NÃO DESENCANTES O SAPO - Reedição
NUNCA (DES)ENCANTES UM SAPO!
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Coroa de Sonetos
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Mª João Brito de Sousa e Custódio Montes
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1.
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Quebra-se a magia do beijo assombrado
Que magicamente fez, do sapo, humano...
Quanta angústia emerge, quanto desengano
Pra quem fora um simples sapo descuidado!
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Vá lá! Nunca beijes um sapo encantado!
Lembra-te que podes causar-lhe tal dano
Que o pobre batráquio, de bichito ufano,
Passe a ser humano. Coitado, coitado!
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Pobre desse sapo que estando inocente
De culpa, de intriga, de ódio e de traição,
Se torna consciente das falhas que tem
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Quando, por um beijo, se transforma em gente
E perde inocência. Que desilusão...
Tu, quando o beijaste, sabia-lo bem!
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Maria João Brito de Sousa
19.06.2008 - 08.53h
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2.
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“Tu, quando o beijaste, sabia-lo bem”
Enganaste o sapo, fizeste-lo gente
Perdeu a candura, não é inocente
Maldizem o beijo que ao sapo convém
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O encanto quebrou-se e agora ninguém
O olha assapado na água envolvente
O beijo espalhado na coxa carente
Passa por humano e o sapo também
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Que se vá o encanto que fique a pureza
Do coaxar belo no meio do lago
Que mesmo sem beijo a gente agradece
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No meio do campo vendo a natureza
Sente-se alegria, alegria e afago
E o coaxar do sapo entoa em prece
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Custodio Montes
23.5.2022
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3.
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"E o coaxar do sapo entoa em prece"
Na toada exacta que à espécie convém
E em versos que um sapo conhece tão bem,
Quanto aos nossos versos sequer reconhece...
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Batráquio que o seja, não fia, não tece,
Nem sabe de beijos que lhe of`reça alguém
E encontra fartura no pouco que tem,
Porque de mais nada precisa ou carece...
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No seu charcozinho ou na sua lagoa,
Há sempre um coaxo que vibra e ressoa:
O seu hino à Vida é mais belo que o nosso
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E mais espontâneo e mais verdadeiro...
É mestre, o batráquio, no canto certeiro
E eu falho, por vezes. Só canto o que posso...
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Mª João Brito de Sousa
23.05.2022 - 14.10h
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4.
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“E eu falho, por vezes. Só canto o que posso…”
Mas canto que cante é sempre engraçado
O sapo não canta tão emalhetado
Embora o que cante seja sem esforço
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O sapo no canto canta fino e grosso
E é um encanto ouvi-lo espaçado
À beira do charco quieto sentado
Com as mãos no queixo sem grande alvoroço
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Também no poema se ouve a canção
Que nos prende a alma e o coração
Descrevendo o lago e o sapo a cantar
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E por essa forma o coaxar e o canto
Só dão alegria nunca desencanto
Não beijo assombrado se o quiser beijar
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Custódio Montes
23.5.2022
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5.
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"Não beijo assombrado se o quiser beijar"...
Beijá-lo não quero que o assustaria
E o seu belo canto não mais se ouviria
Nem nesse seu lago, nem noutro lugar
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Que sapo assustado deixa de cantar,
Quase não respira, cala a melodia
E por predadora logo tomaria
Qualquer princesinha que o fosse agarrar...
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Canta, sapo, canta! Fica descansado,
Quero-te batráquio não (des)encantado,
Que de realezas estou há muito farta
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E se teço c`roas, são de outro jaez,
Nunca as teceria pra nenhum "princês"
E esta minha Musa também mo descarta.
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Mª João Brito de Sousa
23.05.2022 - 16.25h
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6.
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“E esta minha musa também mo descarta”
Que a musa é fina não é nenhum sapo
Disso ela foge e também eu me escapo
Que de aventuras a musa está farta
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O sapo medonho que raios o parta
A não ser que cante com graça e guapo
E não todo imundo sujo como um trapo
Com voz de primeira e não voz de quarta
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Mas vamos por partes e sem ofender
Não beijar o sapo fui eu a dizer?
A coroa o disse e sem desengano
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Logo à primeira, mesmo a começar
Prosseguiu a musa e a deambular
Disse: não se faça do sapo um humano
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Custódio Montes
23.5.2022
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7.
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"Disse: não se faça do sapo um humano"
Que são, os humanos, muito complicados
Enquanto os sapinhos vivem sem cuidados
E cuidam das hortas sem causar-nos dano...
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Um seu conterrâneo foi um soberano
A falar de sapos, esses mal amados,
Por quem desconhece que os pobres coitados
Nos são muito úteis quando, ano após ano,
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Nos livram de insectos e salvam das pragas
Que assolam as folhas e destroem bagas...
Bambo*, o sapo velho, quem pode esquecê-lo
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Se morto em serviço, firme no seu posto,
Só porque não tinha beleza no rosto,
Só porque não era cativante e belo?
