QUEM NÃO TEM CÃO... - Maria João Brito de Sousa e Custódio Montes
QUEM NÃO TEM CÃO...
*
COROA DE SONETOS
*
Maria João Brito de Sousa e Custódio Montes
*
1.
*
Erato não serei, poeta amigo,
Que para tal não tenho engenho e graça,
Mas posso garantir-lhe garra e raça
Sempre que aceite que escreva consigo.
*
Não ostento os cabelos de oiro ou trigo
Que enfeitam qualquer deusa quando caça,
Mas meu arco-de-versos tem a traça
Do que não tem idade, sendo antigo.
*
Se errar "humanum est", eu errarei,
Mas pode crer que lhe não faltarei,
Se Erato me ceder a sua vez...
*
Porque "quem não tem cão, caça com gato",
Sempre que o ignorar a bela Erato,
Conte c`oa minha humana pequenez!
*
Maria João Brito de Sousa - 22.02.2021 - 18.37h
***
(Soneto escrito em resposta ao soneto ERATO do poeta Custódio Montes.)
***
2.
*
“Conte c’oa minha humana pequenez”
Isso digo eu, digo, digo e digo
Tenho muito prazer de a ter comigo
Nas rimas que oferece cada vez
*
Pequenino sou eu com escassez
De presente e passado em que me abrigo
E recorro à musa e prossigo
Humilde, a esconder a timidez
*
A Erato imagino para mim
Mas quando a refiro tenho um fim
Provocar quem me inspire a poetar
*
Andar sempre a aprender isso é-me imposto
E quase sempre encontro quem eu gosto
Como agora que acabo de encontrar
*
Custódio Montes
(22.2.2021)
***
3.
*
"Como agora que acabo de encontrar"
Voz gémea que, em perfeita sintonia,
Vá compondo, na pauta, a sinfonia
Que ambos nos preparamos pra criar.
*
Das notas que tangemos sem parar
Entre a realidade e a magia,
Nasce este não-sei-quê que desafia
A própria Erato a vir-nos escutar.
*
Ah, se a cada improviso mais se aprende,
Erato sobre nós o manto estende
E os versos nunca param de nascer...
*
Soberbos frutos desta humana sede,
São os versos que Erato nos concede
Quando desce até nós, para nos ver.
*
Maria João Brito de Sousa - 25.02.2021 - 12.29h
***
4.
*
“Quando desce até nós para nos ver”
A si sim, vê-a sempre e a mim não
Eu bem clamo por ela mas em vão
E nunca a vejo aqui aparecer
*
Aquilo que eu escrevo pode ser
Um verso semelhante, um verso irmão
Que segue o irmão mais velho....imitação
No falar, no brincar e no dizer
*
Mas a irmã mais velha é quem comanda
Eu sou irmão mais novo que atrás anda
Que a musa não me dá um grande trato
*
Respondo como posso atrás de si
Compondo como vejo ao vir aqui
Porque quem não tem cão caça com gato
*
Custódio Montes
(26.2.2021)
***
5.
*
"Porque quem não tem cão caça com gato",
Se assim cria sonetos tão sem par,
Creio bem que se quer menorizar
Ao dizer que é a mim que fica grato...
*
Também sou aprendiza dessa Erato
Que aqui estamos os dois a partilhar;
Nenhum de nós lhe chega ao calcanhar,
Ninguém, como ela, sabe o ponto exacto
*
Da perfeita harmonia a que aspiramos
Na profusão de versos que engendramos
Dando sempre o melhor que houver em nós.
*
Humildes aprendizes vamos sendo,
E criativos sempre que escrevendo
Ao som da sua doce e clara voz.
*
Maria João Brito de Sousa - 26.02.2021 - 12.24h
***
6.
*
“Ao som da sua doce e clara voz.”
Também concordo, amiga, que aprendiz
É todo o ser que avança e é feliz
Que quem não aprender não chega à foz
*
Mantém-se emaranhado e fica a sós
Não sabe progredir nem o que diz
A áurea sempre em baixo e a cerviz
E raro chega ao cais ou é veloz
*
E se além da Erato e seu engenho
Tivermos uma amiga como eu tenho
Então voa-nos alto o pensamento
*
Alcançam-se horizontes alargados
Poemas de excelência e afamados
Com engenho e arte em casamento
*
Custódio Montes
(26.2.2021)
***
7.
*
"Com engenho e arte em casamento"
De que Erato se digne ser madrinha,
Nasce esta força que nos encaminha
E nos concede a graça do talento.
*
A si, que me alimenta, eu alimento,
Que a reciprocidade se adivinha
Em cada estrofe ou mesmo em cada linha
Do que aqui transformamos em sustento.
*
Por vezes é lirismo, o que nos move,
Noutras é a revolta, quando chove
Sobre este humano mundo o preconceito...
