GLOSANDO JOÃO DE DEUS
O SEU NOME
Ela não sabe a luz suave e pura
Que derrama numa alma acostumada
A não ver nunca a luz da madrugada
Vir raiando, senão com amargura!
Não sabe a avidez com que a procura
Ver esta vista, de chorar cansada,
A ela... única nuvem prateada,
Única estrela desta noite escura!
E mil anos que leve a Providência
A dar-me este degredo por cumprido,
Por acabada já tão longa ausência,
Ainda nesse instante apetecido
Será meu pensamento essa existência...
E o seu nome, o meu último gemido.
João de Deus
(Campo de Flores, 1893)
In Poemas Portugueses Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI, Porto Editora
INOCÊNCIA(S)
"Ela não sabe a luz suave e pura"
Que um soneto lhe acende, ao desfolhar-se
E não pode, portanto, recordar-se
De jamais ter provado essa doçura,
"Não sabe a avidez com que a procura"
Da pura melodia, ao ter-se, ao dar-se,
Lhe traria a certeza de encontrar-se
A fundo, até ao ponto de ruptura,
"E mil anos que leve a Providência"
A apontar-lhe o caminho, é bem sabido
Que, enchendo-se de pressa e de impaciência
"Ainda nesse instante apetecido",
Nunca o encontrará. Pura inocência
Julgar, por puro azar, tê-lo perdido...
Maria João Brito de Sousa - 11.03.2017 - 15.43h