SEM DONO I e II
Fotografia de Carlos Ricardo
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SEM DONO
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I
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Não sabe se é ateia ou se é pagã
Uma mulher que passa distraída
E vai saboreando uma maçã
Que desconhece estar a ser comida
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Que sabe essa mulher do amanhã
Se vive ao deus-dará, desprotegida?
Parece-lhe a questão um tanto vã
Pra quem barata vende e compra a vida...
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Abre a porta do quarto de aluguer
Devagarinho para não ranger
E senta-se num banco. Está com sono.
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É tarde, é muito tarde pra pensar
E depressa adormece. Ao acordar,
Jurará que é feliz por não ter dono.
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II
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Ele ergue um novo muro a fio-de-prumo,
Carrega às costas passado e futuro
E almoça muito à pressa num arrumo
Uma cerveja quente e pão já duro
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Fuma um cigarro. Uma argola de fumo
Forma-se e esvai-se toda no ar puro
Como se optasse por traçar um rumo
Que pra nenhum dos dois será seguro
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O cimento atingiu o ponto certo
E o muro cresce como que liberto
Da tal conotação que não merece
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O Sol está quase a pôr-se atrás do mar
E o muro ainda está por acabar...
Pode ser que amanhã o recomece.
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Mª João Brito de Sousa
13.12.2023 - 13.00h
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