NÃO ME SAI... - Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa
NÃO ME SAI...
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Coroa de Sonetos
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Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa
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1.
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Não me sai cantiga que possa agradar
A voz que eu tenho só quer brincadeira
Esconde-se às vezes e, namoradeira,
Fala só baixinho, não se quer notar
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O amor esconde-a, só pensa em amar
Não canta à segunda nem canta à primeira
Só fala baixinho sem ninguém à beira
Não se ouve por perto, não se ouve a cantar
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Há muito que cala, não quer escrever
Devia contar e contar a valer
Porque se não canta contava uma história
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Em parte inventada de que se gostasse
E assim fosse lida para que ficasse
Se não fosse em canto, seria em memória
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Custódio Montes
22.6.2022
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2.
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"Se não fosse em canto, seria em memória",
Ou juntos, em ambos... Seria perfeito
Cantar a memória trinada a seu jeito,
Compondo-se o canto ao compasso da história
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Eu, sempre que o faço, não procuro glória,
Só persigo a força que trago no peito
E tento alcançá-la escrevendo a preceito,
Sabendo, contudo, ser meta ilusória
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Pois não me sai nunca como eu quereria:
Desafino às vezes quando a melodia
Tropeça nas ondas da banda sonora...
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Só de quando em quando, pra meu desespero,
Sai exactamente o canto que quero
Da pauta invisível que a Musa elabora.
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Mª João Brito de Sousa
22.06.2022 - 12.53h
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3.
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“Da pauta invisível que a musa elabora”
Mas não tenho musa sou de trás os montes
Para a alcançar passaria horizontes
E daqui me iria para aí agora
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Fazer bem queria e de hora a hora
Ia pela estrada passaria pontes
Oh musa ajuda queria que contes
Uma história linda, sê minha editora
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Um canto cantava se a voz me ajudasse
Se a força viesse, se não me faltasse
Mas estou doente da minha cabeça
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O canto não surge e o conto não vem
De ajuda preciso que me ajude alguém
Eu estou à espera que a musa apareça
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Custódio Montes
22.6.2022
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:)
4.
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"Eu estou à espera que a musa apareça",
Mas a sua Musa já pôs mãos à obra
E nela só vejo saúde de sobra:
Canta como poucas, corre bem depressa!
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Afinal de contas, que doença é essa,
Que lhe não faz mossa e à Musa não dobra?
É mais dura a minha porque em dor me cobra,
Quando estou doente, tudo o que eu lhe peça...
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Não me sai da mente que está enganado,
Que dessa maleita está mais que curado
Ou que a sua Musa bebeu café forte!
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A minha, coitada, bem mais vagarosa,
Está boquiaberta porque nem na prosa
Consegue ser ágil, já não tem tal sorte...
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Mª João Brito de Sousa
22.06.2022 - 14.07h
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5.
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“Consegue ser ágil, já não tem tal sorte…”
Diz isso da musa? tem que me explicar
Porque é que diz coisas para enganar
Se ela é vigorosa com seu alto porte
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E a tudo responde, com belo recorte
E sempre a seu jeito sem nunca faltar
Porque é que a maltrata sem ela falhar
Como a sua dona, sua fiel consorte?
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Toda a gente sabe que se porta bem
Escolhe as palavras melhor que ninguém
Não insulte a musa que ela não merece
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Musa tão distinta quem a não queria
Só lhe traz vantagens e tanta alegria
E todos nós vemos como lhe obedece!
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Custódio Montes
22.6.2022
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6.
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"E todos nós vemos como lhe obedece"...
Não sei se ela a mim, se muito inversamente
Sou eu quem a segue obedientemente
Sempre que ela ordena, por mais que eu tropece...
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Se um verso me escapa, logo ela outro tece
E quando eu fraquejo, ela, eficiente,
Engendra um soneto e, assim, num repente,
Depõe-mo nos braços e desaparece...
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Sem ela não vivo e, sem mim, não existe
A estouvada Musa que não me resiste...
Nem eu lhe resisto, mesmo que zangada
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Me custe aturar-lhe caprichos, manias,
Ausências, amuos e outras avarias:
Sem Musa, confesso, não presto pra nada!
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Mª João Brito de Sousa
22.06.2022 - 19.50h
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7.
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“Sem musa, confesso, não presto pra nada”
E a musa, esperta, se disso souber
Sobe-lhe a parada, ficará a ter
Pose diferente bem mais complicada
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Então sua dona, muito atarefada
Rodeia a menina para a entreter
Anda à volta dela para a convencer
Que se a ajudar ficará afamada
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Vai perder seu tempo, fico por aqui
Deixe lá a musa pense mais em si
Que a musa é feita com o que se escreve
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Deve-lhe mais ela pelo que a gaba
Porque o seu talento nunca mais lhe acaba
Nada deve à musa, ela é que lhe deve
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Custódio Montes
22.6.022
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8.
