GLOSANDO FLORBELA ESPANCA
CONTO DE FADAS
Eu trago-te nas mãos o esquecimento
Das horas más que tens vivido, Amor!
E para as tuas chagas o ungüento
Com que sarei a minha própria dor.
Os meus gestos são ondas de Sorrento... ~
Trago no nome as letras duma flor...
Foi dos meus olhos garços que um pintor
Tirou a luz para pintar o vento...
Dou-te o que tenho: o astro que dormita,
O manto dos crepúsculos da tarde,
O sol que é de oiro, a onda que palpita.
Dou-te, comigo, o mundo que Deus fez!
– Eu sou Aquela de quem tens saudade,
A Princesa do conto: “Era uma vez...”
Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"
CONTO SEM FADAS
"Eu trago-te nas mãos o esquecimento"
Que aqui te deixo como um bem maior;
Sai demasiado caro, o seu sustento,
Mas raramente achei coisa melhor...
"Os meus gestos são ondas de Sorrento"
Perdidas no meu Tejo, irei supor,
Pois só desse me brota o estranho alento
Que, às vezes, me faz alga, em vez de flor...
"Dou-te o que tenho; o astro que dormita",
Bom-senso - quanto baste -, um gato manso
E a profunda paixão que me une à escrita;
"Dou-te, comigo, o mundo que Deus fez!"
- Posso ser essa a quem não dás descanso,
Mas jamais tentarei saber quem és!
Maria João Brito de Sousa - 23.01.2016 - 18.33h