GLOSANDO ANTÓNIO CODEÇO
FEL
Aceito haver o fraco, haver o forte,
A negra morte, o nada, a breve vida
O Sol a desaparecer na despedida
A Lua à noite viúva entregue à sorte.
Aceito aquele que anda já sem norte
O que não encontra a porta de saída
O que vive do vício da rapina
O que sucumbe sem ter passaporte.
Aceito o vento como obra do acaso
A cobra fria que usa letal veneno
Entrando num jardim que não é o seu
Aceito a flor que morre em seco vaso
A dor de ser mortal, de ser pequeno
Mas esse fel que provas não é meu
António Codeço, 2016
NEM TUDO FEL, NEM TUDO MEL...
"Aceito haver o fraco, haver o forte,"
Nascer, da sombra, a luz dum Sol intenso,
Queimar, até à cinza, um pau de incenso,
Ou quanto tempo reste, antes da morte...
"Aceito aquele que anda já sem norte",
E o outro, o que o descobre e torna imenso,
Mas mal me aceito a mim, se fico tenso
De tanto ir aceitando e, de tal sorte,
"Aceito o vento como obra do acaso",
Mas nunca meço o fluxo entre as pressões
Que, de alta para baixa, vão soprando,
"Aceito a flor que morre em seco vaso",
Mas duvido que aceite as distracções
Dos que a viram murchar, nunca a regando...
Maria João Brito de Sousa - 11.08.2016 -01.43h