PASSA A ÁGUA - Coroa de Sonetos
PASSA A ÁGUA
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Coroa de Sonetos
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Custódio Montes e Maria João Brito de Sousa
1.
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Nas pedras passa a água a correr
Eu olho para ela devagar
Há gente junto ao rio a passear
Daqui sobre a ponte estou a ver
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Nas margens há um verde a aparecer
Junto a uma casa um pomar
Com flores bem bonitas a brotar
Um branco um cor de rosa ...que prazer
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Às vezes aparece um paraíso
Uma flor, uma imagem, um sorriso
Que dá tanto prazer e alegria.
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Que a gente esquece a dor que às vezes sente
Remoça por momentos de repente
E vê em cada coisa poesia
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Custódio Montes
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13.3.2021
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2.
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"E vê em cada coisa poesia"
E sente em cada pedra em que se sente
Um coração pulsar pausadamente,
Tal qual vivesse a pedra, por magia...
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Passa a água entoando a melodia
De um tema já esquecido mas presente
E passa a melodia pela gente
Como uma suave mão que acaricia...
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Lá, nesse paraíso que descreve
Como se fosse mais que um sonho breve,
O dia pára tonto, embevecido,
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E de um segundo faz-se eternidade;
Onde se erga esse templo sem idade,
Ajoelha-se o Tempo, a nós rendido.
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Maria João Brito de Sousa - 14.03.2021 - 00.00h
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3.
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“Ajoelha-se o Tempo, a nós rendido”
Com cores, movimentos, um bailar
Da natureza em festa e o nosso olhar
Alegre e a sentir-se envaidecido
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O rio transparente e agradecido
Entoa uma canção e esse cantar
Afaga as suas margens ao passar
Realça mais o verde colorido
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A alma engrandece de alegria
À volta tudo encanta e a poesia
Envolve o nosso olhar e o nosso ser
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Parece até mudarem-se os papéis
Em festa a natureza, nós os reis
Aos pés o nosso reino a agradecer
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Custódio Montes
(14.3.2021)
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4.
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"Aos pés o nosso reino a agradecer"
Enquanto nós, rendidos, nos prostramos
Sabendo bem que jamais fomos amos
Nem mesmo do poema que nascer
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Pois talvez o fiquemos a dever
À natureza que aqui contemplamos
Já que somos irmãos da flor, dos ramos
E amados filhos da raiz do Ser...
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Seremos tudo e nada, por momentos;
Símbolos pontuais dos elementos,
Feitos de carne e osso e sonho e espanto
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Qu` embalados pl`a musa dos sentidos,
Aos poucos vamos sendo convertidos
À adoração do seu perfeito manto.
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Maria João Brito de Sousa - 14.03.2021 - 09.43h
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5.
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“À adoração do seu perfeito manto”
Que andamos neste tempo a contemplar
O sol a flor a água a marulhar
E tudo ao redor que é um encanto
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O monte a engalanar-se e em cada canto
Sentimos alegria a germinar
Connosco a natureza par a par
Irmã ao pé de mim que amo tanto
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Às vezes imagina que a beleza
Rodeia o nosso corpo e a natureza
É nossa mãe e em si nos faz nascer
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E penso que sou árvore a sair
Lá das suas entranhas e a sorrir
Com a eternidade a acontecer
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Custódio Montes
(14.3.2021)
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6.
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"Com a eternidade a acontecer"
Ali ficamos nós, meros mortais,
Sincronizados átomos, banais
Formulações da vida quando quer
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Moldar-se em homem, esculpir-se em mulher
Pra com eles ascender aos ideias,
Pois tanto pode a Vida e muito mais
Que o pouco que julgamos, nós, saber...
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Passa a água nas pedras do ribeiro;
Foi ela o nosso berço, o som primeiro,
Que se foi replicando em força e vida.
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Tudo vem de uma eterna construção;
Mesmo a poesia é pura evolução
Multiplicada, enquanto dividida...
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Maria João Brito de Sousa - 14.03.2021 - 11.11h
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7.
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“Multiplicada, enquanto dividida
Mas num élan maior se conjugada
A vida é bela então se irmanada
Que sem conjugação é mal vivida
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O amor bem como a luta sempre erguida
Em prol da natureza tão amada
Aumenta o amor da gente nesta estrada
Agreste mas também muito florida
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Irmã é sempre irmã para beijar
E para ter connosco e acompanhar
A cada tempo e hora com magia
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A irmandade chega à natureza
Afagamos-lhe a alma e a beleza
E juntos lhe cantamos poesia
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Custódio Montes
(14.3.2022)
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8.
