GLOSANDO FLORBELA ESPANCA (12)
CARAVELAS...
Cheguei a meio da vida já cansada
De tanto caminhar! Já me perdi!
Dum estranho país que nunca vi
Sou neste mundo imenso a exilada.
Tanto tenho aprendido e não sei nada.
E as torres de marfim que construí
Em trágica loucura as destruí
Por minhas próprias mãos de malfadada!
Se eu sempre fui assim este Mar Morto:
Mar sem marés, sem vagas e sem porto
Onde velas de sonhos se rasgaram!
Caravelas doiradas a bailar...
Ai quem me dera as que eu deitei ao Mar!
As que eu lancei à vida, e não voltaram!...
Florbela Espanca, in "Livro de Soror Saudade"
CARAVELAS...
"Chego a meio da vida já cansada",
O sopro humano gasto, a vela panda...
E a tempestade que não mais abranda
Não pára de galgar minha amurada...
"Tanto tenho aprendido e não sei nada"...
Nunca acaba esta busca, esta demanda,
Nem se cala esta voz que ma comanda,
Ainda que por vagas açoitada...
"Se eu sempre fui assim, este Mar Morto",
Que, à beira do naufrágio, fica absorto
Nesta contemplação do mar em mim,
"Caravelas doiradas a bailar",
Tão minhas quanto o devem ser do mar,
São quanto de mim sobra, até ao fim...
Maria João Brito de Sousa - 03.02.2016 - 13.04h