GLOSANDO CESÁRIO VERDE
HEROÍSMOS
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Eu temo muito o mar, o mar enorme,
Solene, enraivecido, turbulento,
Erguido em vagalhões, rugindo ao vento;
O mar sublime, o mar que nunca dorme.
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Eu temo o largo mar, rebelde, informe,
De vítimas famélico, sedento,
E creio ouvir em cada seu lamento
Os ruídos dum túmulo disforme.
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Contudo, num barquinho transparente,
No seu dorso feroz vou blasonar,
Tufada a vela e n'água quase assente,
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E ouvindo muito ao perto o seu bramar,
Eu rindo, sem cuidados, simplesmente,
Escarro, com desdém, no grande mar!
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Cesário Verde, in 'O Livro de Cesário Verde'
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DIALECTOS MARINHOS
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"Eu temo muito o mar, o mar enorme"
Que afunda sob as ondas encrespadas
Meus versos feitos de ilhas encantadas
Por muito que os (re)crie e (re)transforme...
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"Eu temo o largo mar, rebelde, informe",
Mas, de tanto senti-lo e já cansadas
De olhá-lo e de temê-lo, amarguradas,
Gemem-me as rimas num verso disforme ...
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"Contudo, num barquinho transparente",
Vencido o medo obtuso, é navegar
Até sentir que o mar também é gente
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"E ouvindo muito ao perto o seu bramar"
Imito-lhe o bramido (in)coerente;
Mais sou feita de mar que o próprio mar!
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Maria joão Brito de Sousa -28.10.2016 - 16.47h