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"E juntos lhe cantamos poesia"
Já que por ela fomos concebidos
E dela somos frutos prometidos
Ao compromisso de quem gesta e cria.
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Passaremos, também, num qualquer dia,
Mas teremos, então, sido cumpridos
Não só no palco fértil dos sentidos,
Mas também nestes vôos da harmonia
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Quando, em poemas vindos das entranhas,
Subimos montes, escalamos montanhas,
Numa vertigem que nos liga ao todo
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E não paramos nem pra descansar;
Só na vertigem podemos criar
Pois não sabemos ser de um outro modo
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Maria João Brito de Sousa - 14.03.2021 - 12.30h
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9.
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“Pois não sabemos ser de outro modo”
Que somos o que somos nada mais
Sem termos preconceitos doutorais
E sem pensar que o mundo é nosso todo
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E deste pensamento à volta rodo
E não avanço aqui nada demais
A gente nunca deve ser jamais
Aquilo que não é nem mesmo engodo
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Mas ter um sentimento uma paixão
É a forma de mostrarmos gratidão
Que nessa humildade há só grandeza
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E nada é demais ver e louvar
A alegria de estarmos a cantar
A vida que nos dá a natureza
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Custódio Montes
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(14.3.2021)
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10.
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"A vida que nos dá a natureza"
Concede-nos paixão, mas não poder
Que esse não sabe nem pode entender
O quanto nos fascina essa beleza
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Da ribeira que ri e chora e reza
Mas que não pára nunca de correr
Até chegar à foz e se render
Ao grande mar que a espera sem surpresa.
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Dessa mesma humildade somos feitos
(embora alguns possam julgar-se eleitos)
Pois bem sabemos; tudo tem um fim
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Mas a paixão, se mal compreendida,
Pode passar por ser intrometida,
Vaidosa, egocentrada... ou coisa assim....
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Maria João Brito de Sousa - 14.03.2021 - 14.08h
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11
“Vaidosa, egocêntrica...ou coisa assim”
Mas esta natureza que se canta
Com a paixão que sempre nos encanta
Não pensa desse modo tão ruim
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Ao cantar-lhe a beleza até ao fim
Não nos pode acusar de forma tanta
Que nos deixe ficar pela garganta
O canto que há nas rosas dum jardim
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A paixão que mostramos desta forma
É o modo como a gente assim a informa
De como nós gostamos tanto dela
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Não é intromissão é modo de arte
Para cantá-la assim por toda a parte
Fazendo ressaltar como ela é bela
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Custódio Montes
(14.3.2021)
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12.
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"Fazendo ressaltar como ela é bela"
E como dela nós fazemos parte,
Receio que me falte "engenho e arte"
Pra descrever os mil encantos dela
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E, ou exagero, ou calo-me, à cautela...
Soubesse eu, natureza, aqui explicar-te
Como é que me é possível tanto amar-te
Sem poder retratar-te sobre tela,
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Sem jamais ter tentado, no passado,
Reproduzir em tela um rio, um prado,
Ou as plantas que são minhas irmãs...
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Mas os teus filhos, homens e mulheres,
Pintei como quem pinta mal-me-queres
Sob um sol que se enchia de amanhãs...
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Maria João Brito de Sousa - 14.03.2021 - 15.40h
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13
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“Sob um sol que se enchia de amanhãs”
E ao cantar dessa forma, de certeza
Que o seu canto provém da natureza
E das flores que são nossas irmãs
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Atrai, a natureza, como imãs
Que atiram para longe esta pobreza
Que rodeia o humano; e a nobreza
Faz-nos fortes, assim como titãs
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Hoje cantou o rio e a sua água
E foi um dia inteiro sem ter mágoa
Contente e toda cheia de mestria
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Não seja, minha amiga, tão modesta
Que pôs a natureza toda em festa
E a nós todos bem cheios de alegria
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Custódio Montez
(14.3.2021)
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14.
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"E a nós todos bem cheios de alegria"
Por tão extrema beleza termos visto,
Ou mesmo imaginado. Até do xisto
Brota uma áspera torga, em rebeldia...
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Rude mas bela, é pura sinfonia
Doce e selvagem em estranho registo;
Quando nela me (a)fundo, não existo,
Não sou nada onde tudo é sinergia!
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A montanha escarpada, o vale escondido,
A brisa que sussurra ao meu ouvido
Segredos que não mais irei esquecer
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E enquanto as aves sob o manto azul
Adiam a partida rumo ao Sul,
"Nas pedras passa a água a correr"
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Maria João Brito de Sousa - 14.03.2021 - 17.20h
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