GLOSANDO FLORBELA ESPANCA (15)
HORAS RUBRAS
Horas profundas, lentas e caladas
Feitas de beijos rubros e ardentes,
De noites de volúpia, noites quentes
Onde há risos de virgens desmaiadas...
Oiço olaias em flor às gargalhadas...
Tombam astros em fogo, astros dementes,
E do luar os beijos languescentes
São pedaços de prata p'las estradas...
Os meus lábios são brancos como lagos...
Os meus braços são leves como afagos,
Vestiu-os o luar de sedas puras...
Sou chama e neve e branca e mist'riosa...
E sou, talvez, na noite voluptuosa,
Ó meu Poeta, o beijo que procuras!
Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade"
HORAS RUBRAS
"Horas profundas, lentas e caladas",
Feitas de espanto e reflexões prementes
Que se vão desvendando, transparentes,
Porque sempre se insurgem, revoltadas...
"Oiço olaias em flor às gargalhadas"
E só vejo, afinal, rangendo os dentes,
Pessoas que contemplam, impotentes,
As próprias mãos vazias e cansadas...
"Os meus lábios são brancos como lagos"
Emitindo uns protestos neutros, vagos,
Contra outra mão, burguesa e esmagadora;
"Sou chama e neve e branca e mist'riosa",
Mas mesmo sendo eu fraca, é vigorosa
A rubra força que em mim cresce agora!
Maria João Brito de Sousa - 04.02.2016 - 12.35h