GLOSANDO ÁLVARO DE CAMPOS
AH, UM SONETO...
Meu coração é um almirante louco
Que abandonou a profissão do mar
E que a vai relembrando pouco a pouco
Em casa a passear a passear...
No movimento (eu mesmo me desloco
Nesta cadeira, só de o imaginar)
O mar abandonado fica em foco
Nos músculos cansados de parar.
Há saudades nas pernas e nos braços.
há saudades no cérebro por fora.
Há grandes raivas feitas de cansaços.
Mas — esta é boa! — era do coração
Que eu falava... e onde diabo estou eu agora
Com almirante em vez de sensação?...
Álvaro de Campos
12-10-1931?
Álvaro de Campos - Livro de Versos . Fernando Pessoa. (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993.
AH, UMA GLOSA A UM SONETO DE UM HETERÓNIMO DE FERNANDO PESSOA ...
"Meu coração é um almirante louco",
Um tanto entorpecido, um tanto gasto,
Mas ainda capaz de dar-vos troco
Por não ser puritano, ausente e casto.
"No movimento (eu mesma me desloco"
escutando o foco, enquanto del` me afasto),
Pulsa-me esse almirante, atento e rouco,
Ralhando porque o estrago, se o desgasto...
"Há saudades, nas pernas e nos braços",
Que o sem-fim dos meus passos det`riora
Nas emergências de alguns erros crassos.
"Mas - esta é boa! - era do coração"!
Esta constatação deixou-me à nora...
- Almirante, onde, agora, a solução?
Maria João Brito de Sousa - 21.11.2016 - 00.04h