resistir,
Tal qual fosse débil choro de menino...
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E é desta surpresa que alimento o verso,
Que o tomo nos braços, que o deito no berço,
Que o vejo partir e que lhe digo adeus
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Porque os versos partem, seguem seu caminho
E logo outros vêm muito de mansinho
Deitar-se nos berços que tomam por seus
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Mª João Brito de Sousa
07.03.2022 - 22.10h
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11
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“Deitar-se nos berços que tomam por seus”
Mas ao se deitarem sem ver o colchão
Coitados dos versos como se verão
Sem cama nem tecto à chuva dos céus
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E acorrentados presos como réus
Assim espalhados deitados ao chão
Tão abandonados sem muita atenção
Lá se vão embora, dizem-nos adeus
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Eu quero que fiquem enramalhetados
Presos uns aos outros como enamorados
Todos misturados e engrandecidos
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Não os quero soltos e ao deus-dará
Antes em poemas como um bom maná
Muito apreciados quando forem lidos
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Custodio Montes
7.3.2022
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12.
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"Muito apreciados quando forem lidos",
Vão fintando o Tempo enquanto se espraiam
Na tela ou na folha, conforme nos saiam
Nervosos dos dedos por vezes doridos
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E quando na tela formam coloridos
Padrões tentadores e sons que desmaiam
Ou sobem crescendo até que enfim caiam
Ficando gravados nos nossos sentidos...
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Que tempo nos resta antes que Morfeu
Tente vir impor-nos um tempo que é seu
E estes nossos olhos se cerrem cansados?
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Hei-de resistir-lhe não sei até quando
Embora, confesso, vão já hesitando
Os versos que há pouco corriam estouvados
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Mª João Brito de Sousa
07.03.2022 - 23.50h
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13.
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“Os versos que há pouco corriam ‘stouvados”
Mas agora o tempo já está a findar
Começou a noite e é melhor sonhar
E parar os versos que andam cansados
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Ao vir a manhã com eles acordados
Damos outra volta pra recomeçar
Uns atrás dos outros ou a par e par
Muito bem compostos, bem emalhetados
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Mas tudo sem pressa como um passatempo
E bem divertidos dando tempo ao tempo
Burilando o verso a dar graça ao poema
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Que o poeta encante e faça divertir
Teça bem a teia, fazendo sorrir
Que a palavra encante como é seu lema
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Custodio Montes
8.3.2022 (mesmo a começar…)
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14.
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"Que a palavra encante como é seu lema",
Que nos apaixone e nos abra horizontes
Jorrando graciosa de todas as fontes,
Gotinha a gotinha, fonema a fonema,
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Até transformar-se num belo poema
Que derrube muros, que construa pontes,
Que atravesse rios, campinas e montes
E os demais percalços que o verso não tema
*
Hesito, dormito, que o sono já pesa
Até sobre a Musa que jaz sobre a mesa
Exausta, rendida, deitada a dormir...
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Vês o que me arranjas só porque te peço
Mais um tempo, um nada que em momentos meço,
"Ó Tempo amigo que vais a fugir"?
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Mª João Brito de Sousa
08.03.2022 - 01.25h
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