NÃO SEI - Custódio Montes, Maria João Brito de Sousa e Helena Teresa Ruas Reis
NÃO SEI
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Coroa de Sonetos
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Custódio Montes, Maria João Brito de Sousa e Helena Teresa Ruas Reis
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1.
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Não sei o que fazer…. o que farei ?
Divago lentamente ao som da avena
Escrevo o que sair da minha pena
E aquilo que escrever logo verei
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Avanço linha a linha mas não sei
Se a peça que vier, trazida à cena
Será grande essa obra ou pequena
Para me envergonhar perante a grei
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Não sei não sei não sei…vou escrever
E tu leitor amigo vais dizer
Depois de ver e ler com atenção
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Se merece um aplauso este poema
Se só merece encomio pelo tema
Ou se nem vale dar opinião
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Custódio Montes
27.6.2021
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2.
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"Ou se nem vale dar opinião",
Pergunta-me o poeta companheiro
Do verso que criado a tempo inteiro,
Traz no celeiro do seu coração.
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E está pronto a glosar, que em profusão
Se vai multiplicando, bem ligeiro,
Épico às vezes, noutras mais brejeiro,
Mas jamais sem sentido e nunca em vão!
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Não sente o tal "bichinho-carpinteiro"
Que sempre exige um verso e, feiticeiro,
Faz renascer o espanto e a paixão?
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Estou certa de que o sente vir, certeiro,
Pedir verso que nasça do primeiro
E outro e mais outro... até à exaustão!
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Maria João Brito de Sousa - 27.06.2021- 13.42h
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3.
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"E outro e mais outro... Até à exaustão!"
Porém, a exaustão não chega aqui.
Se há um que mal vê ou dói-lhe a mão,
Há outro que aparece qual escanção...
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E saboreia assim o melhor bago,
Depois de já maduro para o dente.
Poeta só degusta, num afago,
Palavras que se escapam do que sente.
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Na mesa de um café pus-me a teclar
Sorvi o dito cujo sem dar conta
Mas sei que o que paguei foi pouca monta.
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Antes que uma razão me possa achar
Agora, sem rever o que escrevi,
Receio ver-me já sair daqui.
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Helena Teresa Ruas Reis - 15.20h
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4.
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“Receio ver-me já sair daqui”
Não fuja amiga Ruas que é bem-vinda
Porque se eu não sabia bem ainda
O que ia escrever, agora vi
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Porque este belo encontro tido aqui
É conjugar poesia bela e linda
E pôr os três autores na berlinda
E nela aqui estou, já a senti
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Poema é mesmo assim, como cereja
Seguindo-se um ao outro em peleja
Combate sim mas só de amizade
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Discute-se a palavra com certeza
Mas sendo alinhada com beleza
Com graça e também simplicidade
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Custódio Montes
27.6.2021
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5.
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"Com graça e também simplicidade"
Não faltando o tempero do talento,
Os versos voam mais que o próprio vento
Que hoje açoita os telhados da cidade.
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Em cada verso, um gesto de amizade
Vem galgar a distância, sempre atento,
Não vá algum de vós perder alento,
Ou eu, a habitual temeridade...
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Um verso chama o outro que, ao ouvi-lo,
Corre para o soneto e faz aquilo
Que um verso melhor faz, quando liberto;
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Se achar lugar no peito de um irmão,
Logo o abraçará num gesto são
Deixando, para os mais, um espaço aberto.
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Maria João Brito de Sousa - 27.06.2021 - 19.05h
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6.
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“Deixando, para os mais, um espaço aberto”
Onde o talento possa prorromper
Sem nunca se cansar ou se perder,
Mesmo tendo passado pelo deserto.
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Que há mãos e pensares na amizade
Para te retirar à inacção,
Levando a construir, na emoção,
Por laços fraternais e de vontade.
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Um verso atento a outro e a outros chama.
A muda e calma voz que assim proclama
Só ouves no bater do coração…
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Sonoro, dentro em ti porque palpita,
É vida, e se procria, Deus permita
Que seja sempre eterna a criação.
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Helena Teresa Ruas Reis - 27/06/2021
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7.
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“Que seja sempre eterna criação”
E há-de ser pois nele há liberdade
E diz o que quiser e à vontade
Pois não tem o poema um travão
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Diz o que quer e sempre com razão
Imagina e descreve a realidade
Escreve sobre o campo e a cidade
E cria um mundo novo em construção
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E a gente lê o texto que se cria
Todo o seu conteúdo e fantasia
E acha graça e fica-se contente
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E nesta criação e a inovar
O mundo ganha forma e outro andar
Com isso ganha muito toda a gente
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Custódio Montes
27.6.2921
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8.