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"Nada deve à musa, ela é que lhe deve"
E ficamos pagas, que uma perfazemos
Nas duas metades que aqui vos trazemos
Unidas prá vida que é bela mas breve
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Criando e escrevendo até que nos leve
O dia ou a hora na qual prescrevemos
Com tudo o que somos e tudo o que temos
Desfeito num nada, que assim se prescreve...
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Amigo, esta Musa é pura abstracção,
Deleite, volúpia, profunda atracção
E muito do pouco de bom que há em mim:
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Quando digo Musa, digo alma, razão,
Amor, rebeldia, raiva, compulsão,
Êxtase diante de um espanto sem fim...
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Mª João Brito de Sousa
22.06.2022 - 23.00h
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9.
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“Êxtase diante de um espanto sem fim…”
E é isso tudo, muito mais diria
E se ela é tristeza, mais é alegria
Para a minha amiga e também para mim
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Se a musa se inventa, pensa-se em jardim
Em campo de flores envolto em magia
Num canto à noite e ao nascer do dia
Salto em poema como em trampolim
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Alcança-se um gosto, pinta-se uma imagem
E no seu conjunto segue uma mensagem
Criando-se um mundo mais belo e melhor
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E neste volteio, nesta criação
Expande-se a alma e ama o coração
Num manto diáfano e de esplendor
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Custódio Montes
22.6.2022
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10.
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"Num manto diáfano e de esplendor"
Que ferve e transborda de imaginação,
Tão depressa brisa quanto furacão,
Moldamos palavras e damos-lhes cor
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Que c`roa que é c`roa exige labor
E pra nós, poetas, cumpre uma função
De espontaneísmo, quanto à confecção,
De perfeccionismo, quanto ao seu teor
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Não me sai da ideia, nem quero que saia,
O verso que nasce, desponta e se espraia
Numa imensa c`roa que, por fim, se fecha
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No exacto ponto em que foi começada:
Circular, perfeita, quando bem fechada
Mas, se entusiasmada, veloz como a flecha!
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Mª João Brito de Sousa
23.06.2022 - 10.20h
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11.
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“Mas, se entusiasmada, veloz como a flecha”
Ela então canta, já corre, já voa
Já me sai da mão, um cântico entoa
E Já não se encolhe já não é lamecha
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Agora encanta e já não se fecha
E diz o que pensa doa a quem doa
E até já crítica e nunca perdoa
Uma má palavra, simples ou complexa
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Demos rédea solta à imaginação
Porque assim a musa já tem condição
Para dar o salto, podendo cantar
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Andar com o vento, caminhar no mundo
Envolta em percurso mais lindo e profundo
Para ter no canto uma forma de amar
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Custódio Montes
23.6.2022
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12.
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"Para ter no canto uma forma de amar"
Galopa no verso, febril, apressada,
Que assim é tecida quando apaixonada
Plos versos que engendra num simples tear
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Não pára, uma C´roa! Pode lá parar
Se os versos que entoa por tudo e por nada
Seguem o compasso da tal galopada
Que dedos e teclas nem tentam frear?
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Pra si, o jardim, pra mim a floresta...
Por distintos rumos seguimos em festa
E embora distantes sempre nos cruzamos
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Que o Espaço e o Tempo, nesta imensidão,
São sempre o oposto daquilo que são
Se mudos e quedos, por vezes, ficamos...
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Mª João Brito de Sousa
23.06.2022 - 12.35h
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13.
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“Se mudos e quedos, por vezes, ficamos…”
Mesmo que apeteça cantar e contar
Mas esta preguiça, este mal-estar
Em paz não nos deixa e em guerra estamos
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Guerra da palavra pela qual lutamos
Que não vence às vezes mas sempre a lutar
Pela paz vencida mas sem se parar
Sem se ter descanso mas sempre voltamos
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Sem voz não cantamos, então escrevemos
Porque a musa ajuda, a musa que temos
Fica para a história e para recordar
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E imaginando não ficamos sós
O que nós contamos mesmo sem ter voz
Ficará escrito num estro sem par
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Custódio Montes
23.6.2022
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14.
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"Ficará escrito num estro sem par"
E talvez - quem sabe? - a alguém "contamine"
Qual vírus, dos úteis, que passe e sublime
A humana angústia do extremo pesar
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De alguém que sozinho não saiba encontrar
Palavras pr`aquilo que sente e não exprime,
Mas que um bom poema acalma ou redime
A troco de nada, por nada custar...
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Sai-me uma cantiga das mais pensativas,
Ou outra que alegra, de notas mais vivas...
Todas as cantigas são pr`aproveitar
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Mas se uma dor forte, mais forte que a Musa,
Me deixa prostrada, doente e confusa,
"Não me sai cantiga que possa agradar".
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Mª João Brito de Sousa
23.06. 2022 - 14.45h
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