*
Erato, tolerante, não condena
A autonomia desta nossa pena,
Desde que o verso nos brote do peito.
*
Maria João Brito de Sousa - 26.02.2021 - 15.40h
***
8.
*
“Desde que o verso nos brote do peito.”
Do fundo, bem do fundo lá da alma
Depois ninguém nos vence e leva a palma
A forma de dizer, também o jeito
*
A ideia às vezes vem quando me deito
E surge então a musa muito calma
Segreda-me ao ouvido e assim me espalma
Um tema e um caminho a preceito
*
Não sei se é Erato, a musa bela,
Mas não identifico o nome dela
Por isso é que a chamo dia a dia
*
Mas sei que é uma musa muito fina
Que manda e encarrega quem me ensina
O que me inspira e dá muita alegria
*
Custódio Montes
(26.2.2021)
***
9.
*
"O que me inspira e dá muita alegria"
É conversar consigo em verso e rima
Deixando que o soneto me redima
Desta insalubre e chã monotonia...
*
"Caça" com gata, sim, mas não vadia,
E sim com a que acolhe quanto exprima
Como quem saboreia uma obra-prima
E que, a partir dessa obra, também cria.
*
Destas nossas conversas musicais
Nascem-nos versos nem sempre banais
E outros que são banais, mas criativos.
*
Podem-se dar abraços desta forma,
Sem que nos multem por fugir à norma
Imposta a todos nós, que estamos vivos.
*
Maria João Brito de Sousa - 26.02.2021 - 21.23h
***
10.
*
“Imposta a todos nós, que estamos vivos”
A norma vale pouco se é mal feita,
Ou rebuscada e prenhe de maleita
Importa é antes sermos criativos
*
E também na palavra interventivos
Não basta ser a rima só perfeita
Mas ter um conteúdo que deleita
E sensações e gostos chamativos
*
Por vezes uma norma não tem rosto
E, mesmo tendo, há coisas que não gosto
Mal feitas, perigosas muito mais
*
Poema, para nós, é como um filho
Tem alma, dá prazer, ostenta brilho
E trocam-se “conversas musicais”
*
Custódio Montes
(27.2.2021)
***
11.
*
"E trocam-se "conversas musicais"";
Se as horas passam movidas a jacto
Sempre que nos visita a bela Erato
Esquecida de que somos só mortais...
*
E lá vamos nas asas pontuais
Do versejar lançado ao desbarato
Numa coroa, sem espinhos, nem recato,
Que se vai alongando mais e mais...
*
Musa, porém, não sou, nem nunca fui;
Sou obreira do verso que em mim flui
Como o sangue que as veias me percorre.
*
Podemos ser mortais, poeta amigo,
Mas o poema é algo muito antigo
E a Poesia, essa, nunca morre!
*
Maria João Brito de Sousa - 27.02.2021 - 12.39h
***
12.
*
“E a Poesia, essa, nunca morre!”
Também penso assim, é evidente,
Poeta é só quem poesia sente
E anda em seu caminho e o percorre
*
E poema a poema ergue uma torre
Que seja bem visível, saliente
Amada e sentida pela gente
Que a admira, a vê e a ela acorre
*
A musa anda aqui e anda ali
Não se vê, foge, foge, eu nunca a vi
Mas sente-se com muita precisão
*
Poema trás poema logo atrás
Então cada um vê que é capaz
E a musa é mesmo isso inspiração.
*
Custódio Montes
(27.2.2021)
***
13.
*
"E a musa é mesmo isso, inspiração",
Um quase intraduzível não-sei-quê,
Algo que nos habita e nem se vê
Mas que sempre deduzo ser paixão.
*
Chamem-lhe Erato, chama ou vocação,
A força que nos move é o que é...
Que importa se é ateia ou se tem fé,
Se se reparte em pura comunhão?
*
Quando nasci, trazia já comigo
A raiz desta graça... ou é castigo?,
Que nos impõe criar para viver...
*
Se é certo que brinquei, estudei, cresci,
Mais certo é que, de quanto já vivi,
Se escolha houvesse, isto iria escolher.
*
Maria João Brito de Sousa - 27.02.2021- 15.14h
***
14.
*
“Se escolha houvesse, isto iria escolher.”
Escolha não precisa, é natural
Nasceu num ambiente cultural
Que a inundou e assim a fez crescer
*
Eu andei pelo campo e a aprender
Olhei as andorinhas, bem e mal
O nascer e o crescer dum animal
E andei pelas encostas a correr
*
Se for condicional o que me afirma
Eu acredito ainda, o que confirma
Que Erato se parece bem consigo
*
Só assim compreendo toda a ênfase
Começando a coroa com a frase:
“Erato não serei, poeta amigo”
*
Custódio Montes
(27.2.2021)
***