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Mª João Brito de Sousa
23.05.2022 - 20.15h
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Vide "Bambo" in "Bichos", Miguel Torga
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8.
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“Só porque não era cativante e belo”
Mas sempre a saltar na horta e no canteiro
A comer as larvas limpar o terreiro
Por isso, agrada e é muito bom tê-lo
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O sapo é útil não é um flagelo
Se feio parece ele é um bom parceiro
Comendo os insectos, limpando o lameiro
Ajuda no campo, dos braços é elo
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Um “bambo” é verdade mas não é de borga
Descrito em Bichos pelo Miguel Torga
Como nos informa com sua mestria
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Louvemos o sapo, não lhe quero mal
Sem lhe darmos beijos a esse animal
Nem o endeusarmos com a poesia
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Custódio Montes
23.5.2022
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9.
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"Nem o endeusarmos com a poesia"...
Torga humanizou-o na prosa, contudo,
E fez dele um mestre que, apesar de mudo,
Falava de amor e de Filosofia
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Como quem faz jus à tal sabedoria
Que da Vida entende um pouquinho de tudo...
Ah, se ao velho Bambo nesta estrofe aludo,
Aludo à amizade e, quem sabe?, à magia
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Mais bela, decerto, do que a do tal beijo
Que deu a princesa ao sapito do brejo
Julgando que o dito era um rei, nunca um sapo...
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Tem tino, princesa! Não vês que o encanto
Do nobre batráquio dispensa o teu manto
Que é, pra ele, um pobre e cerzido farrapo?
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Mª João Brito de Sousa
23.05.2022 - 23.00h
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10
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“Que é, pra ele, um pobre e cerzido farrapo?”
Isso porque o Bambo é inteligente
Mas mais nenhum sapo é assim cojente
Para distinguir a tal manta de trapo
*
Queria a princesa pensar que o sapo
Era antes Bambo tão nobre e valente
Que, na realeza, parecesse gente
Errou, enganou-se, tirou-lhe um fiapo
*
Nem nós no poema temos gosto insano
De fazer do sapo um príncipe humano
Para a tal princesa o poder beijar
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Confundiu decerto e ficou em apuro
Por ter confundido o sapo anuro
Com príncipe amado para namorar
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Custódio Montes
24.5.2022
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11.
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"Com príncipe amado para namorar"
Confunde a princesa o tal sapo anuro...
Posso ser insana, mas aqui lhe juro
Que ao sapo prefiro de longe admirar
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A pensar num homem para me casar:
A um, sim, amei-o, mas mais não aturo,
E se, no passado, previsse o futuro,
Talvez preferisse nem me apaixonar...
*
Bem sei que, consigo, tudo foi dif`rente,
Que esse amor perdura e que vive contente
Com sua princesa num reino encantado,
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Enquanto eu afirmo que amo a solidão,
Que escrevo o que escrevo nessa condição
E não troco um brejo por trono ou condado!
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Mª João Brito de Sousa
24.05.2022 - 10.15h
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12.
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“E não troco um brejo por trono ou condado”
Nem quero princesas tão namoradeiras
Que gozem o sapo só com brincadeiras
Mesmo que o beijem como encantado
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Mas falar de amor agora é escusado
Para mais falarmos de tantas asneiras
Que a nossa princesa de várias maneiras
Fez passar ao sapo como namorado
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Se andasse ocupada não tinha desejo
De ao sapo encantado querer dar um beijo
E não nos daria tanta ocupação
*
Mas sem ter trabalho, farta, à boa vida
Quis-se imaginar como sendo a querida
Dum sapo encantado e do seu coração
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Custódio Montes
24.5.2022
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13.
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"Dum sapo encantado e do seu coração"
Tenta uma princesa ser dona e senhora...
Não sabe, a tontinha, que os sapos de agora
São poucos, passaram a espécie em extinção
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E exigem, portanto, maior protecção...
Cuidado, princesa, que a fauna e a flora
Devem preservar-se bem mais do que outrora
Em nome de um mundo mais limpo e mais são!
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Esses teus caprichos de dama mimada
São sonhos traídos, não servem pra nada!
(embora eu confesse que os utilizei
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na C`roa de versos que aqui vou tecendo...)
Princesa, princesa! Tu estás-te é esquecendo:
Tão livre é o Sapo quão nu vai el Rei!
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Mª João Brito de Sousa
24.05.2022 - 16.15h
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14.
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“Tão livre é o sapo quão nu vai el Rei!!”
Por isso, Princesa, vê lá se te apoucas
Nessas preferências, que queres tão loucas
Deixa lá o sapo que eu investiguei
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Que ter tais amores, isso também sei,
Já não é namoro: princesas são poucas
Vestem como as outras e não usam toucas
Não andam em charcos tão fora de lei
*
E já nem o “Bambo” vai nessas cantigas
Que tem bambo fêmea não quer raparigas
Nem por elas fica tão apaixonado
*
Tece, pois, princesa um novo novelo
Que o sapo rejeita, não quer teu anelo
“Quebra-se a magia do beijo assombrado”
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Custódio Montes
24.5.2022
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