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"Com isso ganha muito toda a gente"
Porquanto esta arte a todos nos eleva
E não será apenas a quem escreva,
Pois quem o ler alegra-se igualmente
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E aprende a sentir... pois quem não sente
Aquilo que um poema a ninguém nega?
Ah, todos nós sentimos esta entrega
Que o verso faz brotar, como semente.
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Assim se multiplica a poesia
Como se uma infindável sinfonia
Fosse, de geração em geração,
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Galvanizando toda a humanidade;
Reparem bem no verso que se evade,
Que voa e vem pousar nesta canção!
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Maria João Brito de Sousa - 27.06.2021 - 22.07h
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9.
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“Que voa e vem pousar nesta canção”
Qual pássaro nos ramos do arvoredo,
Que esconde, no seu ninho, mais segredo
Que aquele que fez esta construção.
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E as penas pequeninas a forrá-lo
De conforto e de amor bem maternal,
A terra feita em barro filial
Como argamassa forte a preservá-lo,
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Nada são, comparand’ à fantasia
Que surge como nova melodia
Nas palavras que irrompem em registo.
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Ficará sempre mais do que se escreve
Do que a frase ou o verso quase breve,
Riscos, rimas saídas de um rabisco.
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Helena Teresa Ruas Reis - 28/06/2021
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10.
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“Riscos, rimas saídas de um rabisco”
Mas feito com a arte e a mestria
De quem olhando as coisas vê e cria
Como construção feita em obelisco
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Palavra ornamentada posta em disco
Canção que integrada em sinfonia
Enche e engrandece a alma de alegria
E sabe tão bem como um petisco
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Poemas que umas vezes divertidos
São outras bem mais sérios e sentidos
Com arte com destreza com glamor
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Tem tudo a poesia é ingente
Tem graça, sentimento anima a gente
E é também ternura paz e amor
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Custódio Montes
28.6.2021
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11.
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"E é também ternura paz e amor"
Isto que os nossos dedos vão criando
Enquanto os vamos, nós, (des)comandando,
Já que ninguém comanda um verso em flor
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Que voa como o vento e, ao seu sabor,
Pode ser ora forte, ora tão brando
Quanto o que a poesia for ditando
E conseguirmos, nós, depois compor...
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Então, por um momento, o tempo pára
Para dar tempo ao verso que dispara
Como uma flecha rumo ao ponto exacto
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Em que outro verso o espera e, sem saber,
Sabe contudo como o preencher,
Concretizando o que antes fora abstracto.
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Maria João Brito de Sousa - 28.06.2021 - 14.08h
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12.
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“Concretizando o que antes fora abstracto”,
Há coisas que a poesia nos ensina
Por vezes, não fosse ela feminina,
Tem um sexto sentido imenso e lato.
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E vem assim amena, p’la tardinha
Na hora de uma sesta disfarçada
Em sonho bem real, duma assentada,
Trar-te-á a cor-de-rosa numa linha.
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Tal linha contornada a ponto flor
Borda tudo a seu jeito e com amor
Remata esse bordado à perfeição.
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Artífices dos bilros, finas rendas,
Desejo de um artista é que aprendas
E que nunca se canse a tua mão!
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Helena Teresa Ruas Reis - 27/06/2021
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13.
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“E que nunca se canse a tua mão”
Mão sem género não só feminina
Masculino o poema e que rima
Da poesia gémeo e seu irmão
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Macho e fêmea a mesma condição
O poeta é assim que nos ensina
E não temos que sair dessa doutrina
Que une e agiganta o coração
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Mas mais “não sei” agora o que dizer
O pensamento está-me a esmorecer
E vou deixar que outrem esclareça
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Talvez eu já não veja ao redor
E quem venha a seguir veja melhor
Dando a opinião que lhe pareça
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Custódio Montes
28.6.2021
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14.
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"Dando a opinião que lhe pareça"
Mais própria deste tema e do momento,
Chega o próximo verso muito atento
(que um verso sempre cumpre uma promessa!)
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Isto vos comunica e vos confessa
O verso - ora em sorriso, ora em lamento -
Que ainda que fervilhe em sentimento,
É fiel à harmonia que professa.
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E agora que está quase a terminar
O soneto que assim o fez cantar
Bem mais alto e melhor do que eu sonhei,
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Não pára o verso de me pressionar
E a cada instante vem-me perguntar;
"Não sei o que fazer... o que farei?"
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Maria João Brito de Sousa - 28.06.2021 - 18.42h
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(Reservados os Direitos de Autor)