GLOSANDO FLORBELA ESPANCA - (5)
ANOITECER
A luz desmaia num fulgor d'aurora,
Diz-nos adeus religiosamente...
E eu, que não creio em nada, sou mais crente
Do que em menina, um dia, o fui... outrora...
Não sei o que em mim ri, o que em mim chora
Tenho bênçãos d'amor pra toda a gente!
Como eu sou pequenina e tão dolente
No amargo infinito desta hora!
Horas tristes que são o meu rosário...
Ó minha cruz de tão pesado lenho!
Meu áspero e intérmino Calvário!
E a esta hora tudo em mim revive:
Saudades de saudades que não tenho...
Sonhos que são os sonhos dos que eu tive...
Florbela Espanca, in "Livro de Soror Saudade"
ANOITECER
"A luz desmaia num fulgor d`aurora",
Qual chama que se apaga humildemente,
Como se tivesse alma e fosse gente
Que percebesse que é chegada a hora...
"Não sei o que em mim ri, o que em mim chora"
No pouco que esta vida me consente,
Só sei que a luz me abraça mansamente
Quando se esbate, suave e sedutora...
"Horas tristes que são o meu rosário",
Mas que, às vezes, cobertas de ternura,
Mostram ser, da tristeza, o seu contrário
"E, a esta hora, tudo em mim revive:"
Ah, quanta lassidão!... mas pouco dura...
Apagar-se-me-á mal me cative...
Maria João Brito de Sousa - 28.01.2016 - 15.06h